As eleições municipais de 2020 e os desafios para a luta de classe dos trabalhadores (versão completa e atualizada)

 Coletivo do CVM
atualizado em 17 de dezembro de 2020

 

As eleições municipais no Brasil concluíram em 29 de novembro passado. O balanço geral a ser feito a respeito do sentido geral do processo ocorrido em 5.570 municípios brasileiros pode ser resumido na frase “a democracia burguesa se fortaleceu”, ou seja, a forma direta e velada da ditadura da burguesia. Cabe então formular algumas perguntas: quais são as principais características das eleições municipais de 2020 quando apreciadas do ponto de vista de classe? Por que afirmamos que a democracia burguesa se fortaleceu, dado o caráter municipal das eleições? Que desafios este processo e seus resultados colocam para atuação das forças interessadas na emancipação do trabalho do jugo do capital?

 

Resultados do processo eleitoral nos municípios em 2020

Para uma avaliação da força relativa conquistada pelos partidos é importante examinar os pleitos desde 2004, quando acontece um deslocamento político à esquerda no cenário municipal com a vitória do PT de Lula para a Presidência da República dois anos antes. De acordo com o quadro abaixo, elaborado a partir dos dados do TSE, observa-se o deslocamento à direita, desde 2016 e a vitória de Jair Bolsonaro em 2018.

 

Eleições para prefeitos no 1º turno por partidos 2004 – 2020 (1º e 2º turnos)

Partidos 2004 2008 2012 2016 2020
MDB 1053 1194 1015 1035 782
PP 551 549 474 495 683
PSD 495 537 656
PSDB 870 787 686 785 520
DEM 789 495 276 266 464
PL 382 384 274 294 345
PDT 306 351 304 331 314
PSB 175 308 434 403 253
PTB 421 410 298 254 212
Republicanos 54 79 103 211
PT 411 549 630 254 183
Cidadania 308 129 122 117 139
PSC 26 57 82 87 116
Podemos (Pode) 5 16 12 29 101
SD 60 93
PSL 25 15 23 30 90
Avante 23 8 25 12 82
Patriota 0 13 49
PV 56 75 99 98 47
PCdoB 10 41 51 80 46
PROS 50 41
PMN 31 42 42 28 13
PRTB 12 11 16 9 6
Rede 4 5
PSOL 0 1 2 5
PMB 3 1
DC 13 8 10 8 1
PTC 16 13 19 16 1
Novo 1

         Fonte:  PSDB e MDB perdem o maior nº de prefeituras e PT encolhe pela 2ª eleição seguida; DEM e PP são os que mais ganham em 2020 (g1.globo. com)

 

Na medida em que as organizações partidárias de esquerda UP, PCO, PCB e PSTU não elegeram nenhum prefeito deixamos de incluí-las no quadro acima.

As projeções eleitorais da força relativa dos partidos precisam ser consideradas pelo seu desempenho alcançado nas maiores cidades do país.

Vejamos então os resultados para as prefeituras nas capitais.

Nas eleições do 1º. turno o DEM venceu em Salvador, Curitiba e Florianópolis; o PSD em Belo Horizonte e Campo Grande; o PSDB em Natal e Palmas. No 2º. Turno aconteceram eleições em 18 capitais, cujos resultados são os seguintes: o MDB em Boa Vista, Cuiabá, Goiânia, Porto Alegre e Teresina; PSDB em Porto Velho e São Paulo; o PDT venceu em Aracaju e Fortaleza; o PP em João Pessoa e Rio Branco; o PSB em Maceió e Recife; o Avante em Manaus; DEM no Rio de Janeiro; o PSOL em Belém; Podemos em São Luís; e Republicanos em Vitória.

Além das capitais, nas 39 cidades onde ocorreu 2º. turno, representando 65% dos 95 municípios com mais de 200.000 eleitores, os resultados deram vantagem para o PSDB em Caxias do Sul (RS), Governador Valadares (MG), Pelotas (RS), Praia Grande (SP), Ribeirão Preto (SP), Santa Maria (RS); para o MDB em Feira de Santana (BA), Franca (SP), Paulista (PE), Taubaté (SP) e Vitória da Conquista (BA); para o PSD em Campos de Goytacazes, Canoas (RS), Guarulhos (SP), Limeira (SP) e Ponta Grossa; para o Podemos em Blumenau (SC), Mogi das Cruzes (SP), São Vicente (SP) e Taboão da Serra (SP); para o DEM em Cariacica (ES), Piracicaba (SP), Santarém (PA) e São João de Meriti (RJ); para o PT em Contagem, Diadema, Juiz de Fora e Mauá; para o Republicanos em Campinas (SP) e Sorocaba (SP); para o PP em Anápolis (GO); para o PSB em Petrópolis; para o Patriota em Bauru (SP); para o Avante em São Gonçalo (RJ); para o PROS em Caucaia (CE); para o Novo em Joinville (SC); para o Solidariedade em Uberaba (MG); para o PDT em Serra (ES).

Considerando a votação nas três capitais mais importantes da região sudeste, onde se concentra o maior eleitorado brasileiro, a direita conquistou as capitais em São Paulo (PSDB), no Rio de Janeiro (DEM) e em Belo Horizonte (PSD). Ademais, estas três legendas partidárias caracterizadas como de “centro-direita”, obtiveram a maioria dos votos nos 5.570 municípios brasileiros.

