Fatos & Crítica 47: O 1º de maio de 2024 e os desafios dos trabalhadores

Coletivo do CVM

 

Fiasco e fracasso foram palavras correntes usadas para explicar a escassa participação dos trabalhadores no 1º de Maio no Brasil deste ano. Um contraste com o que aconteceu no resto do mundo, com amplas manifestações nas quais a reivindicação de redução da jornada do trabalho levantada em 1889, quando a data passou a ser comemorada como dia internacional de luta dos trabalhadores tem sido retomada em vários países.  A resistência à exploração e a luta em termos de classe proporcionada pela regulamentação da jornada de trabalho constituem passos importantes no sentido do questionamento da dominação da burguesia. São aprendizados a serem feitos.

 

Como foram os atos de primeiro de maio?

No dia 1º de maio de 2024, as tradicionais manifestações do Dia do Trabalhador reuniram milhares de trabalhadores pelo mundo que saíram às ruas para reivindicar melhores condições de vida e trabalho.

As principais manifestações, reprimidas pelo Estado, ocorreram na França, na Turquia e no Chile. Em Istambul, na Turquia, o governo de Erdogan destacou mais de 42 mil policiais para a repressão ao movimento, com mais de 200 trabalhadores detidos. Também houve prisões de manifestantes em várias cidades da França (25 em Paris e 22 em Lyon) e em Santiago, no Chile.

Dentre as pautas levantadas pelos movimentos de trabalhadores, destacaram-se as reivindicações pela recomposição dos salários, corroídos pela inflação diante do aumento generalizado dos preços de itens básicos, e pela redução das jornadas de trabalho.

Além disso, a oposição ao massacre contra a população Palestina em Gaza foi levantada pelos trabalhadores nas manifestações de 1º de maio em diferentes locais, como na Grécia, África do Sul, Quênia, França, Iraque e Líbano, entre outros.

Na Espanha, o lema do ato conjunto das centrais sindicais CCOO e UGT, com manifestações em mais de 70 cidades, foi “Pelo pleno emprego: reduzir jornada, melhorar salários”, com centralidade para a redução da jornada de trabalho sem redução salarial. Além disso, as centrais sindicais apresentaram reivindicações para o governo espanhol executar uma agenda “social, reformista e de reconstrução democrática”.

Na Argentina, a principal manifestação se concentrou em Buenos Aires, com o lema “A pátria não se vende”, em oposição ao governo Milei e à “Lei Omnibus” que inclui a reforma trabalhista, previdenciária, um pacote fiscal e privatizações. A CGT afirma que o governo de Milei não promove um “diálogo social”, embora os líderes da Confederação tenham se prontificado em dialogar com o governo para reverter pontos da Lei.

O projeto da Lei Omnibus foi votado e aprovado na Câmara dos Deputados na véspera (30 de abril) em sua versão “desidratada”, mas que mantém perdas importantes para os trabalhadores argentinos, entre elas: aumento do período de experiência de três meses para seis meses, criação de um fundo de demissão, fim da moratória previdenciária que permitia aposentadoria de trabalhadores (principalmente mulheres) que não haviam cumprido 30 anos de contribuição, redução da faixa de isenção do Imposto de Renda, além da possibilidade de privatização de nove empresas estatais e a concentração, pelo período de um ano, de decisões administrativas, econômicas, financeiras e energéticas no executivo. Na sequência, o projeto de lei passará pelo Senado.

No Brasil, foram registrados atos em diversos estados. O 1º de maio organizado pelas Centrais Sindicais ocorreu em Itaquera (São Paulo), com participação de Lula, Alckmin e Boulos. O tema foi “Por um Brasil mais justo”, e as pautas incluíram o trabalho decente, o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, juros mais baixos, a valorização do serviço público, igualdade salarial e aposentadoria digna. Líderes da direita em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas e o prefeito da capital Ricardo Nunes foram convidados, mas não compareceram. Como atestam as lideranças políticas presentes e os convidados ausentes, bem como a baixa participação de trabalhadores, tratou-se de uma ação para angariar apoio e fomentar alianças “pelo alto”, visando às eleições municipais que ocorrerão em outubro deste ano (2024).

