Contribuir para a construção da perspectiva do movimento independente da classe operária em 2022 (Um texto para discussão)

Coletivo do CVM

 

A palavra de ordem “Fora Bolsonaro” assumida formalmente pelo sindicalismo nos seus portais da internet e agitada constantemente ao longo de 2021 assume agora sentido evidente: encobriu a responsabilidade da burguesia sobre a crise econômica e política e das medidas desencadeadas contra os trabalhadores, de forma a permitir a ampla aliança de classes quando das eleições de 2022. Único modo de fazer aliança com os inimigos de classe – que se traduz em votar no candidato alternativo cujo nome é de conhecimento geral. A corrente dominante no movimento sindical, organizada em torno do Fórum das Centrais Sindicais, não deixa menor sombra de dúvida quanto a esta posição.

No final do ano passado, este Fórum convocou a realização de uma nova CONCLAT para acontecer em abril de 2022: pretende-se aprovar uma nova Agenda “que servirá como base para o sindicalismo nas eleições gerais deste ano. O documento – uma plataforma eleitoral – será apresentado aos candidatos à Presidência da República.” A elaboração de uma “plataforma eleitoral” ou “agenda de reivindicações” é uma tarefa a ser cumprida durante o mês de fevereiro. É o que consta na matéria publicada no site da Força Sindical.

Os contornos de um provável futuro governo Lula começam a tomar forma e o traço mais importante a ser ressaltado nos pronunciamentos dele e no apoio do movimento sindical hegemônica é a convocação dos trabalhadores a sustentar a reconstrução industrial, o que equivale a dizer que eles devem servir novamente de viga de sustentação do capitalismo no Brasil.

Assim é que o candidato Lula, ao manifestar-se como convidado especial do 9ª Plenária Nacional da Força Sindical, realizada em São Paulo em 9 de dezembro de 2021, responde inequivocamente o que a burguesia espera da classe operária. Disse então Luiz Inácio Lula da Silva: “…esse país precisa mais uma vez da classe trabalhadora. E nós vamos ter que resolver, porque vai depender de nós.”

Essa linguagem, imediatamente compreensível por difundir a esperança de um futuro melhor para alguns operários como indivíduos e seus familiares, porém não como classe, isto é, como coletivo, encobre o que de fato significa um governo sob as regras vigentes em nossa sociedade capitalista. Esse modo de falar deixa na sombra o verdadeiro sentido do apelo de Lula, que assim pode ser traduzido, como fez quando assumiu o governo em 2003: apertem os cintos, contenham as greves, não questionem os rumos políticos adotados e esperem benefícios do governo. Em outras palavras: é para isso que a burguesia “precisa mais uma vez da classe trabalhadora”.

Uma coisa parece certa: as alianças políticas de Lula impedirão qualquer impulso de manobrar o leme do navio (o governo) comandado por ele um grau à esquerda na rota, a ser vigiada estritamente. Os próprios dirigentes sindicais têm consciência clara deste limite, mas poucos a coragem de assumi-la publicamente.

Não é o caso do presidente da Força Sindical. Em 13 de outubro de 2021, este dirigente, avaliando as divisões nas manifestações de rua contra o governo Bolsonaro, pergunta-se porque ali não se verificaram os resultados de uma pesquisa de opinião mostrando que em cada 10 brasileiros 6 eram contrários ou discordavam de Bolsonaro. Sua resposta é clara: a palavra-de-ordem “Fora Bolsonaro” é mais ampla do que as distinções estabelecidas pela “esquerda e centro-esquerda”. Decorre daí a exigência do engrossamento das fileiras da oposição ao atual governo, suspendendo as cores partidárias. Tendo logrado o objetivo de substituir o malfadado presidente, escreve o dirigente sindical, “cada qual segue o rumo das convicções político-ideológicas que lhe move”. Esta reticência sugere interesse: a posição da Força será outra quando, em decorrência da vitória da coligação lulista, uma pasta ministerial lhe for oferecida.

