Fatos & Crítica 45: Economia em alta e popularidade em baixa?
Coletivo do CVM
Os últimos resultados das pesquisas de opinião sobre o governo Lula fizeram soar o alarme no Palácio do Planalto. Segundo o Datafolha, em março do ano passado, 38% dos entrevistados julgavam o governo ótimo ou bom, mas, decorrido um ano, esse percentual baixou para 35%. Inversamente, o número dos que consideravam o governo ruim ou péssimo subiu, no mesmo período, de 29% para 33%.
O governo não esperava essa evolução, diante de vários índices econômicos positivos: no ano de 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 2,9%; o desemprego baixou (na média anual) de 9,6% em 2022 para 7,8% em 2023; 1,8 milhões de empregos formais foram criados no ano passado e a renda do trabalho teve um aumento de 11,7% no mesmo período.
Algumas autoridades ensaiaram explicar o mau momento sugerindo problemas de “comunicação”, ou seja, as suas ações positivas não estariam sendo adequadamente divulgadas e capitalizadas, enquanto a extrema direita continuaria muito ativa, bombardeando o governo nas redes sociais.
Já a grande mídia aproveitou para atribuir o desgaste do governo Lula a certas declarações sobre política externa destoantes das orientações emanadas pelo Departamento de Estado americano, como a condenação de Israel pelo genocídio em Gaza e em relação às eleições na Venezuela.
Além disso, andaram sugerindo que a queda da popularidade do governo poderia ter relação com as tentativas de intervenção na companhia Vale S.A. e com a não distribuição de dividendos extraordinários na Petrobras, assuntos muito relevantes para os grandes fundos de investimento nacionais e estrangeiros – cujos interesses a imprensa burguesa reverbera –, mas de repercussão praticamente nula para a população em geral, principalmente entre os trabalhadores.
Mas não há dúvida que o governo tem com o que se preocupar. Pela pesquisa da Quaest do final de fevereiro deste ano, a aprovação do governo pelos entrevistados na faixa de renda familiar até 2 salários-mínimos – aquela na qual tradicionalmente tem mais apoio –, alcançou 61% (quando era de 64% há um ano) e, pior que isso, os que o desaprovam nessa faixa subiram de 21% para 36%. Na faixa seguinte, de 2 a 5 salários-mínimos, a desaprovação de 29%, em fevereiro de 2023, elevou-se agora para 52%, enquanto a aprovação caiu de 52% para 45%. Para 38% dos entrevistados, a economia brasileira simplesmente piorou nos últimos 12 meses, enquanto, para apenas 26%, melhorou.
Um jornalista alemão satírico alemão do início do século passado, Kurt Tucholsky, disse certa vez que o povo entendia errado a maioria das coisas, mas era capaz de sentir corretamente a maioria das coisas. Usamos a expressão acima com o cuidado de advertir que a maioria não entende, mas sente, apenas enquanto não luta coletivamente. Assim, com esta ressalva, usamos a frase do jornalista para dizer que, na presente situação, o sentimento correto das coisas ficou muito evidente em mais uma pesquisa de opinião, desta vez feita pelo Datafolha no mês de março, ainda a respeito de questões econômicas.
Para 41% dos entrevistados, a situação econômica do país piorou (28% acham o contrário). Os que avaliam que a tendência é melhorar diminuíram de 49% em dezembro de 2022 – pouco antes da posse do novo governo –, para 39% agora. Além disso, 60% acham que a inflação vai aumentar e 46%, que o desemprego também. Para 34% dos entrevistados, o poder de compra dos salários vai diminuir (antes da posse, eram apenas 21% que tinham essa opinião).
Vejamos então a alguns dados que justificam esse forte sentimento pessimista. Não adianta o governo argumentar que a inflação está “dentro da meta”, se apenas em janeiro deste ano, a cebola subiu 7,37%; a batata, 6,79%; as frutas, 3,74%; o arroz, 3,69% e o leite, 3,49%. E essas altas prosseguiram em fevereiro. Apesar dos pequenos ganhos salariais recentes, os trabalhadores sentem no dia a dia a diminuição do seu poder de compra em itens básicos.
