Boletim de Conjuntura Nacional Nº 3 – setembro/outubro de 2013
A insatisfação social manifestada nos protestos populares de junho-julho persiste e novas mobilizações de massa dos trabalhadores ocupam as ruas. A insatisfação social é maior entre os mais jovens. Neste sentido uma informação importante é sobre o desemprego. De acordo com o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) a taxa de desemprego entre as pessoas com 18 a 24 anos é de 14,1%, mais do que o dobro da média de desocupação do país, que ficou em 6% em junho.
Mas um estudo de pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas mostra que há também cerca de 1,5 milhão de jovens entre 19 a 24 anos, a maioria nas camadas mais pobres da população trabalhadora, que são considerados “juventude perdida”, os que nem trabalham, nem estudam e nem procuram emprego. Se procurassem, aliás, aumentariam a taxa de desemprego. Estes dados baseados na Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) realizada pelo IBGE em 2011 ajudam a entender a radicalidade dos protestos populares ocorridos principalmente em junho.
A greve dos professores protagoniza a insatisfação social dos trabalhadores
A verdade é que a insatisfação em torno das condições de vida e de trabalho vigentes em nossa sociedade capitalista afeta o conjunto das classes trabalhadoras. Isso é o que mostra a greve dos profissionais de educação do Estado e do Município do Rio de Janeiro.
A mobilização grevista se deu por aumento salarial e em torno dos Planos de Cargos, Carreira e Remuneração dos Professores, entendidos como instrumentos de precarização, segmentação e desqualificação das categorias, bem como pelo fato de não ter sido negociado pelos governos com a organização sindical dos trabalhadores ou profissionais da educação. A mobilização tem pontos em comum de caráter político, como o cumprimento da lei federal que dispõem sobre 1/3 da carga horária para planejamento das aulas e o fim do veto ao Projeto de Lei 2.200, aprovada pelos deputados da Assembleia Legislativa, que determina a vinculação de uma matrícula a apenas uma unidade escolar. Entretanto, no caso do Município do Rio de Janeiro, o PCCR enviado à Câmara de Vereadores restringe-se à categoria dos professores, deixando propositalmente de lado pessoal administrativo e as cozinheiras, contempla apenas 7% dos professores com 40 horas, nega a paridade entre ativos e aposentados, impede a progressão por formação e abre brecha para a polivalência didática. O autoritarismo da prefeitura, negando-se a ouvir a categoria e negociar com o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação, levou o movimento à radicalização com a imediata ocupação da Câmara dos Vereadores pelos profissionais da educação. A resposta governamental foi a violenta desocupação pela polícia militar no sábado, dia 28 de setembro, causando 20 feridos.
No setor privado, os patrões endureceram sua posição nas negociações coletivas com as diversas categorias de trabalhadores em todo o país. Mas os avanços e recuos alcançados também dependeram da mobilização dos trabalhadores, na qual teve um papel importante a posição das várias correntes em que se divide o movimento sindical, particularmente no que diz respeito a sua independência de classe.
As campanhas salariais
O endurecimento da posição dos capitalistas manifestou-se nas negociações dos reajustes salariais do primeiro semestre de 2013. De acordo com o DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos – as conquistas de aumentos reais para os salários de 85% das 328 categorias sindicais da indústria, comércio e serviços do setor privado e empresas estatais foram em média de 1,19% descontada a inflação de 6,07% nos últimos 12 meses a partir da data-base de setembro. Esse percentual é inferior ao observado desde 2010 como se pode observar no balanço do DIEESE na tabela aqui resumida:
Aumento médio real de salários segundo DIEESE
As campanhas salariais do segundo semestre tendem a se manter nestes limites. As categorias sindicais mais fortes, a exemplo dos metalúrgicos do ABCD, obtiveram aumento de 8%, sendo 1,82% de aumento real sobre a inflação de 6,07%. Muito mais baixo do que o obtido em 2011, que alcançou 10%, sendo 2,42% de aumento real sobre a inflação de 7,4%. (Em 2012 não houve negociação coletiva porque, de acordo com a Federação dos Metalúrgicos da CUT-SP, foi firmado acordo coletivo por empresa pelo período de dois anos.)