 

Mais do mesmo?

Tal como em 1998 e 2002, Lula volta ao cenário político eleitoral com a promessa de retirar o país da crise. Obviamente a situação de depressão econômica em que nos encontramos desde 2014, deixa evidente o caráter puramente retórico do pronunciamento de Lula de que “é possível melhorar a vida do povo, fazendo isso outra vez”. Vai contra a realidade da estrutura de poder estabelecida, no plano econômico e político.

Compromissos políticos de caráter eleitoral têm de ser entendidos sempre como “cartas de intenção” firmadas para viabilizar o apoio das pessoas do “povo”, que a cada quatro anos vão às urnas, mas geralmente deixadas de lado quando os candidatos são eleitos e assumem o governo. Pois no entreato de cada período governamental são os representantes do capital financeiro – no qual se entrelaçam os interesses industriais, agrários e comerciais da grande burguesia – que votam diariamente. O povo vota a cada quatro anos, o mercado diariamente, disse-o Domingos Cavallo, ministro da Economia de Carlos Menem, na Argentina sob comando neoliberal entre 1989 e 1999 e esta frase é uma verdadeiro “mantra”, uma frase que à custa da repetição procura convencer de se tratar de uma novidade. Lula, o PT e os dirigentes do Fórum sabem perfeitamente disso.

Entretanto, devem repetir o “mantra”, procurando convencer os trabalhadores que a derrota de Bolsonaro por Lula, além de retirar da cena a extrema direita – um equívoco, pois a saída do governo em termos eleitorais não quebra o poder político, militar e paramilitar de que o bolsonarismo continuará a dispor – acarretará a retomada do crescimento econômico, cujos benefícios virão na forma de empregos e direitos. Mas enquanto os empregos dependem exclusivamente dos investimentos privados e públicos, organizados ou financiados sob a ótica do lucro, os direitos terão de ser reconquistados.

Economistas da área de influência de Lula e a direção do PT sabem que dificilmente a retomada da economia permitirá reduzir substancialmente o nível do desemprego vigente pois os investimentos precisam considerar tanto o grau de centralização do capital vigente na economia – com o controle da produção (industrial, agropecuária, mineração, etc.) e das atividades financeiras e comercial por um punhado de grandes empresas para as quais a financeirização da economia é essencial – como o nível da automação industrial que inclusive deverá se aprofundar, com a redução geral dos empregos e criação restrita dos chamados “empregos de qualidade” (especializado, com exigência de formação profissional e melhor remunerados). Um estudo do DIEESE sobre a nova fase de investimentos do setor automotivo no país deixa claro que o novo modelo de veículos com motor elétrico implica em nova onda de automação, desemprego e poucos empregos, geralmente no setor de infraestrutura de recarga.

Não por acaso, estes economistas têm chamado atenção para a necessidade de estabelecer uma renda básica para garantir a sobrevivência e a integração no mercado de milhões de desempregados, subocupados e desalentados de procurar trabalho. Mas o que significa uma renda básica universal? Quer dizer o estabelecimento de uma profunda divisão social entre eles e os que estão no mercado formal de trabalho. Se de um lado os que ficam na margem deste mercado constituem uma parte sempre disponível para ser empregada, seja com ou sem carteira de trabalho, com baixos salários e restrição a direitos trabalhistas, por outro, nesta condição de clientes políticos do Estado representam uma crescente massa de manobra eleitoral como, aliás, tem sido ao longo das últimas décadas os beneficiados pelo Bolsa Família. O resultado é claro: ao fortalecer a dominação da burguesia mediante a criação de uma gigantesca clientela do poder público, estabelece-se um cenário em que o capital, sob o véu da democracia, exerce um verdadeiro Tacão de Ferro, opondo os trabalhadores entre si.

Este domínio implica uma desconfiança absoluta em relação ao investimento público capaz de gerar empregos e criar aumento da massa salarial em larga escala.