 

O sentido da participação eleitoral e a “distorção” da vontade popular

A abstenção e os votos brancos e nulos tiveram um peso maior do que nas outras eleições de mesmo tipo, sendo a abstenção a marca mais relevante do processo eleitoral notável nas duas capitais e maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro. Enquanto em São Paulo o índice foi de 29,9% no primeiro turno e de 30,81% no segundo, no Rio de Janeiro alcançou 32,79% e 35,45% respectivamente.

A desistência de votar pode apenas parcialmente ser explicada pela pandemia. Outra parte deve-se a descrença nas candidaturas em disputa e/ou a falta de sentido de exercer o direito de voto. É o que se pode observar nas mesmas cidades desde 2004: um aumento significativo da abstenção de 15% neste ano, de 16% (2008), de 18% (2012) e de  22% (2016) em S.P.  e de 16% (2004), de 18% (2008), de 20% (2012) e de 24% (2016) no R.J. para chegar no presente ano ao patamar dos 30% e mais. Ao contrário da opinião dos analistas de que a polarização política no segundo turno afastaria os “moderados”, a descrença pode ser o motivo predominante da recusa, tanto mais porque o voto é obrigatório.

A campanha ideológica sistemática em favor da participação eleitoral desde o ensino nas escolas municipais até a publicidade em larga escala na época das eleições destaca a democracia como expressão da liberdade individual de escolha e, com ela, a vinculação do voto a um candidato, delegando a este a vontade de expressar sua opinião. Traduz-se na frase “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido” inscrito nas constituições democráticas dos Estados nacionais sob o domínio do capital, nos quais vivemos. Trata-se de uma cláusula ideológica pétrea da democracia burguesa, isto é, da democracia representativa.

É admissível afirmar, contudo, com base na observação sistemática e histórica, exatamente o contrário: se o poder tem por origem a vontade popular, nunca mais voltou para ele. Porque os governantes eleitos logo interpretam tal delegação da maioria à sua vontade, como se o voto fosse um cheque em branco cujo valor será preenchido de acordo com a ocasião, quando se trata de fazer o jogo de interesses da parte minoritária da sociedade, controlada pelo capital, nas instituições do Estado burguês.

Contudo, a crença no caráter popular originário do poder constitui a fonte da dominação ideológica do capital na medida em que cada trabalhador se percebe como um cidadão, quer dizer, um indivíduo isolado e livre das injunções/condições subordinadas ao domínio do capital. A eleição legitima, deste modo, a dominação de classe na medida em que cria a aparência de liberdade numa situação de necessidade e oculta a exploração do trabalho pelo capital, pela aparente independência do exercício do voto em relação às condições a que se encontra submetido pelo contrato de trabalho.

A situação de desemprego e de redução salarial em que se encontra a maioria dos trabalhadores em decorrência da crise econômica não foi um tema de debate no âmbito municipal. Mas a miséria social tem seus efeitos na sujeição das camadas mais pobres ao clientelismo político e à violência do tráfico de drogas e das milícias em seus locais de residência dentro das zonas eleitorais.

Na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, existem verdadeiros currais eleitorais nos quais a “vontade popular” tem sido sempre a de sufragar os mesmos candidatos (ou de seus herdeiros familiares e de compadrio) de criminosos que a legislação penal ou eleitoral quase nunca consegue eliminar.  Candidatos ligados ao crime organizado com vínculos às siglas partidárias de direita têm listas de nomes divulgados até pela imprensa. Dos 107 assassinatos políticos ocorridos em 2020, 33 eram de pré-candidatos a prefeitos e vereadores. O Tribunal Superior Eleitoral tem procurado retirar de si a responsabilidade pela denúncia e julgamento com a alegação de ser assunto “fora de sua jurisdição”.

Por outro lado, apesar da advertência de que a compra e venda de votos é um crime eleitoral (artigo 299 da Lei 12.034/2009) um número significativo de pessoas aproveitou a oportunidade das eleições para melhorar um pouco sua sorte. É uma prática antiga na política brasileira, correspondente ao exercício do “voto de cabresto”, a compra de votos, seja na forma de “benfeitorias” como sacos de cimento, milheiro de tijolos ou próteses (receitas de óculos, de dentaduras) distribuídos nas comunidades populares até mesmo por candidatos de “ficha suja”; seja “em espécie”, quando a venda do voto (geralmente familiar e de amigos) se traduz no esquema de repartir dinheiro em duas parcelas, uma antes e outra após a vitória do candidato, típica dos tempos dos coronéis. Esta manipulação política aberta das parcelas mais pobres e desorganizadas das classes trabalhadoras somente é compreensível se, além da situação de miséria social, considerarmos a ausência de politização nas campanhas eleitorais, ainda mais em pleitos municipais nos quais prevalecem as promessas e as barganhas eleitorais em torno das carências urbanas que atingem os moradores das favelas e bairros populares. Problema, por sua vez, decorrente da falta de tradição de luta independente dos trabalhadores na história de nosso país.

