Fatos & Crítica 40: O ato golpista de 8 de janeiro e as condições de luta dos trabalhadores
Coletivo do CVM
Em 8 de janeiro de 2023, um domingo, o Brasil assistiu, pela grande mídia burguesa e pelas redes sociais, à invasão de Brasília, capital federal, por uma multidão de bolsonaristas vindos de ônibus de diversos estados a qual se juntou um punhado de outros acampados diante do Quartel General do Comando Militar do Planalto (11ª Região Militar). Estimada em 4.000 manifestantes bolsonaristas, a multidão, uma verdadeira turba, sob a complacência das forças de segurança pública, principalmente do Exército, ocupou a Praça dos Três Poderes, e, durante quase duas horas, destruiu os edifícios e bens do patrimônio público da Presidência da República, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Foi um ato golpista de ampla repercussão, consequências e implicações.[1]
Duas semanas após a tentativa de golpe contra o governo Lula já é possível reconstituir o desenvolvimento que, depois da festiva posse presidencial, levou aos fatos de 8 de janeiro. Ao nos determos nesta análise pretendemos examinar as raízes e tendências do golpismo, inclusive das ações em resposta dadas pelo governo Lula, de modo a entender todo o processo como parte das condições de luta dos trabalhadores.
Os pretextos da tentativa golpista
Desde que assumiu o governo, em 2019, Bolsonaro fez o possível ao seu alcance para viabilizar um “autogolpe”, ou seja, um golpe militar com sua manutenção na presidência. Esse era o item mais importante de sua plataforma de governo e já havia sido explicitamente apresentado por seu colega de chapa, o General Mourão, na campanha eleitoral de 2018.
Como todo golpe teria que ter um pretexto, nesse caso específico houve dois. Em primeiro lugar, o artigo 142 da Constituição, que – na interpretação dos militares e de juristas de extrema direita – daria às Forças Armadas (FFAA) o direito de intervir para garantir a lei e a ordem, por iniciativa de um dos poderes, no caso o Poder Executivo, chefiado por Bolsonaro.
O segundo pretexto diz respeito ao questionamento das urnas eletrônicas e igualmente foi propagandeado desde a eleição de 2018, quando o capitão divulgou que teria vencido já no primeiro turno, se não tivesse havido “fraude”. Esse discurso foi reiterado muitas vezes durante o seu governo e ensejou, inclusive, a elaboração de um projeto de lei em favor das “urnas auditáveis”, que permitiriam comparar os resultados eletrônicos com a contagem manual em papel (esta sim, daria margem a inevitáveis contestações).
Lembremos aqui o patético desfile de velhos tanques das FFAA diante do Congresso como forma infrutífera, naquele momento, de atemorizar os parlamentares durante a votação do projeto. Questionar as urnas eletrônicas servia também como antídoto para uma eventual derrota eleitoral em 2022, sob a alegação de fraude.
Que o assunto continuou a merecer discussão após os resultados eleitorais desfavoráveis, demonstra a minuta de decreto achada na casa do ex-Ministro da Justiça de Bolsonaro. Por esse instrumento, seria declarado um certo “estado de defesa” sobre o Tribunal Superior Eleitoral e uma comissão com maioria de militares seria constituída para examinar a possível “fraude” eleitoral. Não é difícil imaginar a que resultado tal comissão chegaria.
A dinâmica do processo golpista
Porém, não bastam pretextos para viabilizar um golpe militar no país. Como já dissemos e repetimos aqui muitas vezes, é preciso que haja condições objetivas para que a classe dominante renuncie a sua dominação direta e velada sobre o Estado (democracia representativa), em troca de uma ditadura aberta e indireta, sob a liderança dos militares.[2] Para isso, o domínio social da burguesia teria que estar ameaçado pelo movimento dos trabalhadores, o que não é o caso atualmente.
Em primeiro lugar, a tentativa de golpe de estado não é de forma alguma uma novidade no Brasil. Os militares e até um movimento fascista já o tentaram em outras oportunidades, como os integralistas em 1938, os militares da chamada “República do Galeão” contra Getúlio Vargas, o movimento contra a posse de Juscelino Kubitscheck e o golpe de 64, este último vitorioso por contar com o apoio praticamente unânime da burguesia e do imperialismo americano e a adesão massiva da pequena-burguesia urbana.