Um futuro novo governo de Lula poderá lançar mão da experiência passada do estímulo à construção civil, incluindo obras de infraestrutura que beneficiam a burguesia reduzindo o importante custo de transporte, como reparo e manutenção de estradas de rodagem. Talvez uma repetição em escala reduzida do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) com recursos destinados aos trabalhadores oriundos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS, gerenciados pela Caixa Economia Federal (CEF) e mesmo encontrar algum respaldo político para investimentos de maior monta na infraestrutura nacional de energia, transporte e comunicação (inclusive digital), mediante empréstimos ou investimentos diretos estrangeiros.

Contudo, qualquer que seja a opção adotada estará sujeita aos limites estabelecidos legalmente, seja no teto orçamentário a ser executado pelo Estado, seja na Lei de Responsabilidade Fiscal e ainda na garantia de financiamento da dívida pública, quer dizer, de pagamento dos juros da dívida nas mãos do capital financeiro.

Alterar as regras institucionais de interesse do capital financeiro requer negociação política, a exemplo do teto orçamentário cuja imposição praticamente bloqueia o gasto público. Serão, portanto, cartas de um jogo decidido nas alianças político-partidárias dominadas pelo “centrão” e pelo afiançamento do governo a partir da vice-presidência da república nas mãos de um representante da centro-direita, a exemplo do convite de Lula a Geraldo Alkmin (PSDB-SP). Um processo marcado pela estrita vigilância do Supremo Tribunal Federal e… das Forças Armadas. Em resumo: o governo terá de se manter nos limites da direita.

Deve-se perguntar, a esta altura, se o próprio PT tem interesse em qualquer deslocamento político “à esquerda”. A experiência de doze anos de sucessivos governos demonstra cabalmente que não. Desde 2002, os dirigentes petistas, com Lula na liderança, assumiram-se enquanto fiadores dos interesses do capital financeiro, garantindo sempre o superavit fiscal primário indispensável a pagar com folga os juros da dívida pública. Na reforma da previdência promovida pelo governo Lula, em 2003, ficou evidente a que interesses servia: taxou os servidores inativos, estabeleceu nova idade mínima para aposentadoria e teto para a concessão de benefícios. Na época, a aprovação garantida pelos votos do PSDB, do PFL (futuro DEM) e do Partido Popular, levou a imprensa burguesa comemorar a “vitória do Brasil”. Quer dizer, do conjunto da burguesia sob a hegemonia do capital financeiro. A defesa dos interesses materiais da burguesia significa também a escolha de reforçar a ordem estatal burguesa. O que se viabilizou mediante a criação da Lei de Garantia e Ordem para permitir a intervenção militar localizada sem decretação de estado de sítio e da Força de Segurança Nacional, medidas institucionais que foram usadas contra os trabalhadores em várias greves (petroleiros, construção civil pesada).

Assim, também não se deve esperar de um futuro governo de Lula a revogação da reforma trabalhista iniciada por Michel Temer (Lei no. 13.467/2017) e continuada por Jair Bolsonaro. Isso ficou claro na imediata reação negativa do capital financeiro ao simples interesse manifestado por Lula e dirigentes das Centrais Sindicais no “exemplo” da concertação trabalhista espanhola realizada entre março e dezembro do ano passado. Logo aos desmentidos de que iria acontecer uma “contrarreforma” trabalhista com Lula no governo, de modo a evitar a perda do apoio das lideranças partidárias de centro-direita, ouviu-se falar apenas de novos direitos no tocante à sindicalização dos motoristas de aplicativos e à revalorização do salário mínimo, nos termos praticados durante o longo período de governo petista em aliança com o PMDB. Revogação da reforma trabalhista, exceto talvez num ponto, mesmo assim para uma parte do movimento sindical: a volta do imposto sindical, para retirar a maioria dos sindicatos da falência, permitindo novamente seu funcionamento sem ter de mobilizar suas bases. Vale lembrar, a esse respeito, o que não mudou: o atrelamento do sindicato mediante a concessão, pelo Estado burguês, do monopólio da representação dos trabalhadores para os dirigentes sindicais negociarem com os capitalistas do respectivo setor.

