Fatos & Crítica 43: Movimento dos trabalhadores: luz no fim do túnel?
Coletivo do CVM
Os indicadores disponíveis demonstram que a economia brasileira continua cambaleante, mesmo com alguns resultados recentes levemente positivos. O componente mais importante de uma economia capitalista, sustentada pela exploração da mais-valia, é a acumulação de capital, que pode ser revelada pelo nível de investimento.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em agosto de 2023, o investimento em máquinas e equipamentos, medido pela produção nacional não-exportada, ou seja, com destino ao mercado interno, mais as importações, apresentou um recuo de 2,4% em relação ao mês anterior. Tal recuo é composto por um crescimento de 1,4% na produção nacional e por uma queda de 6,3% nas importações. Nos doze meses terminados em agosto, o IPEA indica que houve uma redução de 5,0% no investimento em máquinas e equipamentos e de 0,4% na formação bruta de capital fixo (categoria que inclui também a construção civil e outros ativos fixos). E, sem investimentos, não haverá crescimento mais à frente.
Cabe, entretanto, observar que, segundo os Indicadores Econômicos da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a utilização da capacidade instalada na indústria de transformação vem decrescendo regularmente desde janeiro de 2022, chegando a 78,1% em setembro de 2023. A existência de capacidade ociosa na indústria, ou seja, de capacidade instalada não utilizada, representa um desestímulo ao investimento em máquinas e equipamentos, mas permite algum crescimento no setor industrial no curto prazo.
Vamos então ao desempenho geral da economia. No primeiro semestre de 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) teve crescimento de 3,7% em relação ao mesmo período de 2022, com a seguinte distribuição setorial: Agropecuária (17,9%), Indústria (1,7%) e Serviços (2,6%). Mesmo considerando que parte do Produto de Serviços, como transportes, logística etc., serve ao setor industrial e que o agronegócio é formado por segmentos industriais em um nível de integração horizontal e vertical muito forte, não se pode deixar de notar, mais uma vez, o baixo desempenho das indústrias.
O IPEA revisou a previsão de crescimento do PIB de 2,3% para 3,3% em 2023, em razão principalmente da expansão da agricultura, após recuperar-se dos problemas climáticos de 2022. Internamente, as políticas adotadas pelo governo, de transferência de renda, valorização do salário-mínimo e demais programas sociais, têm permitido a sustentação da renda das famílias mais pobres em patamares baixíssimos, mas que contribuem para gerar algum efeito multiplicador na economia. Como esse efeito tem fôlego curto e a agricultura também crescerá a taxas bem menores, a previsão da evolução do PIB em 2024 é de apenas 2,0%.
No terceiro trimestre de 2023, segundo a Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD) do IBGE, o mercado de trabalho brasileiro seguiu em trajetória favorável, caracterizada, entre outros aspectos, por quedas contínuas da taxa de desocupação (7,7% nesse trimestre, correspondente a 8,3 milhões de pessoas) e expansão do pessoal ocupado (99,8 milhões), com destaque para o setor formal (587 mil postos de trabalho gerados nesse trimestre). A recuperação dos efeitos negativos da pandemia e o crescimento de 3,3% neste ano explicam essa evolução.
Nos nove primeiros meses de 2023, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), foram criados 1.599.945 empregos com carteira assinada, sendo 111.336 na indústria, 243.410 na construção civil, 144.126 no comércio e 870.320 nos serviços, o que mostra peso deste último setor na economia do país.
Segundo a PNAD do terceiro trimestre de 2023, a massa de rendimento aumentou em 2,7% em relação ao trimestre anterior: o aumento do emprego e os recuos da subocupação e do desalento ratificam esse cenário positivo. Em novembro e dezembro, todas as taxas benéficas do mercado de trabalho se acentuarão por conta do emprego temporário (sazonal). Mas tudo indica que esse panorama positivo não se repetirá a partir de janeiro de 2024, quando os efeitos sobre o mercado de trabalho das festas de fim de ano cessarão e as perspectivas econômicas serão menos promissoras.
O salário-mínimo nominal foi, em setembro de 2023, de R$ 1.320,00, enquanto o salário-mínimo necessário calculado pelo DIEESE atingiu R$ 6.280,93. Embora a relação entre os salários-mínimos nominal e necessário tenha aumentado ligeiramente, ainda assim ela é de apenas 0,21, ou seja, o salário-mínimo necessário teria que ser cerca de cinco vezes maior que o salário-mínimo nominal, para o atendimento das necessidades mínimas da família do trabalhador. Até o rendimento médio real apurado pela PNAD para o terceiro trimestre, de R$ 2.947,00, apesar de ter apresentado um crescimento de 4,6% no ano, ainda equivale a menos da metade do salário-mínimo necessário calculado pelo DIEESE. Isso sem contar que esse valor médio pode estar majorado pela influência dos rendimentos mais altos. A consequência é que dificilmente uma família trabalhadora conseguiria subsistir adequadamente contando com apenas uma pessoa ocupada.
Em setembro de 2023 a inflação apresentou um aumento de 0,26% (5,19% em 12 meses). Para os trabalhadores, é preocupante nesse mês o aumento nos transportes (1,40%) e na energia elétrica residencial (0,99%), ainda que os alimentos tenham tido uma ligeira deflação (-0,71%). Uma inflação, mesmo que decrescente, continua significando aumento de preços, diminuição do poder de compra dos trabalhadores e necessidade de recomposição salarial.