A tentativa de golpe de 8 de janeiro era uma possibilidade colocada há muito tempo pelo próprio Bolsonaro. Uma vez, ao referir-se à invasão do Capitólio de 6 de janeiro de 2021, ele chegou a perguntar o que poderia ocorrer no Brasil em caso de sua derrota por “fraude eleitoral”. Mais recentemente, nas redes bolsonaristas divulgou-se que algo estava para acontecer e que os “militantes” (eles assim se auto-denominam) não deveriam abandonar os acampamentos diante dos quartéis, necessários para “convencer” os comandantes militares a agir.
E assim o golpe anunciado foi planejado e executado em quatro atos: 1) transporte de centenas de “militantes” bolsonaristas para participar da “Festa da Selma” – como eles próprios denominaram o movimento da ocupação da Praça dos Três Poderes – , vindos de vários estados para Brasília, em ônibus pagos por empresários financiadores do movimento; 2) concentração dos bolsonaristas em acampamentos dotados de toda infraestrutura de abrigo e alimentação (também paga por empresários simpatizantes) em frente ao Quartel General do Exército; 3) passeata em direção à Esplanada dos Ministérios e à Praça dos Três Poderes, escoltada pela PM do Distrito Federal; 4) ocupação, com pouca ou nenhuma resistência das polícias legislativas e da Guarda Presidencial, dos edifícios sedes do Congresso, do STF e da Presidência da República e vandalização de suas instalações, com a possível participação de comandos.
Evidentemente, o ato final (ocupação) teria sido impossível se não houvesse a conivência ou mesmo o apoio ativo da PM do Distrito Federal (DF) e dos militares do Exército responsáveis pela área de informação do governo e pela proteção do palácio presidencial. Para isso, também contribuiu a ausência de Brasília do Secretário de Segurança Pública do DF, ex-Ministro da Justiça de Bolsonaro, em férias na Flórida, deixando sem comando o órgão que deveria chefiar.
O objetivo da ação era a instalação do caos na capital federal, ao qual se agregariam ações na mesma direção em todo país, como o cerco às refinarias de petróleo, o bloqueio de estradas e a demolição de torres de transmissão de energia elétrica.
Ações precursoras já haviam ocorrido em 12 de dezembro, quando manifestantes bolsonaristas causaram distúrbios diante da sede da Polícia Federal, sem sofrerem as consequências (ninguém foi preso); e em 24 de dezembro, quando foi descoberta a tentativa de explodir um caminhão de combustível num acesso ao Aeroporto de Brasília.
O objetivo do caos seria fazer com que o governo emitisse um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)[3] e colocasse um militar à frente de sua execução. Curzio Malaparte, um jornalista e escritor fascista, ao examinar em 1931 as “Técnica do golpe de Estado”, escreveu que os militares, “quando se apeiam do cavalo para aventurar-se a pé no terreno político, esquecem de tirar as esporas”.[4] Mas, o governo federal, em vez de se render a tal intervenção que o tornaria refém do Alto Comando das Forças Armadas, interveio na Segurança Pública do DF, deteve os manifestantes, realizou centenas de prisões, impediu o prosseguimento do golpe e retomou o controle da segurança pública pelo governo. Essa retomada pressupôs uma ofensiva contra as forças bolsonaristas envolvidas, mediante exonerações ou dispensas, do comandante do Exército, dos militares lotados no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), de superintendentes da Polícia Rodoviária Federal, de todos os diretores da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e das direções regionais na Polícia Federal em 18 estados, assim como a dispensa de 40 sargentos, cabos e soldados lotados no Palácio da Alvorada em funções administrativas (segurança do presidente da República).
O que falhou?
Além de tais medidas, o que permitiu ao governo federal retomar as rédeas da situação foi, antes de tudo, a ausência de condições objetivas para o sucesso do golpe. A burguesia como um todo, representada diretamente pelos presidentes das duas casas legislativas, pelos ministros do STF, pelos governadores e pela grande imprensa se uniram para condenar a iniciativa, sem esquecer lideranças de outros países, como Biden, que classificou o golpe de “ultrajante”.
Não há dúvida que o golpe foi planejado e executado por uma facção militar e que contava com o apoio, ou no mínimo, com a complacência das Forças Armadas como um todo. O fato de o Exército ter tolerado e protegido os manifestantes acampados em áreas militares por todo o país é um sinal evidente disso. Depois de fracassado o golpe, o Exército ainda cercou o acampamento dos bolsonaristas em Brasília com tanques, para impedir que a Polícia Militar do DF – agora sob intervenção federal – prendesse os “militantes” que ainda ali se encontravam.