Contudo a revogação da lei em sua totalidade tampouco interessa aos sindicatos em sua corrente hegemônica. Fato é que a reforma trabalhista encontra pontos de apoio entre os dirigentes, a exemplo da prevalência do negociado sobre a legislação trabalhista, no caso da CUT e da terceirização, no caso da Força Sindical, embora ambas centrais se oponham a dispositivos como a possibilidade de negociação e acordo individual no âmbito das empresas.

 

Uma nova CONCLAT

Uma proposta para o futuro governo será em breve elaborada pelo Fórum das Centrais Sindicais, submetida ao debate e à aprovação de uma Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras.  Dificilmente, contudo, a linha geral e os métodos sindicais da nova CONCLAT serão diferentes da realizada por ocasião da eleição presidencial em 2010, a saber, denúncias e “pressão” sobre o governo de plantão por meio das bancadas parlamentares.

O que o Fórum conquistou de relevante durante 12 anos, em quatro governos sucessivos do PT em coligação com o PMDB, além do próprio reconhecimento das centrais sindicais e o compartilhamento de cada uma na divisão do dinheiro do imposto sindical?

Rigorosamente apenas a chamada “valorização do salário mínimo”, uma vez que não se pode chamar de conquista a ampliação do crédito consignado pelos bancos a não ser pelo seu próprio nome, isto é, endividamento.

A “valorização” estaria no fato de que o poder de compra do salário mínimo equivalente em “cestas básicas” (constituídas por 13 alimentos de consumo popular) ter sido aumentado de uma cesta básica em 1995, para duas, a partir de 2009 até 2019. Na visão de um dos dirigentes da CUT, a valorização foi um exemplo da capacidade de negociação do sindicalismo.

Disfarçar a realidade da exploração e da situação de fome dos trabalhadores com palavras parece ser uma das habilidades desse tipo de dirigente sindical. Ora, reduziram-se as necessidades básicas a uma cesta de apenas 13 produtos alimentícios e se fez o aumento do poder de compra do salário depender da variação do crescimento da economia capitalista (o Produto Interno Bruto, ou PIB).  Deixaram-se de lado as necessidades reais em termos de alimentação efetiva, além dos gastos com a moradia, transporte não apenas de um trabalhador, mas dele e uma família com mais três pessoas.

A negociação das Centrais Sindicais com o Governo Lula que resultou na Lei no. 11.498/2007 considerou a valorização real (descontada a inflação) sob o prisma da economia capitalista e do gasto público e não das necessidades reais do trabalhador e de sua família, ainda assim minimamente calculadas.  Assim é que, em 2009, para um salário mínimo de 415 reais que comprava 2,1 cestas básicas, o salário mínimo necessário a uma família deveria ser no mínimo de 2.077,15 reais. Atualmente (janeiro de 2022), com o salário mínimo em 1.212 reais, o trabalhador compra 1,7 cestas básicas, e gasta 55,20% do salário recebido para adquirir os 13 produtos alimentícios dela. O salário mínimo necessário deveria alcançar o valor de 5.997,14 reais.

Entretanto, o que o Fórum das Centrais Sindicais poderia ter feito nos “bons tempos” dos governos petistas em termos de conquistar direitos para os trabalhadores?

Uma possibilidade seria aproveitar o parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados à PEC 393/2001 de redução gradativa da jornada de trabalho de 44 para 40 horas e desta para 35 e 30 horas semanais para iniciar, em 2003, uma campanha sustentada nos locais de trabalho para torna-la uma lei. Entretanto aquele parecer foi abandonado em prol de outro – o da PEC 231/1995, que limitava a redução de 44 para 40 horas semanais. O novo parecer, elaborado em 2009 pelo deputado Vicentinho, ligado à CUT, é mais um projeto que está desde então aguardando votação na Câmara dos Deputados. No lugar dele o movimento sindical passou a defender as medidas governamentais como o Plano de Proteção ao Emprego (PPE), lançado por Dilma Rousseff em 2015, de redução proporcional da jornada e dos salários.