A Folha de São Paulo chamou o ato de “fiasco” e “fracasso”, e se apressou em apontar a necessidade de a esquerda abandonar a luta sindical e buscar outras alternativas para conquistar uma “boa foto” a ser utilizada nas campanhas eleitorais. De fato, diante de estimativas iniciais da presença de 50 mil pessoas, o Monitor do Debate Político da Universidade de São Paulo (USP) detectou a presença de menos de 2 mil manifestantes, contra cerca de 33 mil no ato bolsonarista de 21 de abril em Copacabana.

Lula colocou a culpa pela baixa participação no ato na falta de esforço de lideranças sindicais e governistas (como o ministro da Secretaria Geral, Márcio Macêdo) e em problemas de organização e convocação, como a escolha do local (Itaquera), distante do centro de São Paulo.

A Intersindical – Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora organizou atos próprios. Em São Paulo, o ato ocorreu na Praça da Sé, defendendo a revogação das reformas trabalhista e da previdência e o fim do arcabouço fiscal do governo Lula. Contudo, assim como o ato das Centrais Sindicais, a manifestação sofreu do mesmo problema de esvaziamento e baixa participação.

 

A questão da redução da jornada sem redução salarial volta à tona

As convocações para os atos de 1º de maio em materiais publicados em 22 e 28 de abril de 2024 pela Intersindical – Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora incluíram entre as pautas a “redução da jornada de trabalho, sem redução salarial”, embora sem maiores detalhamentos.

O tema da redução da jornada de trabalho sem redução salarial também foi abordado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, que lançou neste ano a campanha “40 anos 40 horas”, pela jornada de trabalho de 40 horas sem redução nos salários, fim do trabalho aos sábados e início do terceiro turno às segundas-feiras às 21 horas. Entre as ações desenvolvidas, estão a realização de debate público no lançamento da campanha, a realização de assembleias em portas de fábrica e o protocolo da pauta junto aos sindicatos patronais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).

Diante da incorporação de tecnologias nos ambientes de trabalho que mantêm altíssimos níveis de intensificação do trabalho, como a robotização e a Inteligência Artificial, com ameaças para o emprego e a saúde dos trabalhadores, a questão também tem sido abordada por mobilizações em outros países.

Cita-se como exemplo a fala do manifestante espanhol(com bandeiras da CCOO ao fundo, portanto, supõe-se ser um sindicalista vinculado à entidade) durante o ato de 1º de maio em Madrid:

A produtividade aumenta enquanto avançam a tecnologia, os meios e as capacidades produtivas. Mesmo assim, a jornada de trabalho se mantém igual. Uma maneira de conciliar e ter mais tempo livre, de poder aumentar o valor da hora trabalhada, que supõe um incremento salarial, é reduzir a jornada”.

A redução da jornada de trabalho sem redução salarial foi levantada na greve do setor automobilístico liderada pela United Auto Workers (UAW) nos Estados Unidos em 2023. A mobilização em torno da questão inclui um projeto de lei encaminhado ao senado norte-americano pelo reformista Bernie Sanders em março de 2024, propondo uma semana de trabalho de 32 horas.

No Brasil também existem Projetos de Lei (PL) e de Emenda Constitucional (PEC) sobre o tema tramitando no Congresso Nacional. Em dezembro de 2023, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Congresso Nacional aprovou o PL 1.105/2023, que inclui na CLT a possibilidade de redução da jornada de trabalho sem redução salarial, desde que acordada entre sindicatos e empresas.

Além da PL, dois Projetos de Emenda Constitucional preveem a redução da jornada de trabalho sem redução salarial: a PEC 231, que tramita desde 1995, estipula jornada semanal de 40 horas; e a PEC 148, de 2015, que propõe a redução gradual da jornada semanal, inicialmente de 40 horas, com reduções anuais até atingir as 36 horas semanais e 8 horas diárias. A expectativa é a de que o tema volte a pautar o Congresso Nacional em 2024.