Os comandantes militares são visceralmente antipetistas, anticomunistas e não toleram Lula, mas só poderiam aderir a um golpe de estado se estivessem seguros da vitória. A ausência de condições objetivas se refletiu na falta de consenso no Alto Comando. Havia concordância em proteger os acampados diante dos quartéis, afinal ali estavam muitos parentes e amigos, como reconheceu o próprio Ministro da Defesa de Lula, mas não em romper a ordem constitucional.
Segundo circulou na imprensa alternativa, o ex-Comandante do Exército Freire Gomes teria dito a Bolsonaro que não trocaria 20 dias de glória, com a decretação de estado de emergência, por 20 anos de dor de cabeça. Tendo ou não existido, a afirmativa sintetiza muito bem o que se passa na cabeça de um comandante militar em circunstâncias como essa.
Consequências do golpe fracassado
Segundo pesquisa do DataFolha, 93% dos entrevistados condenaram os atos golpistas, 61% concordam que alguns ou todos os manifestantes deveriam ser presos e 55%, que Bolsonaro é o responsável pela tentativa golpista.
As cenas de vandalismo das sedes dos poderes exibidas continuamente nas televisões e a retransmissão pelas redes sociais certamente contribuíram para esse resultado, que revela um expressivo desgaste para o bolsonarismo. Já são vistos movimentos de gradual afastamento, por parte de políticos de direita e líderes evangélicos, em relação a Bolsonaro. O fato é que, após a exoneração do comandante do Exército, general Arruda e do conjunto de prisões de manifestantes, abertura de inquérito para investigar financiadores do ato golpista, exonerações e dispensas relacionadas às forças da segurança pública (FFAA, GSI, ABIN), o governo Lula começa a mobilizar-se para a volta à “normalidade” do presidencialismo de coalizão com a Câmara dos Deputados, mediante a cooptação de deputados da direita bolsonarista (Republicanos, p. ex.). A propósito, o discurso segue a prática, e ali (na política burguesa) onde não há fronteiras definidas, como na geografia física, a liderança petista, com apoio da CUT, procura separar, no bolsonarismo, os “terroristas” dos simplesmente adeptos das ideias da extrema-direita.
A manifestação oficial do novo comandante do Exército, general Paiva, ao afirmar o respeito ao resultado das urnas de 30 de outubro de 2022, ressaltou a importância de combater a “intolerância” e a politização das Forças Armadas pela quebra da disciplina e do respeito à hierarquia militar. Demarca assim, a defesa da democracia burguesa e sinaliza o afastamento institucional das Forças Armadas do golpismo. Provisoriamente, por enquanto. Como é sabido quanto mais os militares juram lealdade à Constituição e ao Presidente da República como seu chefe constitucional, mais os seus atos podem se tornar ilegais, apenas agora planejados e realizados de modo conspirativo.
Importante é não perder de vista, como assinalamos no boletim Fatos & Crítica n. 39, de 29.11.2022, que a tendência golpista de caráter bolsonarista é sustentada pelas Forças Armadas:
Apesar de sua atual debilidade organizatória e da falta de condições objetivas para tentativas golpistas no curto prazo, os bolsonaristas constituem uma força de reserva que o Alto Comando das Forças Armadas pode manipular por meio da correia de transmissão dos oficiais de reserva e que poderá ser usada para limitar ao máximo os movimentos do novo governo, quando e onde julgar necessário.
O movimento bolsonarista continuará existindo, inclusive nas Forças Armadas, ainda que a sua fração militar na média e baixa oficialidade deverá ser rigidamente enquadrada depois do insucesso de 8 de janeiro e da reação governamental. Condições sociais para isso não faltam: uma pequena burguesia proprietária (pequenos comerciantes, caminhoneiros etc.) ameaçada pela crise e que teme “o avanço do comunismo” representado pelo PT e movimentos sociais; os latifundiários do agronegócio, que desejam desmatar sem restrições e invadir terras públicas; os garimpeiros ilegais invasores de terras indígenas; os milicianos de todos os tipos; o lumpemproletariado, que está pronto a engrossar as fileiras do bolsonarismo em troca de pequenas vantagens.
