Fatos & Crítica nº 6: Dilma nas mãos do Congresso
O escritor americano Mark Twain afirmou certa vez que o seu país tinha “o melhor governo que o dinheiro pode comprar”, na mais perfeita síntese sobre a influência do poder econômico sobre as instituições políticas da democracia burguesa. Considerando as revelações da Lava-Jato e a situação política nacional, podemos adaptar a frase e dizer que o futuro político de Dilma está agora nas mãos do que pode ser descrito como o “pior Congresso que o dinheiro pode comprar”.
A crise econômica capitalista, que os analistas da direita atribuem oportunisticamente aos “erros do governo”, mas que tem na verdade caráter sistêmico e mundial abate-se agora com força inédita sobre o país, que sofre uma severa recessão. Nessas circunstâncias, a política de colaboração de classes que forjou a coalizão “social-liberal”, que governou o Brasil de 2003 até agora, não tem mais condições de se manter.
Essa coalizão, baseada na política de colaboração de classes conduzida pelo PT, preservou sempre em última instância os interesses do grande capital, mas garantiu algumas migalhas aos trabalhadores, viabilizadas pelo auge econômico propiciado pela valorização, no âmbito mundial, das matérias primas exportadas pelo país.
Mas, para combater a crise e retomar a taxa de lucros, a burguesia não conhece outro remédio a não ser a desvalorização dos salários, a retirada de direitos sociais e a venda na “bacia das almas” de propriedades públicas para grupos capitalistas privados. Depois de eleita, Dilma não vacilou e, tendo garantido o seu mandato, apresentou-se como condutora de uma política de austeridade, nomeando Joaquim Levy, representante do capital financeiro, para o Ministério da Fazenda. Este iniciou o arrocho com a promoção de grandes tarifaços, que alimentaram a inflação e a correspondente e desejada desvalorização salarial.
O receituário burguês para a política econômica de austeridade exige, entretanto, muito mais: fim da política de ganhos reais para o salário mínimo, criação de idade mínima para a aposentadoria, flexibilização ou retirada de direitos trabalhistas, privatização de estatais, abertura para o comércio internacional, etc. Essa política coloca o governo em rota de colisão direta com a CUT e as bases sindicais do PT. A política de colaboração de classes entrou em colapso.
O que se viu a seguir foi uma pressão política constante da burguesia para que Dilma aplicasse a sua pauta prioritária e uma insatisfação cada vez maior das bases sindicais do governo com as medidas de austeridade. Que a Presidente tenha se inclinado decididamente em favor da direita, revelam vários fatos: trocou o Ministro da Fazenda, mas manteve a política econômica, aceitou retirar a obrigatoriedade da Petrobras de explorar o pré-sal, abriu a possibilidade de transformar as empresas públicas em sociedades anônimas (para privatizá-las) e sancionou a lei antiterrorismo.
O governo Dilma, assim como fez no seu primeiro mandato e também o próprio governo Lula, quando confrontado com interesses divergentes na coalizão, privilegiou os interesses hegemônicos do capital. O problema é que agora, para os trabalhadores, não há mais migalhas para distribuir, mas sim desvalorização salarial, desemprego e perda de direitos. Não foi à toa que, em determinado momento, antes das revelações de Delcídio, Dilma tenha cogitado em prescindir do PT e governar apenas com as outras forças políticas, especialmente com o PMDB.
As revelações de Delcídio na Lava-Jato, de que a Presidente teria nomeado um Ministro do STJ com a missão de proteger os empreiteiros presos, e os fatos que se seguiram envolvendo os grampos telefônicos, colocaram de novo Lula, Dilma e o PT no mesmo barco, que faz água e está à deriva. O PMDB, como os ratos que são os primeiros a se movimentar nos naufrágios, preparou as malas para desembarcar desse governo e participar do seguinte, ainda que suas principais lideranças (Temer, Renan, Jucá, Cunha, Sarney e tantos outros) estejam implicadas até o pescoço com os métodos que o poder econômico da burguesia se utiliza para controlar o poder político, objeto da Operação Lava-Jato.