O sindicato dos metalúrgicos do ABC foi um dos que se destacou em forçar a sua base a aceitar o PPE. Contudo, a proposta foi maciçamente rejeitada (60%) pelos operários da Mercedes Benz em votação secreta no início de julho de 2015, devido ao aumento da exploração por meio da redução salarial e também porque o patronato ainda queria demitir aposentados e trabalhadores com estabilidade, muitos dos quais eram operários que exerciam função compatível com limitações de lesões originadas pelo trabalho. Em decorrência da rejeição, a empresa iniciou a demissão de 1.500 empregados. A resposta dos operários foi uma paralisação que, deflagrada em 24 de agosto, teve duração de sete dias. O acordo negociado pelo sindicato com a empresa reverteu as demissões, mas implantou o PPE com corte nos salários de 10% e retomou a aplicação, para 2016, de apenas a metade do reajuste salarial.

Portanto, ao se examinar a trajetória do movimento sindical, ainda que resumida a alguns tópicos, não se pode esperar da nova CONCLAT mais do que a sanção a um novo pacto de colaboração entre o trabalho e o capital para garantir o “crescimento sustentado da economia” (capitalista). O que veremos em breve é uma “agenda” na qual, ao lado das mesmas reivindicações anteriores, como promessas a descumprir novamente, conste a defesa de mecanismos de reajuste salarial que sejam condicionados do aumento da produtividade, uma “cláusula pétrea” em qualquer economia capitalista. Devemos chamar este pacto pelo seu verdadeiro nome: acordo sindical de aumento da taxa de exploração da força de trabalho pelo capital.

 

Uma plataforma para unificar as lutas como classe

O desafio dos operários conscientes consiste em apontar para a massa, principalmente nos locais de trabalho, um caminho que venha a impedir a transformação dos trabalhadores em massa de manobra eleitoral e de subordinação aos interesses da burguesia. Isso significa superar as ilusões democráticas que a maioria da classe sofre sob a influência da pequena-burguesia nucleada no PT e disseminada na “frente popular” que lhe serve de correia de transmissão nos movimentos sociais.

Este caminho passa pelas lutas operárias travadas em torno de suas reivindicações imediatas, ou seja, pelo aprendizado a ser realizado nelas, pela experiência de atuação com métodos próprios de luta e de organização. Somente quando luta por si mesma, de modo independente, podem os operários avançar em conquistas de interesse de toda a classe, perceber seus pontos fortes e fracos, saber quem são seus aliados e quem são os seus inimigos de classe, expondo a manipulação ideológica afirmada na vinculação entre crescimento econômico, mais empregos e direitos do lema do Fórum das Centrais Sindicais e da campanha de Lula.

Os sindicatos, mesmo com as limitações impostas pela legislação sindical, têm um papel importante a cumprir na preparação destas lutas, na medida em que ajudam os operários a entender a impossibilidade de harmonia e mesmo de conciliação entre capital e trabalho por conta da exploração capitalista, fundamental para os capitalistas alcançarem suas taxas de lucro. Mais ainda: devem assumir manifestações de solidariedade aos trabalhadores em luta, mesmo que estejam fora de sua base sindical, atuando na perspectiva da unificação das lutas como classe. Pois a burguesia, uma vez que não consegue impedir a resistência contra a exploração precisa, como classe, limitar a ação dos sindicatos à atividade puramente econômica, de reivindicação e negociação direta, restrita a algumas empresas ou categoria profissional, de modo a afastar os operários de qualquer aspiração a não ter mais patrões e a conquistar o poder para si.