É verdade que o salário-mínimo atual, de R$1.412,00, incorporou um pequeno aumento real de 4,2% em relação ao do ano anterior, mas ele representa apenas um quinto do que seria necessário para sustentar uma família, segundo cálculo do DIEESE (R$ 6.996,36). Os R$ 686,10 médios mensais do Bolsa Família, então, são apenas uma espécie de esmola que o Estado distribui para cerca de 21,1 milhões de famílias do país e que perdem valor a cada dia que passa, diante dos aumentos dos custos de alimentação.
Os próprios índices econômicos não são assim tão róseos. A formação bruta do capital fixo, que indica os gastos com investimentos, decresceu 3,0% em 2023, atingindo uma participação de apenas 16,5% no PIB e indicando que a economia irá desacelerar neste ano de 2024. Os últimos dados de desemprego também mostram que ele voltou a subir.
O governo procura estimular a economia com a antecipação de pagamento de precatórios de julho para fevereiro (cerca de R$ 30 bilhões) e com a liberação de R$ 20 bilhões dos recursos da poupança (depositados compulsoriamente pelos bancos no Banco Central) para programas habitacionais, de forma a gerar empregos. Mas isso não parece suficiente para alterar fundamentalmente a tendência de desaceleração do crescimento do país.
Bolsonarismo resiliente
Os resultados adversos das pesquisas de opinião vieram acompanhados de outro acontecimento negativo para o governo: os bolsonaristas conseguiram colocar, em 25 de fevereiro,185 mil partidários numa manifestação na Avenida Paulista, com o objetivo de protestar antecipadamente contra uma previsível prisão de Bolsonaro por tentativa de golpe de estado, dentre outros crimes. Apesar da divulgação de uma série de fatos desgastantes para sua imagem, a extrema direita revela uma enorme capacidade de mobilização, presencial e nas redes sociais.
Hoje se sabe que Bolsonaro e parte da cúpula militar de seu governo conspiraram antes, durante e depois das eleições para viabilizar um golpe militar no país. Em diversos números do boletim F&C observamos que o capitão estava sempre ocupado na organização de um golpe a seu favor (“Intervenção militar com Bolsonaro” e “Nós autorizamos” eram as palavras de ordem usadas por seus seguidores nos atos públicos), mas deixamos claro que as condições objetivas e subjetivas para tal não existiam.
De fato, a classe dominante não tinha o seu domínio social ameaçado pelos trabalhadores, o imperialismo americano não via nem vê em Lula uma ameaça a seus interesses fundamentais e tudo isso acabou por desestimular até mesmo certos generais bolsonaristas a embarcar na aventura.
As exigências de uma massa de extrema direita, majoritariamente pequeno-burguesa, formada por pequenos comerciantes, fazendeiros, familiares de militares, pastores evangélicos e seus rebanhos, caminhoneiros e lumpens é insuficiente para tirar o controle direto do Estado das mãos da burguesia – que o exerce por meio de seus representantes no legislativo, no judiciário e nas três esferas do poder executivo –, e entregá-lo nas mãos de generais ou de um capitão reformado.
O que não podíamos imaginar na época é que a conspiração pudesse ter sido discutida antes das eleições em reunião ministerial, com as intervenções de cunho golpista sendo gravadas em vídeo, por iniciativa do próprio Bolsonaro, e que esse material pudesse ter sido preservado, mesmo após o fracasso das articulações.
Mas não nos iludamos. O dia em que a burguesia realmente se sentir ameaçada pelos trabalhadores em relação ao seu domínio social, não por fantasmas existentes apenas nas cabeças de uma pequena-burguesia radicalizada, mas pela força social e política do proletariado organizado, como há sessenta anos, ela não terá dúvidas em apelar para os militares e para as hordas de extrema direita, de forma a evitar que a sua ordem social seja ameaçada e rompida.
Apesar de tudo, o bolsonarismo vai acumulando forças que um dia poderão ser empregadas, quando surgirem as condições objetivas. Sua capacidade de mobilização por meio das redes sociais e dos pastores evangélicos neopentecostais é enorme. Foi o pastor Silas Malafaia, da Igreja Universal Vitória em Cristo, que incentivou e organizou a manifestação de 25 de fevereiro, proferindo na ocasião o discurso mais virulento de todos.