Mas os aumentos podem ser maiores ou menores, a depender da capacidade de mobilização e disposição de luta. Até mesmo as bases do sindicato dos metalúrgicos de Curitiba e região, vinculado à Força Sindical, que já haviam assegurado aumentos reais em 2012 fecharam acordos com percentuais de 2 a 3,5% acima da inflação (Valor Econômico, 26/08,2013: Primeiros acordos de montadoras pagam aumento real de 2%). Os sindicatos dos metalúrgicos de Campinas e Santos, vinculados à Intersindical e de São José dos Campos, à Conlutas, ainda estão em campanha e realizam greves para arrancar maiores concessões aos patrões.
A vacilação frente ao patronato marcou a campanha dos metalúrgicos dirigida pelo sindicato do ABC. Eles tinham a expectativa de que os patrões apresentassem “propostas decentes para os trabalhadores”. Mas somente a paralisação da produção é que de fato os obrigou a fazer concessões, como provou o caso da montadora de caminhões da Scania em São Bernardo, onde os operários fizeram greve por quatro dias.
A paralisação nacional dos bancários que completou 21 dias em 9 de outubro, se deu como resposta ao aumento real de 0,9% proposto pelos banqueiros contra 5% reivindicados, totalmente insatisfatório diante dos lucros bilionários dos bancos. A greve abrange 55% das agências bancárias, principalmente dos bancos estatais e nas grandes cidades.
As bases materiais da situação social
Afirmamos que os avanços e recuos alcançados pelos trabalhadores nas campanhas salariais dependeram em parte de sua capacidade de luta e de organização. Isto porque a outra parte depende da atitude dos capitalistas, em função da taxa de lucro esperada. Nessa atitude, por sua vez, levam em conta a situação dos negócios da economia capitalista, no país e no mundo, a “conjuntura econômica”.
Apesar do crescimento de 2,6% do PIB no primeiro semestre de 2013 relativamente ao mesmo período do ano passado, puxado pela indústria (2,0) e pela agropecuária (3,9%), os indicadores da atividade econômica continuam a mostrar oscilação entre crescimento e queda, mensalmente, o que, no entendimento da CNI é característico de baixo crescimento econômico. O mais importante, do ponto de vista capitalista, é o nível de estoques, que em agosto continuaram acima do planejado, obrigando a indústria a reduzir a produção. Houve aumento dos investimentos, ou seja, de expansão da produção, mas este foi localizado. Assim, de acordo com o IPEA, se o investimento aumentou isso se deveu menos ao crescimento do setor industrial, em especial do ramo de produção de bens intermediários, do que o da safra agrícola que demandou maior produção de caminhões e máquinas para a agricultura. Outro indicador é a taxa de desemprego que teve pequena queda, ao mesmo tempo em que o crescimento de empregos formais e da ocupação em geral se desacelerou. A desaceleração observa-se também no consumo das famílias e da administração pública.
O quadro de se completa com um cenário ainda instável da economia mundial e dos riscos que o déficit nas contas correntes entre o Brasil e os países com quem mantém transações econômicas, uma vez que passa a depender de vultuosos investimentos diretos estrangeiros, inclusive especulativos, para evitar uma crise cambial no futuro. Do ponto de vista da política econômica do Estado burguês, o balanço de pagamentos e a inflação são os aspectos ou parâmetros fundamentais da economia capitalista em seu conjunto, ou seja, com a geração e a distribuição da riqueza entre as classes sociais. Controlar a inflação tem o sentido simultâneo de evitar a luta pela redistribuição da riqueza entre trabalho e capital e garantir a estabilidade política do governo que, não sendo estritamente burguês (por isso mesmo não confiável como seria o do PSDB) é para a burguesia o governo possível que cumpre suas normas e contratos, quer dizer, defende seus interesses de classe.