Cabe ressaltar que tal aprendizado pode e deve ser feito inclusive nas lutas isoladas. Foi o caso da greve dos operários da General Motors, ocorrida entre 1 e 14 de setembro de 2021. A paralisação foi a mais recente manifestação de luta direta entre trabalho e capital – na qual se pôs em questão a estratégia daquela empresa (que se repete nas demais empresas) de contenção dos salários com reajustes abaixo da inflação, deslocando a prioridade para o pagamento de abonos ou especialmente para remuneração condicionada a metas de produção, como no caso da PLR.

A importância dos aumentos nos salários dos operários e inclusive no piso salarial de admissão na luta dos operários da montadora de São Caetano do Sul fica evidente quando observamos o papel da rotatividade do trabalho no aumento da exploração dos trabalhadores. Porque as novas admissões somente são realizadas com salário no piso (achatados nos últimos anos com reajustes abaixo da inflação) e por contratos por prazo determinado com duração de até 2 (dois) anos. Tais contratos dividem os trabalhadores na empresa, além dos terceirizados contratados por outras empresas, entre efetivos e temporários; na situação destes últimos, aos novos operários são exigidas metas de produção ainda maior do que a dos demais empregados, inclusive pela ameaça de não serem efetivados após o término do contrato. Essas contratações substituem as demissões em massa, ocorridas de tempo em tempo, geralmente por Programas de Demissão Voluntária que incluem os operários lesionados, uma vez que a intensificação da exploração capitalista em pouco tempo debilita a saúde física e mental dos trabalhadores.

Das conquistas alcançadas naquele movimento grevista, sem dúvida a mais importante foi o reajuste salarial integral acordado de 10,42%, aplicado a partir de 01/09/2021, índice também válido para o piso salarial. A luta salarial foi recolocada no centro das reivindicações. Por outro lado, os operários conseguiram a manutenção da cláusula 42 (estabilidade no emprego aos trabalhadores portadores de doenças ocupacionais) e o pagamento dos dias parados. A retomada de progressão salarial semestral também foi outra conquista. A vitória em São Caetano do Sul pode ser entendida como uma repercussão de outras lutas que se pautaram pela mesma radicalidade, a exemplo das greves na Volkswagen-PR (2011), na General Motors em São José dos Campos (2012), na Mercedes Benz (2015), na Renault em São José dos Pinhais (2020) e nos Correios (2020).

Uma contribuição fundamental no caminho para a formação de um movimento de classe é o levantamento de uma plataforma de lutas que, ao destacar as reivindicações mais importantes surgidas nas greves e movimentos da atualidade, permita vislumbrar o desenvolvimento futuro de um movimento operário independente sustentado na sua organização de base.

Dentre estas reivindicações, está mais do que evidente a necessidade da mobilização em favor do aumento do salário mínimo, uma vez que este funciona como um piso salarial nacional utilizado pelo capital para rebaixar os pisos ou salários de contratação em cada ramo e setor de atividade econômica, em submeter os trabalhadores a um salário de fome. Em contraposição, trata-se de defender o salário mínimo necessário, tal como proposto pelo DIEESE, capaz de contemplar o conjunto das necessidades de um trabalhador e sua família. Porém, em decorrência do aumento dos preços dos bens de salário (alimentação, moradia, transporte, etc.) que se traduz na alta da inflação, se impõe, como também indica a experiência de São Caetano do Sul, a “progressão salarial” ou reajuste automático dos salários, independentemente das datas-base de cada categoria.

Ao se mobilizar para defender o seu nível de vida, quer dizer, o salário capaz de recompor suas forças e garantir a sobrevivência de si e de sua família, os trabalhadores acabam enfrentando os limites impostos pelo atrelamento dos sindicatos ao Estado, como a exigência de negociar nas datas-base acima apontada, a proibição de movimentos de solidariedade entre diferentes categorias profissionais e de encaminhamento de lutas políticas; mas também se deparam com um mecanismo político de controle do movimento que é a lei de greve (Lei no 7.783, de 28 de julho de 1989), a qual permite a intervenção da Justiça do Trabalho inclusive bloqueando as contas bancárias dos sindicatos. Esta, aliás, tem sido a razão para o aparecimento dos Fundos de Greve. No passado das grandes lutas de 1978-1980 ao final da ditadura militar, fundos de greve constituíram em sociedades civis sem fins lucrativos, ensaiando um passo na direção de sindicatos livres.