 

As eleições municipais de 2020 constituíram um teste da força relativa de cada partido

Em que pese o fato do pleito eleitoral do corrente ano ter ficado restrito ao âmbito dos governos municipais, a situação de crise econômica agravada pela pandemia de coronavírus – que implicou a redução salarial dos empregados e o “auxilio emergencial” para os desempregados – poderia ter acarretado a “nacionalização” de um processo cujo traço mais acentuado é o nível local, com suas demandas restritas às carências urbanas. Isto, entretanto, não ocorreu.

Em boa medida porque o governo Bolsonaro desistiu de aprovar o programa Renda Brasil antes das eleições municipais e ainda por cima reduziu o valor do auxilio emergencial de 600 para 300 reais. Uma escolha feita para garantir a estabilidade de seu governo diante da hegemonia do capital financeiro, capaz de precipitar fuga de capitais e mesmo crise cambial se a “responsabilidade fiscal” fosse quebrada com gastos públicos acima do admitido para sustentar o pagamento dos juros da dívida pública. A turbulência política pesaria contra Bolsonaro. Pelo contrário, o presidente demonstrou uma atitude de claro alinhamento aos interesses do grande capital. A defesa dos interesses do capital ficou acima dos seus interesses eleitorais imediatos. Obviamente esta posição enfraqueceu politicamente sua intervenção direta nas eleições, pois nenhum nome indicado por ele nas maiores cidades foi eleito.

Mas o argumento de que o Presidente da República e as forças de extrema-direita nucleadas em torno dele tenham sido derrotadas deixa de lado o mais importante: a confirmação do jogo eleitoral como válido para decidir os destinos do povo, quer dizer, o reforçamento da democracia burguesa, pautada na representação que, como veremos a seguir, está marcada pela vitória das posições de direita, bem como a legitimação e conversão da chamada esquerda a esta forma de ditadura da burguesia.

Assim é que, do ponto de vista da burguesia, as eleições constituíram um campo de prova da força relativa dos diversos partidos com os quais pode contar junto aos eleitores, permitindo-lhe avaliar suas chances eleitorais em 2022.

Houve uma expressiva vitória dos partidos de direita, boa parte aglutinados no chamado “centrão” (MDB, PP e mais um punhado de legendas de aluguel, conhecidas pelo fisiologismo com os governos) e na direita tradicional (DEM) e neoliberal (PSDB).

É importante observar que o “centrão” é base de apoio de Bolsonaro no Congresso Nacional, mas foi assim também para todos os presidentes da República desde o fim da ditadura militar. Por isso mesmo a democracia burguesa no Brasil é entendida pelos analistas políticos da burguesia como “presidencialismo de coalizão”.

O que mudou nas atuais eleições foi o peso relativo dos partidos em termos de votação e, portanto, no número de prefeituras e vereanças conquistadas eleitoralmente. Dada a vitória impressionante da direita em seus matizes fisiológicos ou ideológicos, a crença de que poderão conquistar a presidência da República movimenta em primeiro plano o PSDB, acenando aliança com o “centrão” (MDB, PP) e o DEM para o pleito presidencial de 2022. A importância das vitórias do PSDB em São Paulo, o maior colégio eleitoral e, assim, a capital política do país, projetam a disputa com Bolsonaro, anunciado candidato à reeleição à presidência da República desde o primeiro momento. As declarações de Antonio Carlos Magalhães Neto vão nesta direção: Bolsonaro dos extremos não teria apoio do DEM em 2022 mas acena com a possibilidade de negociar com o governo federal mantida a posição de “centro-direita” na qual se inclui.

Quando examinamos os pleitos municipais observamos a dependência das prefeituras em relação aos governos estaduais e federal. Após a vitória de Lula para a Presidência da República em 2002 inicia-se um período marcado por uma política de conciliação de classes, traduzida na aliança do PT com o MDB e, por intermédio deste último, o apoio da maioria do “centrão” no Congresso Nacional. Baseado nesta aliança o PT torna-se um partido nacional, estruturado em mais de 600 municípios até as eleições de 2012. A partir de 2016, com a deposição de Dilma Rousseff pelo Congresso Nacional, a burguesia abandona a sustentação desta política e se observa então o deslocamento à direita que conduz à vitória de Jair Bolsonaro.

Como se pode constatar no quadro Eleições para prefeitos no 1º. turno por partidos 2004 – 2020 (1º. e 2º. turnos) acima apresentado, em 2012 o PT estava em segundo lugar em termos do número de prefeituras conquistadas eleitoralmente, apenas atrás do MDB, com o qual estava coligado. Oito anos depois, o declínio dos dois partidos é notável, mais acentuadamente no que diz respeito ao PT. Todo o campo da assim chamada esquerda (PT, PDT, PSB, PCdoB, PV) perdeu posições no decorrer do período de 2004 a 2020, acentuadamente a partir de 2016.

A mídia burguesa comemorou no pleito municipal de 2020 a vitória do “centro”, da “moderação” e a derrota do “extremismo” ou da “antipolítica”. Vale comentar aqui brevemente a posição eleitoral da extrema-direita e dos candidatos apoiados diretamente por Bolsonaro, derrotados em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Belém. A principal derrota sofrida foi em São Paulo (capital), onde Celso Russomano, do partido Republicanos, ficou em quarto lugar, com apenas 10,5% dos votos válidos. Apesar de ser possível considerar o desgaste dos candidatos,  fato é que o apoio dado por Bolsonaro identifica-o com a derrota eleitoral dos candidatos e o bolsonarismo sofreu, assim, um revés eleitoral.

