Fatos & Crítica 10: Pinguela instável

Coletivo do CVM

 

Com a espada das delações da Odebrecht pairando sobre a sua cabeça, além de uma ação no Tribunal Superior Eleitoral que pode cassar a chapa que o elegeu, Michel Temer iniciou o ano de 2017 nas águas tranquilas da Restinga de Marambaia com a ligeira sensação de estar curtindo a sua primeira e última regalia presidencial de fim de ano.

Apesar das expectativas ingênuas dos analistas econômicos da mídia burguesa, de que a substituição de Dilma por Temer teria o dom de retomar o crescimento, por conta da melhoria da confiança dos “agentes econômicos” – expressão que utilizam para designar a classe burguesa em geral – a crise econômica é um fenômeno muito mais profundo, capaz de restringir expectativas, ao invés de ser controlado por elas.

A recessão continua, o desemprego aumenta a cada mês, os estados vão à falência em série e, como se tudo isso não bastasse, a eleição de Donald Trump aponta para o início de uma nova onda de protecionismo em escala mundial, o que coloca em xeque, aí sim, a “expectativa” da burguesia brasileira de salvar os seus negócios com acordos bilaterais de livre comércio.

O único “sucesso” da política econômica do governo Temer foi o prosseguimento de uma tendência que já vinha do governo anterior, de recuo da inflação em função da queda da atividade produtiva. Isso permitirá algum recuo na taxa básica de juros SELIC nos próximos meses, ainda que ela se mantenha, em termos reais (descontada a inflação), na categoria das taxas mais altas do planeta, para a alegria do sistema financeiro.

Por todo esse quadro, a popularidade do Governo Temer é baixíssima. De início, ele esnobou o resultado das pesquisas, sabedor de que sua principal base de sustentação não estava na população em geral, mas sim no capital financeiro, que avalizou a sua ascensão ao poder e nomeou sua equipe econômica da maneira que quis, com o compromisso de executar um programa altamente impopular: restrição de gastos do governo por 20 anos e reforma da previdência – para viabilizar o pagamento dos juros da dívida interna –  e reforma trabalhista, para permitir a diminuição dos salários reais e o aumento da taxa de lucros. Exemplo desta última é o projeto de lei enviado ao Congresso para permitir a “negociação sindical”, ou seja, a redução de direitos consagrados na CLT, como o parcelamento das férias, a extensão da jornada de trabalho, a redução do intervalo para almoço, o banco de horas, etc.

Temer só deve explicações ao capital financeiro e, enquanto estiver executando o seu programa –. – tem uma chance de continuar governando, desde que as espadas da Lava-Jato ou do TSE não o degolem.  Por via das dúvidas, tem tentado algumas manobras no sentido de melhorar o seu apoio popular, como a permissão do saque de contas inativas do FGTS e a redução dos juros escorchantes dos cartões de créditos, que os próprios bancos consideram impagáveis na situação atual de crise econômica. Deve imaginar que um milagre ainda o possa levar a ter algum papel nas eleições de 2018.

Apresentado com o pretensioso título de “Ponte para o Futuro”, o programa do capital financeiro foi comprado pelo PMDB logo que o instinto de sobrevivência desse partido indicou que o Governo Dilma naufragava e a Lava-Jato ameaçava todas as suas lideranças de peso. Diante da quantidade de ministros que o novo governo teve de dispensar, por acusações de corrupção, além da renitente crise econômica, coube ao presidente honorário do PSDB traduzir a fragilidade do Governo Temer e de seu programa, ao rebaixar a “ponte” que deveria levar para o futuro para a simples categoria de pinguela. Os últimos acontecimentos mostraram que a pinguela, além de tudo é instável e balança a cada vazamento de delação premiada ou cada notícia de queda da atividade produtiva.

É verdade que a Emenda Constitucional que congela as despesas públicas por 20 anos foi aprovada no Congresso, mas também é verdade que o apoio na segunda votação no Senado foi expressivamente menor que no primeiro, indicando um desgaste do governo junto a sua base parlamentar. De toda forma, o impacto imediato da medida é muito reduzido e é difícil acreditar que seus efeitos nefastos sobre os gastos sociais fiquem preservados por duas longas décadas. Aqui, vale mais o seu efeito propagandístico para satisfazer o “mercado” – substantivo que designa o capital financeiro e seus acólitos – que os seus efeitos no curto prazo.