Além disso, o governo Bolsonaro estimulou durante quatro anos a acumulação de armas nas mãos de “atiradores, caçadores e colecionadores”, que podem ser mobilizados, organizados e transformados facilmente em forças paramilitares, que se unirão às milícias já existentes, no caso de um acirramento da luta de classes. Só para dar um exemplo, recentemente explodiu um verdadeiro arsenal no apartamento de um coronel da reserva em Campinas. Quantos arsenais desse tipo devem existir mais no país?
Enquanto não chega a hora da solução violenta pelas armas, os bolsonaristas investem na participação eleitoral e aproveitam a ordem vigente democrático-burguesa para eleger seus representantes. Não podendo contar com a participação direta de seu chefe, que está inabilitado eleitoralmente, inúmeros direitistas entraram na disputa para saber quais são os mais reacionários a merecer a preferência de Bolsonaro nas eleições municipais deste ano e nas de 2026. Para ganhar pontos junto ao eleitorado conservador vale tudo, inclusive prestar solidariedade pessoal ao genocida Netanyahu em Israel, como fizeram Ronaldo Caiado e Tarcísio de Freitas.
A resposta do governo e do PT
Ao tentar dar uma resposta à mobilização bolsonarista de fevereiro, o PT e seus aliados idealizaram um “Dia Nacional de Mobilização”, mas conseguiram levar em 23 de março apenas uma pequena quantidade de militantes às ruas, em poucas cidades do país. Prevendo que a iniciativa não teria chance de sucesso, o governo já se esquivara previamente de participar e deixou toda a responsabilidade sobre o assunto nas mãos do PT e das frentes políticas que lhe são próximas.
A incapacidade de mobilização do governo, do PT e da esquerda institucional tem diversas causas. Em primeiro lugar, há várias décadas o partido abandonou a organização dos trabalhadores pela base e privilegiou a atuação eleitoral e institucional, sujeita aos limites permitidos por coalizões parlamentares que privilegiam os interesses das classes dominantes. Além disso, os sindicatos se acomodaram tradicionalmente a uma política de conciliação com os patrões, por meio de negociações pela cúpula, evitando ao máximo os movimentos grevistas e a organização por local de trabalho.
Diante do fracasso do dia 23 de março, o PT apela agora para a realização de um “Dia D” em 6 de abril, destinado a planejar a estratégia de mobilização dos “pré-candidatos” para as eleições municipais de outubro. Mais uma vez as energias são canalizadas para as eleições, para o lançamento de candidaturas e não para a organização nos locais de trabalho e de moradia.
Não é à toa que as mobilizações, quando necessárias, por exemplo, para se contrapor às ameaças bolsonaristas, acabam sendo anêmicas, como vimos recentemente, e as esperanças, quando aparecem, ficam depositadas na eventual intervenção de torcidas de futebol proletárias, cuja garra e organização são conhecidas, mas cuja consciência ainda se encontra no nível restrito do instinto de classe. Só muito raramente estarão à disposição para suprir as lacunas organizativas da esquerda.
Outras demonstrações de fraqueza política do governo Lula no combate às ameaças golpistas foram a proibição de atos relativos aos 60 anos do golpe militar de 1964 e o bloqueio da reativação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, extinta em dezembro de 2022, no apagar das luzes do governo Bolsonaro.
Depois de terem sido dadas ao conhecimento do público as iniciativas de militares do governo anterior em favor de um golpe, entre elas uma carta subscrita por 46 oficiais do Exército, Lula parece interessado em evitar qualquer atrito adicional com as Forças Armadas, ideologicamente comprometidas com a extrema direita.
O movimento dos trabalhadores
Não havendo condições objetivas para um golpe militar, simples intervenções do governo federal ou do STF são suficientes para abortar tentativas como as de 8 de janeiro de 2023. Porém, quando houver um acirramento das lutas de classes, isso não bastará, como se viu na deposição de João Goulart em 1964.
Para deter golpes de inspiração fascista apoiados pela classe dominante é necessário que os trabalhadores estejam organizados pela base nas regiões mais importantes do país e usem seus instrumentos de força política, como a greve geral, para deter a investida da direita, cujo propósito é sempre o de anular as conquistas sociais, reprimir as formas de organização do proletariado e agravar a sua exploração.
Infelizmente, o esboço da organização independente dos trabalhadores, iniciado no final dos anos 70 e início dos 80, com a fundação do PT e da CUT, foi interrompido, e hoje essas instituições são meras sombras do que já representaram no passado. Estão corroídas pelo eleitoralismo, pela burocratização, pela rendição à institucionalidade burguesa e pelo exercício da colaboração de classes.