Mas em que pese a dificuldade de Bolsonaro articular a “Aliança para o Brasil” no decorrer do processo eleitoral mediante a indicação de candidatos, há de se destacar o fato de que vários candidatos identificados com Bolsonaro inscritos em legendas de direita e extrema-direita como Republicanos, PSL, Patriota e Avante conseguiram expressiva votação e vitórias inclusive em cidades com composição operária, a exemplo do PSL em Ipatinga (MG). Tais posições poderão no futuro vir a nuclear a Aliança bolsonarista.

A extrema-direita abriga-se no interior do sistema partidário, como os partidos acima apontados, a exemplo dos filhos do presidente filiados ao partido Republicanos com ampla influência dentro da máquina do Estado burguês. Um exame sobre o que é este partido pode ajudar a entender esta filiação da liderança bolsonarista.

O partido Republicanos atualmente dispõe de 211 prefeituras, tendo conquistado cidades mais importantes como Vitória, Campinas e Sorocaba. Criado em 2003 com a denominação de Partido Municipalista Renovador (PMR) por partidários de José de Alencar – aliás, vice de Lula na presidência da República entre 2003 a 2011 – o partido mudou o nome para Partido Republicano Brasileiro (PRB) e finalmente assumiu a denominação partidária de Republicanos em 2019. Partido essencialmente governista (apoiou Dilma Rousseff e, após a deposição desta, compôs a base de Michel Temer e atualmente do governo Bolsonaro) está vinculado, sob a liderança de Marcos Pereira, à Igreja Universal do Reino de Deus, entidade religiosa do núcleo fundamentalista evangélico (neopentescostal) liderada pelo bispo Edir Macedo que se baseia na ideologia da prosperidade dos pobres e oprimidos na sociedade capitalista. Celso Russomano, candidato a prefeito de São Paulo e o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, candidato à reeleição, ambos derrotados são os nomes mais conhecidos desta sigla partidária que tem o código eleitoral 10.

As declarações categóricas da derrota da “antipolítica” feitas pela mídia burguesa não passam, portanto, de viés em favor da vitória da centro-direita. Ressalte-se, porém, que o crescimento eleitoral da direita “tradicional”, a exemplo do DEM, significa o reforçamento das legendas da direita consideradas confiáveis pela burguesia.

 

O desempenho eleitoral da assim chamada (e autodenominada) esquerda

Não resta a menor dúvida de que na assim chamada esquerda pela mídia burguesa (PT, PCdoB, PSB e PDT) o PT foi o maior derrotado eleitoralmente em 2020. Não elegeu nenhum prefeito nas capitais e obteve menor número de prefeituras e de vereadores.

Como se expressou a votação do PT em 2020? Obteve 179 prefeituras no 1º. turno distribuídas principalmente nos estados da Bahia (32), Minas Gerais (26), Piauí (24) e Rio Grande do Sul (23). No segundo turno conquistou quatro (4) prefeituras entre as 100 maiores cidades do país, a saber, Contagem, Diadema, Juiz de Fora e Mauá. O cômputo final é de 183 prefeituras e 2.655 vereadores em sua legenda.

Quando analisa a qualidade da votação nestas eleições percebe-se no PT a continuidade da velha política eleitoreira, orientada pela conciliação de classes. A orientação geral do PT foi a de disputar eleições onde tivesse candidatos com chances de vitória – o que se traduziu em coligações partidárias que incluíram partidos da direita.

Examinemos aqui alguns exemplos, com destaque para os municípios com maior concentração operária.

Em Pernambuco, o PT ficou longe dos centros industriais de Goiana (polo automotivo), em Ipojuca (Refinaria Abreu Lima), do Complexo Industrial Portuário de Suape (Cabo de Santo Agostinho) e de Garanhuns (confecções). Conquistou eleitoralmente apenas cinco cidades, a maioria composta por municípios pequenos (Águas Belas, Granito, Orocó e Tacaimbó) e uma cidade média importante do ponto de vista regional (Serra Talhada). Conseguiu manter posições em boa medida graças ao vínculo com os camponeses (“agricultores familiares”) organizados por meio de federação sindical e da CUT, e também de coligações com a direita tradicional. Em Serra Talhada, Marcia Conrado sucedeu Luciano Duque, do PT, elegendo–se numa coligação com o PSD, Patriota, PDT, PP, PTB, Pode e Cidadania. O discurso contra as “forças do atraso” adotado na campanha dela tem o significado de um enfrentamento do coronelismo representado por Inocêncio Oliveira no sertão.

Mas a verdadeira disputa se travou, na verdade, pelo legado da chamada “centro-esquerda” representada historicamente por Miguel Arraes, do PSB. O PT perdeu em Recife para o candidato do PSB apoiado pelo governador Paulo Câmara. A máquina governamental entrou na disputa para valer, com dinheiro a rodo, ataques antipetistas e denúncias falsas (fake news) atraindo o apoio da direita ideológica para João Campos, enquanto a candidata Marília Arraes (PT) agregou em torno de si a direita tradicional, tendo o processo eleitoral no segundo turno chafurdado num verdadeiro pântano do direitismo.