Na Alemanha, o assunto voltou à tona em 2023. O IG Metall tem discutido o tema da semana de 4 dias de trabalho com 32 horas e remuneração integral. O sindicato, que busca se colocar como “cogestor” das transformações sociais em curso, afirma que a redução da jornada de trabalho irá preservar empregos, proteger a saúde dos trabalhadores e aumentar a remuneração por hora trabalhada, além de promover a maior produtividade da indústria e atrair trabalhadores qualificados. Isto é, seria um “ganha-ganha” para operários, sindicato e empresas.

O tema foi alvo de negociações entre o sindicato e as siderúrgicas no noroeste alemão no final de 2023. O IG Metall propôs a redução da jornada de trabalho de 35 para 32 horas, mantendo a remuneração integral. Contudo, diante da pressão patronal de que a proposta implicaria na perda de competitividade da indústria, o acordo coletivo firmado estipulou a redução coletiva da jornada de trabalho para 32 horas (permitindo a redução individual para 33,6 horas), mas com compensação salarial parcial, com pagamento de 33 horas para os trabalhadores de modo geral e 34,1 horas para trabalhadores acima de 60 anos. Além disso, o acordo estipulou um bônus de 3 mil euros para compensar a perda salarial pela inflação e um reajuste salarial de 5,5% a ser implantado em janeiro de 2025.

O resultado foi celebrado tanto pelo sindicato, quanto pelas empresas siderúrgicas. O representante do sindicato patronal Reiner Blaschek afirmou que o acordo permite maior flexibilidade sem incluir o pagamento integral dos salários, embora ressalve que o reajuste salarial acordado “levará as empresas ao limite”. Já o representante sindical Knut Giesler declarou:

“Estamos dando segurança aos empregados durante a transformação. Se houver pressão sobre o emprego, a redução do horário de trabalho com compensação salarial parcial significa que o trabalho restante pode ser repartido por vários ombros”.

Ou seja, o acordo coletivo permite uma ampla gama de opções para a organização do trabalho em turnos pelas empresas conforme suas necessidades, mantendo os altos níveis de intensificação do trabalho para o conjunto dos operários. Por exemplo, os dias de trabalho não são especificados previamente e a jornada diária pode ter durações diferentes. Os trabalhadores ainda não têm conseguido fazer frente à enorme pressão que a burguesia alemã exerce para flexibilizar a jornada de acordo com seus interesses.

Nesse sentido, cabe retomar o caso norte-americano da greve de 2023 nas três grandes montadoras liderada pela UAW. Em dossiê publicado neste portal acerca do tema em outubro de 2023, a avaliação da greve apresenta a fala de Katie Deatherage, operária da GM em Saint Louis, que reproduzimos a seguir:

“A GM tem esse negócio de tentar eliminar uma porcentagem da mão de obra todos os anos. A velocidade da linha é mais rápida e os trabalhos são um pouco mais pesados porque não temos pessoal. Nossos ossos e nossas articulações não foram feitos para isso”.

À luz dessa reflexão, é fundamental notar que a luta pela redução da jornada “normal” de trabalho não deve ser dissociada do enfrentamento das formas de prolongamento da jornada e, sobretudo, de intensificação do trabalho – como banco de horas, horas-extras, jornadas adicionais, gestão despótica, Participação nos Lucros e Resultados (PLR), etc. – que seguem os ditames da acumulação do capital mediante a maximização da exploração dos trabalhadores.

 

Perspectivas

A redução da jornada de trabalho sem redução salarial é, hoje, uma bandeira levantada pelo movimento de trabalhadores. Bandeira de interesse de toda a classe de trabalhadores assalariados, incluindo os desempregados, que traz à tona a contradição fundamental que divide a sociedade burguesa, isto é, a contradição entre trabalho e capital. Permite o enfrentamento das transformações produtivas em curso, evitando o aumento da exploração e, ao mesmo tempo, combatendo o desemprego.

Portanto, trata-se de uma luta de classes que, sob a liderança da classe operária, situa potencialmente o proletariado na cena política com suas próprias reivindicações, organização e meios, abrindo outro caminho em meio a polarização das forças de direita atualmente vigente em diversos países, como nos Estados Unidos e no Brasil.

CVM, 03/06/2024

LEIA EM PDF: CADERNO F&C 47

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