Estamos falando, portanto, do golpismo como expressão política de classes e seu confronto como parte da luta de classes que fundamentalmente opõe, no Brasil, capital e trabalho. Somente a mobilização política dos trabalhadores, no nível nacional, poderá efetivamente bloquear esta tendência.[5]
Um primeiro sinal nesta direção, embora limitada a intervenção da pequena-burguesia democrática, aconteceu em 16 capitais e em cidades médias por todo o país. Em São Paulo, milhares de manifestantes que chegavam ao local do ato de protesto, gritavam “sem anistia e sem perdão, queremos Bolsonaro na prisão”. O ato foi convocado pelo Povo Sem Medo, Brasil Popular e Coalisão Negra por Direitos, tendo uma forte participação as torcidas organizadas dos times Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo. A participação partidária mais notável em São Paulo foi a do PSOL e, do movimento sindical, a maior ausência foi a das Centrais Sindicais.
Para o governo Lula, apesar de ter debelado a primeira crise política do seu governo, os problemas que enfrentará não são poucos. No terreno econômico, a perspectiva é de uma recessão mundial, da qual o país dificilmente escaparia. Será praticamente impossível atender simultaneamente às demandas de todos os setores que formam a Frente Ampla que o elegeu e o protegeu da tentativa golpista.
Do ponto de vista político, Lula descobriu que os militares como um todo não o tolera e que, se não se unificaram no 8 de janeiro, não quer dizer que não possam fazê-lo em condições de maior acirramento da crise política e social. Serão sempre uma espada de Dâmocles política sobre a sua cabeça. A tutela militar sobre o “poder civil” continuará, ainda que de forma dissimulada.[6]
Outro setor a ser contentado pelo governo Lula é o chamado “mercado”, ou seja, o capital financeiro, fração hegemônica no bloco burguês dominante, sedento por privatizações que possam lhe produzir lucros e uma política de austeridade fiscal que permita o pagamento dos juros da dívida pública.
E, por fim, há as centrais sindicais, que formularam um esquema para apresentar ao novo governo as suas reivindicações no dia 21 de janeiro com o pomposo título de “Prioridades da pauta da classe trabalhadora para 2023”.
Habituado a negociar, Lula pretende agradar a todos, mas num cenário de recessão econômica à vista, é certo que, forçado a optar entre medidas antagônicas, irá privilegiar os interesses principais da burguesia, como já aconteceu nos seus mandatos anteriores.
Perspectivas para a luta da classe trabalhadora
Certamente a maior das preocupações do governo não virá do movimento sindical. A posição da maioria absoluta dos sindicalistas é a de defender a retomada do crescimento econômico e encarar o desemprego como um “mal necessário” do capitalismo (embora não usem tais expressões, é o que pensam quando falam da “economia”), inclusive com a perda de direitos.
Lula, na reunião com as Centrais Sindicais realizada no Palácio do Planalto em 21 de janeiro, falou na necessidade da classe trabalhadora “apertar os cintos”. O fez, como de costume, abusando da metáfora completamente fora de contexto e em situações não comparáveis, ao mencionar que ele se contentou em comer pouco a pouco após a greve de fome em 1980, quando seu desejo imediato era comer um frango assado inteiro para saciar sua fome. É a forma de dizer que os trabalhadores precisam conter suas lutas para viabilizar a recuperação da economia capitalista.
O cenário não é otimista e as dificuldades pela frente são percebidas pelas centrais sindicais como um desafio pois, diante do descontentamento dos trabalhadores e da possível emergência de greves, precisarão cumprir o papel que delas espera o governo Lula, a saber, o de conter e canalizar a luta para a “mediação” da justiça do Trabalho. Por isso é que, em todos os discursos pronunciados em 21 de janeiro, ouvimos a ladainha da “mobilização dos trabalhadores” – um modo de dizer “estamos comprometidos com a sorte de vocês, penalizados – embora a palavra luta não tenha sido pronunciada porque não faz parte do vocabulário daqueles dirigentes. Também constitui a razão de reafirmarmos estarmos diante de um sindicalismo burguês.
Com isso tudo devemos supor sermos indiferentes quanto a levar adiante a luta de classe dos trabalhadores contra a burguesia num governo de Lula ou de Bolsonaro? Esses governos se equivalem?