Na Bahia, apesar do PT ter conseguido eleger candidatos em 32 municípios como Lauro de Freitas e de ter um governador de sua legenda (Rui Costa), não conseguiu posições na capital e tampouco nas principais cidades (Feira de Santana, Vitória da Conquista, Camaçari e Juazeiro) do estado. Interessa destacar os resultados eleitorais nos municípios de Alagoinhas, Camaçari e Feira de Santana, por localizarem os três maiores distritos industriais do estado. O PT estava afastado dos governos municipais de Alagoinhas e Camaçari desde 2012, tendo sido derrotado em 2020 para o PSD e MDB, respectivamente. Em Feira de Santana, reduto da direita, venceu uma coligação entre MDB e DEM.

No estado do Rio de Janeiro, a disputa praticamente deixou de fora o PT. Na cidade do Rio de Janeiro, a decisão ficou entre a direita tradicional (Paes, pelo DEM) e a direita ideológica (Crivella, Republicanos), com a vitória da primeira. No interior, o PT conseguiu eleger apenas o prefeito Fabiano Horta, inclusive em primeiro turno, na cidade de Maricá, com 88,09% contra 5,98% do oponente Ciro Fontoura, do Republicanos. A esmagadora vitória expressa a aliança “O futuro a gente faz agora”, do PT com o PCdoB, PDT, Cidadania, MDB e Avante. O uso dos royalties da Petrobrás em Maricá garantiram a distribuição da renda básica, a tarifa zero nos transportes públicos e o apoio a investimentos privados. Foi com este “cartão de visitas” que se apresentou o candidato Dimas Gadelha (PT) ao município limítrofe de São Gonçalo para disputar com Capitão Nelson, do Avante, candidato de Bolsonaro neste ano. A vitória do policial militar aposentado e ex-vereador bolsonarista por uma margem apertada (50,79% contra 49,21%) traz a tona a relevância do controle exercido politicamente por ele em Jardim Catarina – o maior loteamento popular da região neste segundo município mais populoso do estado do Rio de Janeiro. De acordo com denúncia apresentada no Relatório CPI das Milícias, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Nelson Ruas dos Santos que se apresentou eleitoralmente como Capitão Nelson é vinculado às milícias.

No estado de São Paulo ocorreram disputas acirradas na região metropolitana de São Paulo, ou seja, nas maiores cidades. Assim, o ex-metalúrgico e ex-dirigente sindical Marcelo Oliveira concorreu e ganhou a eleição para a prefeitura de Mauá, vencendo Atila (PSB) pela diferença mínima de 50,74% a 49,26% com o apoio do PDT, PSOL, UP, PSL e PRTB, os dois últimos declaradamente partidos de direita. O Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) que, aliás, é o partido de ninguém menos do que o Vice-Presidente da República Hamilton Mourão, lançou o slogan “Endireita Brasil” no pleito de 2014 e ajudou a eleger Fernando Collor de Mello como senador da República, tem no seu currículo denúncias de ter financiado o site de notícias de direita Folha Política, considerado por alguns como produtor de notícias falsas, além das páginas do Facebook Movimento Contra Corrupção e TV Revolta. Já em Diadema José de Filippi Junior (PT) teve 46% dos votos no primeiro turno, contra 15% de Taka Yamauchi (PSD), mas venceu-o no segundo (51,35% contra 48,65%) baseado na coligação “Diadema da Gente” constituída pelos partidos PT/Solidariedade/ PL / Avante / Patriota.

Ficou muito difícil para lideranças do PT criticar os que “abandonaram o barco” depois da deposição de Dilma Rousseff em 2016, a exemplo de Claudinho da Geladeira, que saiu do PT para entrar no Podemos, sigla com a qual se elegeu prefeito em Rio Grande da Serra (SP) neste ano, tendo por vice uma candidata do PTB.  A crítica acima feita por Ramon Velasquez, candidato do PT derrotado na mesma eleição, representa a atitude do roto falando o esfarrapado.

A propósito, o Podemos (Pode) foi refundado em 2016 inspirado na frase do ex-presidente Barak Obama (Yes, we can – Sim, nós podemos). Originalmente denominado Partido Trabalhista Nacional quando de sua criação em 1995, o Podemos é uma organização controlada pela família do empresário José Masci de Abreu, cuja porta-voz é Renata Abreu, figura bastante conhecida entre seus pares por ter se afastado sistematicamente da Câmara dos Deputados desde 2018 para tratar da saúde e de interesses particulares, assim como pela célebre frase “o Podemos não é de esquerda e nem de direita, mas para a frente, com mais democracia para juntos decidir o futuro do país”. Neste caso, e naquele momento com Álvaro Dias, atual senador da República. Trata-se de uma sigla de aluguel da direita.