As manifestações de 13 e 18 de março, contra e a favor do governo, têm semelhanças e diferenças: ambas tiveram a participação expressiva da pequena-burguesia, mas a da oposição congregou os seus setores empresariais, mais velhos e de maior renda, enquanto a da situação, os seus setores assalariados, mais jovens e de menor renda. Do ponto de vista de escolaridade, uma pesquisa revelou que não havia diferenças estatisticamente relevantes entre os dois principais grupos que se manifestaram em São Paulo.
A grande ausência nos dois foi, sem dúvida, a classe operária. A única exceção foi a manifestação dos operários metalúrgicos de São José dos Campos, que fechou a Via Dutra e levantou a palavra de ordem de eleições gerais. Com a ameaça do desemprego crescente, os operários não têm ânimo para apoiar nem o governo, que no máximo lhes ofereceu um Plano de Proteção ao Emprego, que não os protegeu, nem a oposição, que não lhes oferece nada além de mais arrocho e perda de direitos. Numa situação em que o governo afunda, Lula se apresentou na manifestação mais uma vez como o conciliador, na vã esperança que ainda funcione a fórmula que deu certo nos períodos de bonança.
A burguesia, representada pelos seus órgãos corporativos – FIESP e FIRJAN – já não tem mais dúvidas que Dilma não tem condições políticas de conduzir a política de austeridade contra os trabalhadores na intensidade e na velocidade necessárias. Um pedido de impeachment em tramitação no Congresso se apresenta como a saída mais viável para resolver a crise. Que os elementos para o processo sejam frágeis, pois pedaladas fiscais todos os governos praticaram, que ele seja conduzido por Cunha, um personagem envolvido até a raiz dos cabelos com os processos da Lava-Jato, nada disso parece deter o trem em marcha. Se os fins justificariam os meios para o PT, ao adotar os métodos de governança da burguesia, o mesmo “silogismo dos jesuítas” vale para a oposição de direita: não importa que os motivos sejam fúteis, não importa que Cunha tenha as mãos sujas, o que importa é tirar Dilma e o PT do poder.
Surge então a discussão sobre se estaríamos na iminência ou não de um golpe de Estado. Se o critério para definir o golpe for a quebra da institucionalidade burguesa, nada indica que isso esteja acontecendo. Os militares estão acompanhando a situação, mas não têm motivos nem motivações para agir. Também não há nenhum líder bonapartista à disposição. O assunto está sendo conduzido pelo poder legislativo e pelo judiciário, seguindo regras e formalidades legais.
O que causa a impressão de golpe é que os motivos para o impeachment são pífios e podem criar um precedente perigoso para os futuros presidentes da República. Não é à toa, que a classe dominante prefere que Dilma renuncie ou mesmo se suicide, mas ela não é nem Collor, nem Jânio, nem Getúlio. Alguns pensaram numa reforma de sistema de governo que desse mais poder ao parlamento, mas esta seria uma solução improvisada, parecida com a de 1961, com chances reduzidas de vingar, ainda mais com um Parlamento totalmente desmoralizado pelas acusações da Lava-Jato. Assim, a OAB prepara outro pedido de impeachment, baseado em outras razões, e o TSE aguarda as provas da delação premiada que a Odebrecht certamente fornecerá, para invalidar a chapa Dilma-Temer.
Mas tudo indica que essas soluções alternativas não atendem ao PMDB, que necessita de um desfecho rápido para tentar se livrar do que lhe poderá ocorrer no futuro próximo. Prefere oferecer Dilma como boi de piranha, na esperança de assumir logo o poder, atender aos clamores da burguesia pela aplicação do programa de austeridade na velocidade exigida, oferecer à pequena-burguesia de direita a derrota do PT e, em seguida, estancar as investigações da Lava-Jato, em benefício próprio, mas também em prol da “governabilidade” e da “união nacional”.
Assim, a contraditória política levada a cabo pelo PT desde 2003 encontra-se hoje nos seus dias finais, pronta para ser alvejada pelo “pior Congresso que o dinheiro pode comprar”, com o PMDB à frente. Que isso não vai significar o fim das crises política e econômica é o que veremos nos próximos meses. A classe operária ainda não se pronunciou e, livre das amarras da política de conciliação de classes, não ficará inerte diante dos ataques que estão sendo preparados na surdina contra ela, pelos que se apresentam como os futuros sucessores de Dilma.
CVM – 26 de março de 2016