O caminho para a retomada do processo de organização independente dos trabalhadores será longo e árduo e terá que passar necessariamente pelas lutas que atualmente são travadas no âmbito econômico.
Segundo o DIEESE, ocorreram no país, no primeiro semestre de 2023, 558 greves, nível semelhante aos observados no mesmo período no governo Bolsonaro (excluídos os anos da pandemia) e bem inferior ao observado em 2014, que foi de 1.233. Em número de horas paradas, no primeiro semestre de 2023, foram 19.962, uma pequena fração do que foi observado em 2014 (81.576).
Em 2014, as greves no setor privado representaram 45% do total e apenas 22% das horas paradas. Em 2023, o setor privado contribuiu com 37% das greves e 27% das horas paradas. Isso mostra que os movimentos grevistas foram em maior número no funcionalismo público e nas empresas estatais.
No funcionalismo público, as reivindicações principais disseram respeito a reajuste salarial (55%) e a piso salarial (52%). Nas empresas estatais, predominaram os reajustes salariais (31%). No setor privado, nada menos que 49% das greves tinham como reivindicação o pagamento de salários em atraso e 23%, o reajuste salarial.
Conclui-se desses dados que a maior estabilidade no trabalho representa uma vantagem para o trabalhador do setor público aderir a uma greve, enquanto no setor privado a decisão nesse sentido dá-se em situações extremas, como no caso do atraso no pagamento de salário, que representa uma quebra do contrato de trabalho por parte do patrão e uma ameaça imediata às condições de vida do trabalhador.
Um fato importante diz respeito aos reajustes salariais, que foram acima da inflação medida pelo INPC em 83% dos casos em janeiro de 2024, contra 66% no mesmo mês de 2023, revelando que as condições de barganha do trabalhador nas negociações elevaram-se, provavelmente em função da diminuição das taxas de desemprego. Mesmo assim, a variação média dos reajustes salariais em relação à variação do INPC, foi de apenas 1,89%, o que revela uma recuperação pouco significativa, ainda mais considerando-se o reajuste necessário calculado pelo DIEESE, que seria de 3,82% em fevereiro de 2024 (“De olho nas negociações”, nº 41, fev. 2024).
Esse maior poder de barganha nas lutas econômicas pode, entretanto, ser um fator de estímulo ao movimento dos trabalhadores em 2024. Porém, a atuação dos sindicatos, avessa a mobilizações e viciada em acordos de cúpula com os patrões e o governo representa um empecilho a esse desenvolvimento.
Vejamos um pequeno exemplo do tipo de comportamento das lideranças sindicais, num caso de relocalização industrial. Recentemente a empresa Toyota anunciou o fechamento de sua fábrica em Indaiatuba e a ampliação da unidade de Sorocaba, provavelmente para se livrar da Convenção Coletiva de Trabalho dos Metalúrgicos da região de Campinas, que garantia, por exemplo, piso salarial superior e o direito à estabilidade para os trabalhadores adoecidos por condições de trabalho.
Enquanto o Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba tecia elogios ao governo federal e à empresa pelo novo investimento de R$ 11 bilhões na cidade, sem se preocupar com o destino dos operários de Indaiatuba, o Sindicato de Campinas partia para ações meramente institucionais, aproveitando-se do ano eleitoral para realizar audiências com autoridades, sem a preocupação de organizar formas de resistência que pudessem unir os operários da empresa nas duas cidades, na defesa de seus empregos e conquistas sociais.
Hoje as centrais sindicais estão fundamentalmente preocupadas mesmo é em garantir o financiamento de suas entidades, substituindo a contribuição voluntária, fruto da consciência do trabalhador, pela contribuição assistencial, obrigatória para todos que não se opuserem formalmente a ela. Sobre a revogação das reformas trabalhista e previdenciária, que restringiram os direitos dos trabalhadores, nenhuma palavra, nem das centrais e muito menos do governo.
A pressão direta dos operários é, portanto, uma necessidade urgente. Sua efetivação dará o sentido da mudança da conjuntura e o sentimento de que não se conformou com a escravidão assalariada.
CVM, 02/04/2024
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