A campanha em Contagem (MG) também confirma a tendência em vigência no PT. Cidade da região metropolitana de Belo Horizonte com 660 mil habitantes que tem um grande parque industrial no qual se concentra e movimenta grande concentração operária, Contagem sofre de deficiências básicas em áreas como transporte e saúde (dispõe de apenas um hospital público). Na eleição municipal Marília Campos (PT), deputada estadual e eleita prefeita em 2004 e 2008, obteve 41,83% contra 18,42% dos votos para Felipe Saliba (DEM) no primeiro turno e chegou tecnicamente empatada a quatro dias do 2º. turno. Foi quando o partido optou pela aliança com o Republicanos (14,09% de votos no 1º. turno) e o PDT (4,98% no 1º. turno)

Assim declarou a candidata Marília Campos (PT) em Contagem, ao formalizar aliança com o vereador Dr. Wellington, dos Republicanos:

Como eles têm uma base importante no segmento religioso, é importante não apenas para ampliar o apoio eleitoral, mas também para podermos governar. Por exemplo, na Igreja Universal eles têm um trabalho com mulheres que faz o enfrentamento contra a violência doméstica. Inclusive, quando fui prefeita, fui parceira desse projeto.

Margarida Salomão, eleita em Juiz de Fora com 54,98% dos votos no 2º. turno é uma exceção à regra, pois sua candidatura é maior do que a do partido devido a sua trajetória como reitora da Universidade Federal de Juiz de Fora em dois mandatos consecutivos (1998 e 2002), deputada federal reeleita em 2018 com 89.378 votos, um pouco menos do que os 144. 529 obtidos para a prefeitura da cidade, a qual, aliás, concorreu anteriormente com expressivas votações.

As pequenas vitórias eleitorais do PT obtidas a custo de concessões à direita, como apontamos acima, não retiram o significado mais amplo da derrota em 2020, aprofundando o isolamento político no qual se encontra o partido desde 2016 implicando rupturas num processo amplo e que comparece no noticiário. A constatação do desastre fez com que lideranças do PT erguessem a bandeira da Frente Ampla de Esquerda. É o que podemos ler no documento assim intitulado por Raul Pont (PT-RS).

Não se trata de uma autocrítica da imposição de sua hegemonia traduzida na célebre e batida frase “vocês estão condenados a votar no PT” proferida por José Dirceu. Não, para Pont as dificuldades e ausência de tradição na configuração de blocos de esquerda no Brasil devem-se aos longos “períodos ditatoriais e/ou autoritários no século 20 e a exclusão da esquerda das disputas eleitorais”. Caso houvesse uma intenção de reconhecer os erros mesmo dentro dos limites da trajetória do PT, Pont teria de se referir principalmente às escolhas feitas a partir de 1991, quando a direção nacional dissolveu os núcleos de base e os vínculos com os movimentos sindicais e populares nos quais poderia e deveria disputar influência, para aprofundar o partido na sua forma institucional, quer dizer, burguesa, de agremiação partidária organizada na forma de diretórios preocupada apenas em participar dos processos eleitorais para ratificar a democracia. A separação entre o partido e a CUT do ponto de vista institucional significou apenas a despolitização das lutas econômicas, pois a filiação dos dirigentes sindicais ao PT foi condição para conquistar cargos eletivos com apoio do partido ou com a indicação de Lula durante seu período de popularidade.

Raul Pont ressalta a importância da proposta de uma Frente Ampla de Esquerda ao se perguntar a respeito de qual Estado (nos limites da democracia burguesa) se quer construir, apontando para mudanças na legislação eleitoral e reforma constitucional, para a definição dos “limites da propriedade” (uma cuidadosa indicação contrária ao latifúndio) e da soberania nacional pelos quais se deveria lutar. Lembra da assinatura de um documento público por centenas de intelectuais, professores universitários, dirigentes partidários, sindicalistas, jornalistas, homens e mulheres originários do Fórum 21, apoiados por Carta Maior e remete à vitória eleitoral em muitas cidades pelos partidos PDT, PT, PSB, PCdoB e PSOL para justificar um programa pequeno-burguês reformista elaborado conjunta e consensualmente, acenando também para a adesão das organizações partidárias situadas “no campo da esquerda anticapitalista” que, apesar de não ter “representação parlamentar estão nas lutas sociais como o PCB, PCO, PRC, PSTU, UP e outros”.

Assistimos ao longo dos últimos 30 anos a integração da assim chamada esquerda cada vez mais à ordem social e política dominada pela burguesia, a ponto de não representar qualquer ameaça a esses fundamentos e ficar sempre como alternativa à disposição quando seus interesses não conseguem prevalecer a contento. Portanto reiteramos a análise sobre o papel do PT na sociedade burguesa no Brasil constante no documento Notas sobre o momento histórico atual (2012):

O PT é atualmente o resultado desse processo de integração à dinâmica política da sociedade burguesa no Brasil. Do ponto de vista dos seus métodos e da organização não se diferencia de um partido burguês como os demais. Entre os parlamentares que aglutinam tendências políticas e as executivas que controlam o funcionamento do partido e impõem verticalmente as alianças nas disputas para as prefeituras e os governos estaduais, não há fóruns de discussão e, portanto, possibilidades reais de disputa política. A filiação, por outro lado, é um processo massivo, sob controle das executivas estaduais.

O caminho da autocrítica verdadeira não está definitivamente impossibilitado mas a avaliação da Direção Nacional e de correntes à esquerda dentro do PT como a de Raul Pont, acima analisada, deixam claro que somente uma forte pressão de baixo para cima obrigará o partido a retomar uma vida democrática, reconhecer seus erros e reorientar sua atuação política.