Por outro lado, quanto mais aumenta a produtividade do trabalho que acompanha a mudança tecnológica, a exemplo da automação, a que assistiremos doravante, mais se torna indispensável retomar a reivindicação da redução da jornada de trabalho com o fim do Banco de Horas, uma vez que este mecanismo permite prolongar a jornada ao arbítrio dos interesses capitalistas, conforme o andamento de seus negócios.

A luta pela redução da jornada de trabalho ou contra a exploração absoluta da força de trabalho pelo capital é secular, começa com a própria revolução industrial na Inglaterra da primeira metade do século XIX. A conquista da jornada de 8 horas diárias e 40 horas semanais ao longo do século XX permitiu novos avanços, com a redução para 6 horas diárias ou 30 horas semanais em algumas categorias de trabalhadores. Mas desde a década de 1990 a flexibilização legal da jornada e a reorganização do tempo de trabalho, mediante a compensação da jornada viabilizada pelo Banco de Horas (BH), permitiram ao capital aumentar de modo brutal a exploração. Como sabem os operários metalúrgicos das montadoras de automóveis que haviam conquistado 40 horas semanais de trabalho, eles continuaram a trabalhar mais do que este tempo com a prorrogação da jornada permitida pelo BH – uma modalidade de jornada extraordinária, ainda que não admitida nestes termos pela legislação.

A redução da jornada precisa ser acompanhada, portanto, do fim de mecanismos como o BH, impedimento ou restrição de trabalho aos sábados, domingos e feriados. Trata-se de uma luta política que pode surgir de lutas econômicas, porém exige o reconhecimento da reivindicação pelo Estado, imposta ao conjunto dos trabalhadores e capitalistas como classe.

Devemos ter sempre presente que o desenvolvimento das lutas depende principalmente da organização de base nos locais de trabalho, sustentadas por grupos mais combativos que, apesar de manter um vínculo com os sindicatos, não estejam a eles subordinados, cuja pauta e dinâmica está sujeita ao atrelamento ao Ministério do Trabalho e à Justiça do Trabalho.

Entendemos que uma plataforma que traduza as experiências e as condições de luta atuais, como acima pontuadas, deve contemplar as seguintes reivindicações:

  • salário mínimo necessário, nos termos do DIEESE
  • aumento do piso salarial para as categorias de trabalhadores
  • reajuste automático de salário com aumento da inflação
  • redução progressiva da jornada de trabalho, sem redução salarial, para 6 horas diárias e 30 horas semanais
  • fim da lei 7.783/1989 (lei de greve)
  • pela organização de fundos de greve enquanto entidades de direito civil
  • livre organização nos locais de trabalho
  • sindicatos livres do atrelamento ao Estado em todas as suas dimensões
  • fim da Lei no. 13.467/2017 (reforma trabalhista)

A plataforma de lutas deve ser entendida com vistas a superar as lutas isoladas por empresas ou mesmo categorias, mediante o estímulo da solidariedade entre os trabalhadores de diferentes setores e ramos. E ser levantada sempre que for possível um auditório amplo, a exemplo de uma assembleia de operários, de uma eleição sindical ou de uma manifestação pública, com a permanente preocupação de deixar claro o caráter parcial e temporário de quaisquer conquistas que venham a ser conseguidas nas lutas, porque é impossível qualquer melhoria duradoura da situação de classe dos operários dentro da sociedade capitalista.

Esta é a perspectiva do movimento independente da classe operária pela qual devemos nos pautar e defender.

CVM – 05/03/2022

 

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