Difícil, entretanto, será um governo frágil como esse implantar a Reforma da Previdência da maneira como divulgou, alterando os direitos e as expectativas de milhões de trabalhadores. Mesmo poupando das medidas drásticas, por óbvio instinto de autopreservação, militares, policiais militares e bombeiros, a resistência até mesmo das centrais sindicais mais pelegas indica que o caminho para o governo não será nada fácil, especialmente se a luta ultrapassar os atos de rua, para atingir os locais de trabalho.

Que a classe dominante procura um Plano B para o Governo Temer, mostram as manifestações de Ronaldo Caiado e do próprio FHC, defendendo a antecipação de eleições diretas. Outros apostam na solução constitucional da eleição indireta, em que nomes do meio jurídico poderiam aparecer como solução, diante do desgaste dos parlamentares.

Mas nem o Judiciário escapa da debilidade das instituições da democracia burguesa do Brasil nos dias de hoje. Atingido pelas medidas de limitação de seus altos salários e pela ameaça de responderem por seus atos, membros do Judiciário reagiram contra o Legislativo, chegando um Ministro do Supremo Tribunal Federal a ordenar a destituição do próprio Presidente do Senado.

Para cúmulo da desmoralização da mais alta corte do país, Renan Calheiros recusou-se a obedecer à ordem e obrigou o tribunal a rever a decisão anterior e a se pronunciar de forma esdrúxula: Renan continuaria até o término do seu mandato como Presidente do Senado, mas estaria impedido de substituir o Presidente da República. Tudo isso acompanhado por ataques públicos entre os próprios componentes do STF.

Mas não é apenas a burguesia que, através de seus partidos preferenciais (PSDB e DEM), procura uma alternativa ao Governo Temer, caso ele não venha a resistir às delações da Odebrecht, que serão divulgadas em fevereiro. A fração da pequena burguesia composta por pequenos e médios empresários, profissionais liberais e assalariados de alta renda, que engrossaram as manifestações contra Dilma, exige uma solução fora da política tradicional, abrindo caminho para um salvador da pátria, no estilo Collor em 1989 e em consonância com a onda direitista que assola o mundo.

Os procuradores da Operação Lava-Jato apresentam-se como uma alternativa nesse sentido. Afinal, transformaram-se praticamente em um partido político autônomo, ao protagonizarem espetáculos midiáticos de acusação e ao lançarem as suas “10 medidas contra a corrupção”, sob a forma de um projeto de lei com dois milhões de assinantes, aprovadas em parte pela Câmara, porém com adendos inseridos pelos deputados contra o “abuso de autoridade”, que, em contrapartida, ameaçam de processo os próprios juízes e procuradores autores da proposta.

Outras opções seriam os “gestores apolíticos”, no estilo João Dória, ou lideranças evangélicas, no estilo Marcelo Crivella. Caso a situação de agrave, não está excluída a possibilidade de gorilas como Bolsonaro terem alguma chance eleitoral.

São diferentes possibilidades, a partir da virada da correlação de forças política para direita em 2013, de questionamento do sistema partidário vigente mas, por enquanto, de utilização do sistema eleitoral com vistas à arregimentação e influência junto às massas.

Quanto ao PT, permanece na defensiva e sem demonstrar a menor intenção de realizar uma autocrítica em relação às alianças que o levaram ao abismo em que finalmente caiu. Pelo contrário, ao apoiar Rodrigo Maia como Presidente da Câmara e ao agir como fiador de Renan Calheiros na Presidência do Senado, no triste episódio de sua quase destituição pelo STF, o PT demonstrou que está preparado para os piores acordos, desde que lhe reservem alguma migalha de poder parlamentar. Contudo, aposta na expectativa do desgaste do governo Temer e na popularidade ainda desfrutada por Lula, de olho nas eleições de 2018, desde que ele não venha a ser condenado até lá.

No momento, a classe operária ainda se encontra imobilizada pelo resultado da política de colaboração de classes dos governos do PT e pelos efeitos nocivos da recessão, mas a Reforma da Previdência em curso e o projeto de reforma da CLT se apresentam como ameaças diretas e contundentes aos direitos sociais dos trabalhadores. Estes podem ser os elementos para a retomada da sua mobilização independente, em nível nacional.

CVM, janeiro de 2017

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