Falta acrescentar alguns comentários sobre a atuação do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), agremiação partidária oriunda da expulsão de deputados do PT que votaram contra Reforma da Previdência, em 2003. O desempenho eleitoral do PSOL mais significativo em 2020 foi a conquista da prefeitura de Belém (PA) e a disputa de Guilherme Boulos com Bruno Covas do PSDB no 2º. turno em São Paulo, quando alcançou 40,62% contra 59,38% dos votos válidos. Em São Paulo traz consigo a experiência do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

No primeiro turno a campanha de Boulos conseguiu bons resultados principalmente nas camadas da “classe média” com maior escolaridade, isto é, professores, estudantes universitários, etc., ressentindo-se da falta de penetração na “periferia”. O voto popular veio no 2º. turno, tanto pelo apoio de Jilmar Tatto, candidato do PT derrotado, como do discurso centrado nas carências urbanas dos bairros proletários. Notável o fato de que Boulos repetiu contra Covas, em termos proporcionais, descontada a taxa de abstenção mais elevada, o desempenho de Haddad contra Bolsonaro na eleição presidencial de 2018 ainda que tenha ampliado a votação (São Mateus e Cidade Tiradentes, na Zona Leste).

Uma análise do programa do partido deixa patente que não guarda muita diferença em relação ao seu rival histórico na esquerda. Apresenta-se, contudo, como uma vertente “limpa” e não dogmática, avessa aos conchavos com a direita típicos do PT. Em que pese esta intenção, na campanha eleitoral em São Paulo teve apoio de um grupo de capitalistas do sistema B, “certificação internacional em que empresas atestam que são social e ecologicamente responsáveis”, conforme declaração pública de 11 empresários, incluindo “nomes como o do ex-banqueiro Eduardo Moreira, João Paulo Pacífico, CEO do Grupo Gaia, Marcel Fukayama, empresário B, e Luis Rheingatntz, empresário do agronegócio” como está assinalado na matéria do jornal Valor Econômico.

Pode-se perguntar como a exploração capitalista da força de trabalho pode ser considerada socialmente responsável quando rouba tempo de trabalho excedente durante a jornada de trabalho, esgotando diariamente a energia física e psíquica dos trabalhadores.  E de que modo pratica a responsabilidade ambiental com a sistemática destruição da natureza pelo processo de acumulação de capital. Questões obviamente fora do âmbito de preocupações do partido: afinal para eles a responsabilidade social nada é mais do que a redução da desigualdade social mediante transferência de renda e políticas públicas, enquanto a sustentação ambiental pode se traduzir no controle das queimadas e no impedimento da exportação de madeira não certificada da Amazônia.

As organizações de esquerda (PSTU, PCO, PCB, UP) que se apresentam como alternativas ainda foram tomadas pelo eleitoralismo em voga, sob o temor do “isolamento político”. Embora tenham apresentado candidaturas não elegeram nenhum prefeito ou vereador e, deste modo, não conseguiram romper a cláusula de barreira para existência dos partidos do ponto de vista da institucionalidade burguesa (não atingiram o quociente eleitoral). Organizações como o PSTU sequer conseguiram traduzir sua influência sindical em votos do operariado em favor de seus candidatos.

 

Conclusões e perspectivas

O direito de voto, até a formação dos partidos operários sob inspiração da Associação Internacional dos Trabalhadores e a incansável atuação de Marx e de Engels, tinha o caráter de traição e de manipulação grotesca. Por ocasião da Comuna de Paris, apropriando-se da experiência revolucionária do proletariado, Marx escreveu:

Em vez de se decidir de três em três, ou de seis em seis anos, que membro da classe dominante devem trair e esmagar o povo no Parlamento, o sufrágio universal deveria servir ao povo organizado em comunas, do mesmo modo que o sufrágio individual serve aos patrões que procuram operários e administradores para seus negócios. (Manifesto do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores sobre a guerra civil na França em 1871)

Quando o Partido Operário Francês surgiu, pouco mais de uma década depois da trágica derrota dos comunistas parisienses, inscreveu esta advertência no seu programa: “transformar o direito de voto de meio de engano que foi até agora em instrumento de emancipação”. Com a ênfase de que esta transformação dependia da atuação revolucionária do partido.

Na ausência de mobilizações políticas independentes dos trabalhadores e de sua expressão em partido político próprio como a situação em que infelizmente ainda vivemos, as eleições continuarão a ser o que sempre foram: o modo da “livre” escolha, a cada quatro anos, do governante que irá oprimir as classes trabalhadoras.

É o que tem acontecido historicamente no Brasil.

Vimos como as eleições municipais neste ano de 2020 serviram para testar a força relativa de cada um dos partidos em disputa pelo voto para o verdadeiro processo a acontecer em 2022. O teste consagrou os partidos de direita (DEM, PP, PSD, MDB), situados no centro do espectro político-partidário, mas igualmente reforçou aqueles que tendem à extrema-direita (Patriota, Avante, Republicanos). A assim chamada esquerda (PT, PDT, PSOL) enfraqueceu-se eleitoralmente. A vitória do “centrão” deixa claro o fato de que a burguesia, em situações normais, não precisa de um único partido. Aliás, quando sua ordem se encontra sob ameaça, costuma apelar para o seu “partido único”, a saber, as Forças Armadas.