Não. Os quatro anos do governo ultraliberal de Bolsonaro mostraram para os trabalhadores o empenho constante desse presidente (a carteira verde-amarela foi seu instrumento) em reduzir os trabalhadores à simples existência de força de trabalho sem quaisquer direitos exceto o de aviltar ou de vender esta força a preços cada vez mais rebaixados. Lula, ao contrário, agirá no sentido de manter a esperança de melhoria na remuneração salarial e do salário mínimo que constitui a expectativa ampla e difusa na massa trabalhadora. A recriação do MTE serve a esse e outros propósitos que examinaremos em próximo boletim, ao tratar das prioridades das centrais sindicais para 2023. Quanto aos direitos não há possibilidade de retomada, principalmente porque a reforma trabalhista se apresenta como um patamar legal da dominação do capital sobre o trabalho aceito e reforçado pela intervenção do STF. Secundariamente, porque as centrais sindicais estão divididas em relação a diferentes aspectos da reforma (a terceirização é defendida pela Força Sindical e combatida pela CUT). Uma eventual mudança pelo Congresso esbarra preliminarmente aí, ou seja, na recusa pelas comissões em examinar projetos de lei impedidos pela Justiça e, mesmo que uma maioria provisória permita a tramitação de um projeto, este será derrubado pela maioria de direita nas duas casas desta instituição burguesa.
As condições de luta são, em consequência, desfavoráveis. Porém quando se está contra a parede, sem possibilidade de recuo, o que se faz? Avança-se para frente, confronta-se. Assim, estamos diante da situação em que resta apenas aos trabalhadores lutar. No momento atual lutar significa transformar cada luta isolada em exemplo para os demais que continuam a trabalhar sozinhos com os olhares presos às suas máquinas; tem o sentido de procurar formas de estabelecer a solidariedade ativa entre os trabalhadores e de pressionar os sindicatos para organizar fundos de greve onde uma luta estiver em curso. Aponta a necessidade de retomar experiências do Movimento de Oposição Sindical de São Paulo, como a das “interfábricas”, uma organização que vinculava militantes desse movimento atuantes em diversas empresas da capital paulista. Significa, de um modo geral, com base na organização independente nos locais de trabalho e nas moradias, atuar na perspectiva da unificação das lutas específicas como já havíamos apontado no Boletim Fatos & Crítica n. 35, a exemplo do reajuste automático dos salários. Transformar também cada medida da política burguesa, em qualquer dos “três poderes” – e aqui citamos enquanto exemplo das ações da CONTAG e CUT ajuizadas em 1997 sobre a demissão sem justa causa, a ser decidida pelo STF no primeiro semestre de 2023 – em assunto de amplo debate entre os trabalhadores nos locais de trabalho e de moradia para construir uma consciência de classe a esse respeito.
Será por este caminho difícil, penoso e marcado pela manipulação de Lula e de seu dispositivo sindical que os operários terão de seguir. Incerto e indefinido, tem de jogar com a experiência do passado e do presente. Aprenderão, entre acertos e erros, avanços e recuos, a identificar seus interesses específicos enquanto classe oposta e independente da burguesia, impedindo de serem utilizados como massa de manobra pelas diferentes facções políticas da burguesia. Nesse processo, destacar-se-ão como a vanguarda classe, colocando-se à altura dos enfrentamentos de classe que estão por vir.
CVM – 24/01/2023
Notas:
[1] Há notícias sobre possíveis atentados a 16 torres de transmissão de energia elétrica, concentrados em São Paulo, Paraná e Rondônia. O governo Lula atribuiu a responsabilidade pela investigação à ANEEL e Ministérios de Minas e Energia, Justiça e MPF, quando deveriam estar no âmbito do STF que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro.
[2] Entendemos essa dominação em seus dois tipos como uma ditadura de classe da burguesia sobre o proletariado, conforme assinalado por Erico Sachs em Estado e classe, ditadura e democracia.
[3] A normatização da GLO (Portaria 186 de 31/01/2014), aliás, ocorreu em 2014 durante o governo de Dilma Rousseff.
[4] Técnica do golpe de estado. Lisboa: Publicações Europa-América, Ltda, 1983, p. 89
[5] Uma tendência golpista persistente implica em que venha atuar de modo a desestabilizar politicamente o governo e fomentar crises para ressaltar a incapacidade de controle nacional, sob diferentes formas (institucionais ou não), meios (greve de caminhoneiros, especulação sobre a moeda, atentados, em diferentes momentos.
[6] De acordo com a obra “História Militar do Brasil”, de Nelson Werneck Sodré, a intervenção militar na política nacional é um traço histórico desde pelo menos a Guerra do Paraguai (1864-1870).