Movimentos grevistas
No período ocorreram três greves mais expressivas, que podem ser um indicativo de que o cenário econômico mais favorável esteja oferecendo maior espaço para a mobilização dos trabalhadores, ainda que se trate de lutas no momento bastante defensivas.
O primeiro deles diz respeito às fábricas da GM em São José dos Campos, São Caetano do Sul e Mogi das Cruzes, em reação à demissão inesperada, comunicada por simples e-mails ou telegramas, de 1.245 operários, sem respeitar nem mesmo os acordos coletivos de suspensão do contrato de trabalho (layoff), que garantiam a estabilidade no período.
A desfaçatez e truculência com que a empresa aplicou a medida deu origem à deflagração imediata de greve pelos três sindicatos metalúrgicos correspondentes e nem mesmo a Justiça do Trabalho teve a coragem de se pronunciar contra os operários: o TST derrubou um pedido de liminar da montadora no qual ela pedia a manutenção das demissões. Com a vitória judicial, as negociações entre a montadora e os sindicatos dos metalúrgicos de São José dos Campos, São Caetano do Sul e Mogi das Cruzes avançaram. O acordo que prevê o pagamento dos dias parados e licença remunerada para quem havia sido demitido foi aprovado em assembleia e a greve foi suspensa em 08/11/2023. Os metalúrgicos também aprovaram o estado permanente de greve e a retomada da paralisação caso a empresa não cumpra o acordo.
Sempre defendemos a união dos trabalhadores de diferentes setores e locais de trabalho nas lutas concretas, mas neste caso foi a própria empresa que forçou essa unidade, ao acionar a metralhadora giratória das demissões na direção das três fábricas, representadas por três diferentes sindicatos.
A unificação da luta foi inevitável e imediata, mas precisamos destacar que não abrangeu a fábrica da GM em Gravataí, ainda não afetada pela onda de demissões. Os metalúrgicos chegaram a votar uma moção de solidariedade aos operários de São Paulo, em assembleia do sindicato, mas não entraram em greve.
Colaboraram para isso o medo de demissões e a ameaça do fechamento puro e simples da fábrica de Gravataí. Prenúncios disso são as paradas frequentes na produção, alternando períodos de trabalho intensivo e extenuante com períodos de layoff, com uma média de três dias de trabalho por semana. Esse regime funciona como uma espada na cabeça dos operários, gerando bastante insegurança em relação à preservação dos empregos e dificultando movimentos de solidariedade mais expressivos. Em caso de demissões ou de corte de direitos no novo Acordo Coletivo de Trabalho, entretanto, é possível esperar uma reação mais forte dos trabalhadores de Gravataí.
Isso mostra que ainda há muito a progredir na construção dos vínculos de solidariedade entre os trabalhadores, pelo menos dentro de uma mesma empresa de caráter nacional, como a GM.
Outro importante movimento foi a greve em 3 de outubro, que congregou metroviários, ferroviários da CPTM e trabalhadores da companhia de saneamento (Sabesp), em São Paulo, contra as privatizações em andamento pelo governo estadual. Trata-se de uma greve que envolveu categorias distintas em torno de um tema que transcende a reivindicação imediata por salário ou emprego.
Acusando o golpe, o governador bolsonarista de São Paulo classificou a greve como “abusiva, ilegal e politicamente motivada” e uma ação civil pública do metrô pediu indenização de R$ 7 milhões ao sindicato pelo prejuízo durante a greve. Além disso, a greve dos metroviários gerou a demissão de oito empregados, entre eles alguns diretores, um vice-presidente do sindicato e membros da CIPA.
Os trabalhadores sabem que os processos de privatização geram inevitáveis demissões em massa e perda de direitos, em benefício da elevação dos lucros dos novos donos. Ao lutar contra as privatizações, os trabalhadores não lutam por melhorias presentes, mas para evitar prejuízos futuros e, com isso, a greve adquire também um caráter político.
Além disso, as privatizações de serviços públicos têm demonstrado que a ânsia de lucro das empresas gera também uma piora nos serviços prestados à população. Isso ficou muito claro com o acidente numa linha privatizada do metrô de São Paulo e, agora mais recentemente, com o caos no abastecimento de energia elétrica, afetando centenas de milhares de pessoas na região metropolitana. A causa fundamental para isso foi a sanha da concessionária ENEL para aumentar a exploração dos trabalhadores: entre 2019 e 2023 a empresa demitiu, nada mais nada menos, que 36% dos seus empregados!
O terceiro movimento foi a greve da Embraer, que paralisou 100% dos 5.000 trabalhadores na produção, durante 4 horas, no dia 3 de outubro. Esse é mais um exemplo de perda direitos em empresas privatizadas. Os trabalhadores lutavam por aumento real de salário, mas também pela preservação de direitos, como a estabilidade até à aposentadoria, em caso de doença ou acidente de trabalho, direito que a Embraer insiste em suprimir. A repressão da Polícia Militar e dos seguranças da empresa impediu o prosseguimento da greve.
Como sempre, os patrões se valem de todos os meios para reprimir os movimentos, com as demissões em massa ou de lideranças, com o uso da polícia e da segurança interna das empresas para atemorizar os trabalhadores em greve, passando pelas pesadas multas impostas aos sindicatos. Usam o seu estado para garantir os seus interesses. Aos trabalhadores, resta a organização pela base e a unificação de suas lutas como meio de se contrapor a esse poderio econômico e político.
CVM, 09/11/2023.
Leia aqui em PDF o CADERNO F&C 43