Assim, a democracia burguesa se fortaleceu, ainda que numa primeira fase de um processo cujo desfecho mais importante acontecerá somente em 2022, quando serão eleitas as instâncias verdadeiramente decisórias do Estado burguês, a saber, a Presidência da República e o Congresso Nacional, os Governos estaduais e as Assembleias Legislativas.

Cabe agora perguntar: quais desafios postos à camada mais avançada da classe operária, capaz de raciocinar e abrir caminho para uma atuação numa perspectiva revolucionária, assim que as condições de luta da classe permitirem?

Uma das tarefas mais importantes é a de combater as ilusões constitucionalistas e eleitoreiras da pequena-burguesia dominante nas esquerdas de todos os matizes, que inclusive influenciam os operários que se pautam, em outras esferas de luta, pela organização independente dos trabalhadores.

A defesa da democracia burguesa sob as surradas fórmulas da “participação” direta ou indireta (plebiscitos, conselhos, constituinte) constitui um poderoso obstáculo ideológico à compreensão do caráter de classe da democracia burguesa, a serviço da dominação do capital e uma forma de anulação da importância da luta de classe. Além das limitações e distorções como os interesses de classe dos trabalhadores são contemplados na legislação, não há qualquer possibilidade de “garantia de direitos” permanente para os trabalhadores, ainda que escritas na chamada “lei maior” do país. A única garantia de que dispõem é a da luta coletiva, de classe.

A educação política dos trabalhadores supõe o aprendizado próprio nas lutas em torno de suas reivindicações, com métodos, organização e mobilização independente e oposta aos interesses da burguesia e suas instituições. Dada a inexistência de forças e de candidaturas que sejam a expressão deste processo de luta pela independência de classe, a participação eleitoral para o executivo deve ser recusada, supondo apenas o apoio a eventuais candidaturas aos legislativos municipais voltadas para a denúncia das condições de exploração e de opressão em que vivem os trabalhadores.

O significado do termo “esquerda” em voga na mídia burguesa e assumido por diversas organizações de esquerda tem sido apresentado como sinônimo de luta contra a desigualdade social. A desigualdade social é entendida, porém, nestas organizações, como um problema de concentração de renda, donde decorre como consequência a sustentação de programas de transferência de renda. A defesa da extensão do auxilio emergencial do governo Bolsonaro até o fim da pandemia tem sido, aliás, parte de uma posição comum a toda a esquerda, tanto das organizações partidárias como das sindicais. Programas de transferência de renda fazem até parte do receituário de instituições como o Banco Mundial. Mas a brutal desigualdade de renda vigente é uma decorrência da propriedade privada dos meios de produção (a terra, as fábricas e os bancos) que submete os não proprietários desses meios, na forma de assalariados abertos ou disfarçados, quer dizer, obriga a maioria absoluta da sociedade a produzir a riqueza para os proprietários, concentrando-a em suas mãos.

É sob a mesma perspectiva que as questões de gênero, de orientação sexual e de raça incorporadas pelas esquerdas precisam ser equacionadas. Os preconceitos enraizados na ideologia disseminada na sociedade têm sido apropriados e especialmente atualizados pelo capital para aumentar e intensificar a exploração de certas camadas de trabalhadores, como é o caso da população negra que constitui a maioria dentre as mais mal pagas.  É preciso ser claramente contrário a posições que procuram abstrair essa vinculação para favorecer a aceitação alianças com quaisquer posições no espectro partidário. Pode-se mesmo convergir na prática, mas é fundamental expressar a posição de classe e demarcar a independência do ponto de vista político.

É o caso da luta contra a opressão da mulher. Como aceitar composições com a direita, a exemplo do que fez o PT em Contagem com uma candidatura do partido Republicanos, vinculado à Igreja Universal do Reino de Deus em torno da luta contra a “violência doméstica” que se destaca por apresentar a mulher enquanto centro renovador da família patriarcal junto às camadas mais empobrecidas das classes trabalhadoras, vítimas do desemprego e da drogadição? Certamente não poderá, numa aliança deste tipo, lutar pela emancipação feminina, em busca da igualdade com os homens e do fim do poder patriarcal, centrado na propriedade privada e sua herança, um processo histórico que inclui, portanto, a emancipação social dos trabalhadores do jugo do capital.

Por tudo o que dissemos acima, as greves (e outras formas de manifestação coletiva) constituem as principais frentes de luta. As greves podem ser escolas de luta de classes, favorecendo a compreensão de que a exploração capitalista é uma condição de classe e não apenas a submissão a este ou aquele patrão. Isso remete também ao desdobramento das reformas trabalhista, sindical e administrativa iniciadas em 2017 e que terão continuidade, uma vez que se trata de medidas de política econômica contra os trabalhadores em seu conjunto.

O contexto de uma possível segunda onda da pandemia, pautado nas disputas pré-eleitorais entre Doria (PSDB) e o presidente Jair Bolsonaro em torno das medidas de proteção e o cronograma de vacinação previsto para primeiro semestre de 2021, tende a obscurecer e a deixar em segundo plano o avanço das reformas exigidas pelo capital após as eleições. Mas esta última será a agenda política contra a qual terão de seu voltar os trabalhadores, na medida de sua resistência à exploração capitalista.

CVM, 04 de dezembro de 2020.

Leia aqui, em PDF:  As eleições municipais de 2020 e os desafios para a luta de classe dos trabalhadores  

 

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