Boletim de Conjuntura Nacional Nº 7 – outubro de 2014
Voto crítico ou voto nulo?
Por uma plataforma de lutas e pela mobilização independente dos trabalhadores
Coletivo CVM
O artigo “Onda conservadora” de Guilherme Boulos (link também aqui no Portal CVM) e também as posições que os coletivos Centro de Estudos Victor Meyer e Cem Flores publicaram no blog marxismo21 suscitou uma proposta de debate. Trata-se do artigo “A necessidade de uma política: as eleições brasileiras de 2014 e os dilemas da esquerda socialista no segundo turno”, de Marcelo Badaró Mattos, publicado no Blog Capitalismo em desencanto.
Professor universitário, estudioso do movimento operário brasileiro e ativista de esquerda, Marcelo Badaró analisa o processo eleitoral que definirá, em 26 de outubro próximo, quem vai ocupar o cargo da Presidência da República. Mais importante, apresenta a proposta de um “voto crítico” no PT e, portanto, na candidatura de Dilma Roussef à reeleição, a ser sustentado por uma Frente de Esquerda.
Não iremos examinar aqui o artigo no exame do processo eleitoral, ponto por ponto. Diremos apenas que, do ponto de vista político geral, as propostas dos candidatos Dilma e Aécio são convergentes em termos dos interesses da burguesia, embora nada disso transpareça para a maioria da população que assiste aos programas de televisão e de rádio, ou eventualmente participe de comícios.
A diferença existente entre as duas candidaturas repousa menos nas suas posições quanto aos desafios da economia capitalista e do papel do Estado no futuro imediato do que nas bases sociais de apoio. Assim é que a reeleição de Dilma implica algum grau de negociação com os trabalhadores por meio das centrais sindicais. Em outros termos, enquanto Aécio expressa as posições burguesas sem mediação, Dilma precisa da mediação da burocracia sindical constitutiva da base do Partido dos Trabalhadores.
Não se pode negligenciar o significado dessa burocracia cooptada pelo governo por meio dos fundos públicos como o FAT e o FGTS, dos cargos nos fundos de pensão quanto ao papel que irá desempenhar na eventual reeleição de Dilma. Desde já essa burocracia nucleada na CUT e na direção do sindicato dos metalúrgicos do ABC tem defendido a flexibilização da CLT por meio de Acordos Coletivos Especiais e da proposta da Política de Proteção ao Emprego, mediante as quais direitos, jornadas e salários são trocados pela garantia de emprego temporário.
Lembremos: em vez de semana de 40 horas, “lay-off” ou outros acordos lesivos aos trabalhadores; no lugar de salário mínimo do DIEESE (R$2.862,73), recuperação parcial do poder de compra do salário mínimo vigente (R$724,00); em vez de liberdade sindical, atrelamento da CUT, cerceamento do direito de greve e aperfeiçoamento do aparato repressivo; em vez de recuperação dos serviços públicos, ao lado reforço aos planos de saúde, privatização da gestão do SUS e favorecimento da dupla porta de entrada nos serviços públicos especializados.
Qual a responsabilidade que as esquerdas, nomeadas como PSOL, PSTU e PCB (deveríamos agregar o PCO), têm nesse contexto? – pergunta Marcelo Badaró.
É interessante observar que a possibilidade de uma frente de esquerda incluía, até 2013, grupos dentro do PT assumidos como “esquerda”. Se agora estão deslocados é por que acompanharam a guinada do PT à direita. Esses grupos descobriram-se ou melhor, inventaram para si, a condição de uma esquerda anti-neoliberal, em outros termos, uma esquerda para o capital produtivo, isto é, do pequeno e médio capital, pois o grande capital é financeiro no sentido da fusão das diferentes formas do capital: bancário, comercial, industrial, agrário. Uma esquerda para o capital, como já disse outro pensador e ativista de esquerda.
Mas qual é a responsabilidade desses partidos capazes de compor uma nova Frente de Esquerda, de acordo com Badaró? Transcrevemos a seguinte passagem do artigo:
Ao não efetivarem, no plano nacional, desde as “jornadas de junho”, uma Frente de Esquerda reunindo PSOL, PCB, PSTU, como também os movimentos sociais mais combativos da classe trabalhadora, essas organizações perderam a oportunidade de aproveitar o momento eleitoral para apresentar uma alternativa de mudanças pela esquerda que pudesse ter uma audiência mais ampla, disputando de fato a consciência social. Não que o resultado eleitoral pudesse ser muito diferente, mas por certo que atuando unitariamente nossa capacidade de intervenção se potencializaria.
Acreditamos que nos falta ainda uma análise aprofundada sobre as jornadas de 2013. O Movimento Passe Livre (MPL) era a única organização capaz de “dar uma direção” às massas nas ruas mas não foi capaz disso pela entrada na cena de vários grupos sociais, à esquerda e à direita, sem uma experiência organizativa própria. O MPL não era nem pretendia ser um partido. Militantes dos partidos indicados por Badaró participaram do MPL e das assembleias de organização dos atos, assim como o fizeram várias organizações de esquerda nos idos das greves de 1978-80. A verdade é que, tanto agora como no passado, não estavam enraizadas para assumir a liderança e tampouco disputar a consciência social.
Daí o caráter inócuo desse agrupamento suprapartidário de esquerda, de um “nós” com alguma expressão política para negociar com o PT. Sejamos sinceros: nenhuma das organizações dispõe de força efetiva para tal intento.
Por outro lado… aproveitar o momento eleitoral para propor mudanças pela esquerda? Estará querendo apontar a saída da Constituinte, sonho recorrente da pequeno-burguesia democrática? Diante desse sonho basta dizer que as eleições atuais são favas contadas… à direita.
Do ponto de vista eleitoral, não podemos deixar de reconhecer que a classe trabalhadora no estágio de consciência política em que se encontra, tende a escolher o “menos pior”, ou seja, Dilma Roussef. Apenas núcleos reduzidos que recusam a política de colaboração de classes optarão pelo voto nulo.
Entretanto a questão que precisamos responder, do ponto de vista político é: que posição defender quando se convocam os trabalhadores a votar em 26 de outubro?
A resposta é a vinculação do voto à atuação das organizações autoproclamadas de esquerda no movimento operário real, quer dizer, nas lutas econômicas e na disputa sindical por sua condução, ora em curso, em defesa de uma plataforma de lutas mínima.
Somente então tem sentido debater o papel de uma futura frente das organizações citadas e outros coletivos de esquerda. Essa frente poderá surgir se os seus participantes foram capazes de unir esforços nas áreas onde atuam com uma plataforma de lutas mínima, dentre as quais a defesa dos direitos econômicos e sociais dos trabalhadores; contra a terceirização e a flexibilização da CLT que ACEs e PPP encaminham; pelo salário mínimo necessário, com base no DIEESE; pela jornada de 40 horas de trabalho; pela organização de base nos locais de trabalho e contra o atrelamento dos sindicatos ao Estado; pelo direito irrestrito de greve.
Pode ser que alguns defendem o voto crítico em Dilma, outros o voto nulo, mas se tal plataforma for levantada publicamente e, principalmente, levada à prática, estaremos de fato direcionando água no moinho da história.
Leia e divulgue o boletim em pdf:
Boletim de Conjuntura Nacional N° 7