As medidas de política econômica são técnicas e, simultaneamente, políticas. Seguem o calendário político. Por isso é que o aumento do preço da gasolina e óleo diesel, com efeitos multiplicadores nas atividades econômicas, está sendo planejado, de acordo com a imprensa burguesa (Valor Econômico, 27 a 29/09/2013) para o final deste ano, passadas as campanhas salariais (um verdadeiro golpe contra os trabalhadores, pois derruba os pequenos aumentos reais conquistados), mas antes da movimentação política da sucessão presidencial em 2014, pois iria afetar a popularidade de Dilma Roussef e as chances da coligação PT-PMDB prosseguir.
Governo Dilma e polarização partidária à direita
A conjuntura atual ainda não ameaça o governo Dilma e a coalizão PT-PMDB. A sua popularidade cresceu, passando de 45% em julho, para 54% em setembro (Pesquisa IBOPE-CNI), ainda que sua “resposta” aos protestos populares não tenha resolvido nenhum dos problemas que motivaram os protestos populares. O enfraquecimento político da tradicional coligação da direita (PSDB – DEM) ficou visível no fracasso da manipulação do processo do “mensalão” no STF e exposição pública do seu possível caso de justiça, o “propinoduto”, um milionário esquema de propinas entre o governo tucano de São Paulo e as poderosas multinacionais do setor de transportes, como a Siemens e a Alstom, apontado no blog do Miro.
Entretanto, o fim do prazo eleitoral para a filiação partidária dos candidatos a candidatos à presidência da República e aos governos estaduais em 2014 desencadeou a formação de novos partidos políticos, todos situados à direita da coalizão PT – PMDB de sustentação do governo Dilma Roussef. O processo que foi desencadeado pela tentativa de Marina Silva criar o partido “Rede Sustentabilidade”. Imediatamente se deu o desgarramento de diversas lideranças partidárias, mediante troca e criação de novas legendas à margem da coligação liderada pelo PT em aliança com o PMDB. Partidos de nomes no mínimo estranhos, como o Solidariedade de Paulinho da Força Sindical, campeão de “filiações” de milhares de aderentes, ou o PROS – Partido Republicano da Ordem Social, liderado pelos irmãos Ciro e Cid Gomes e os novos coronéis do nordeste. Com exceção de Marina Silva que, agora aliada a Eduardo Campos, do PSB, pretende conquistar a Presidência da República com um discurso de oposição de direita, os demais se projetam para disputar influência na máquina governamental, seguindo os ventos mais fortes em 2014.
As fichas políticas estão, portanto, colocadas na mesa. O jogo eleitoral burguês e com a disputa entre os possíveis candidatos, inclusive o retorno de Lula, não pode, contudo, começar imediatamente.
A necessidade de lutar pela organização independente dos trabalhadores
O agravamento da situação social dos trabalhadores e a reação da burguesia a fazer concessões efetivas desafiam os trabalhadores a desenvolver movimentos unificados e a politizar as lutas econômicas. Obviamente aí se coloca também o problema repressão contra as greves e protestos e, consequentemente, da bandeira de luta da liberdade de organização e de manifestação. Trata-se de um aprendizado a ser feito pelos próprios trabalhadores que não pode desconhecer os limites da correlação de forças vigente.
É nessa perspectiva que se insere a conquista das direções dos sindicatos com métodos de luta e de organização próprios às classes trabalhadoras. As greves constituem a forma dos trabalhadores andarem por seus próprios pés, descobrirem como os capitalistas estão organizados para além dos limites das empresas ou dos ramos econômicos, na medida em que contam com Estado e as leis para defender seus interesses. A consciência de que as greves são uma escola de luta de classe entre trabalho e capital, como salienta Lenin, é parte do caminho no qual se forjará o partido da classe operária e se constituirá a aliança entre os trabalhadores da cidade e do campo para a sua emancipação do jugo do capital.
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