Uma conversa sobre a atual situação na Palestina

Reproduzimos aqui em nosso portal especialmente para os nossos leitores um interessante diálogo sobre a situação atual na Palestina (naturalmente fictício) entre o Professor Moha Mud e seu colega Eurides Frates.

— Professor Moha Mud, boa noite.

A impressão que eu tive de todo esse trágico processo para os palestinos, a ponto de correrem o risco desaparecem nesta região de Gaza, foi a de que Hamas e outras organizações associadas deram um tiro no pé.

A essa altura será que ainda existem reféns? Se existirem seria o momento de liberta-los. Não lhe parece?

— Olá Prof. Eurides.  Você está protagonizando o Hamas no interior da agenda de relações públicas do sionismo.  A questão não pode ser vista simplesmente como um cálculo político preciso, como em nossa sociedade.  Nem em nosso meio os cálculos dão certo.  A avaliação se foi correta ou não a avaliação do Hamas em atacar não nos cabe; só o povo palestino de alguma forma (se possível) irá avaliar o que aconteceu.  Mas não acredito que seja uma condenação tão visceral, se houver.  As violências contra os palestinos beiram à aberração (prisões de menores e outros, mortes, roubo de órgãos dos cadáveres para o sistema de saúde pública do sionismo, etc.).  Veja na internet o que os palestinos chamam de ZANANA  e avalie se é possível tomar decisões com cálculos políticos precisos.   As exigências do Hamas para libertar os reféns sionistas é… a libertação de reféns palestinos nas prisões deles sem processo ou culpa formada (ou com processos judiciais absurdos).  Dado o isolamento da causa palestina, com a aproximação da Arábia Saudita e outros, o Hamas (deve ter) vislumbrado que a libertação de lideranças políticas palestinas presas há décadas nas prisões sionistas seria um caminho para reinventar um movimento nacionalista palestino.  Marwan Barghouti (o Mandela palestino) está preso há 22 anos por acusações forjadas.  Ele seria o primeiro presidente de um Estado palestino (conhecido também como sucessor de Arafat).  Ele está na lista de exigências de libertação do Hamas.

Dado este clima terrível minha posição: apoio incondicional à causa palestina, desconsiderando o Hasbará sionista.  Não chamo (na medida do possível) o Hamas pelo nome; chamo de “islã político” para não fulanizar e realizar a diabilização cognitiva que os sionistas trabalham na opinião pública.  O Hamas não é a origem do problema e nem o problema em si.  Ele faz parte de uma realidade complexa que não pode ser avaliada pela lógica ocidental burguesa de “ganhos e perdas” ou “checks e balances” da teoria da sociedade de massas.  A coisa não funciona assim.  Comprar esta ideia é capitular, não ver a situação pela ótica das contradições de classes, mas sim pela religião ou pela nacionalidade.  Ou, ainda, pela ótica de que há um “fracasso” ou “erro” no islã, que não consegue alcançar a democracia.  Veja a declaração do presidente da CONIB que apareceu nas redes na última semana.

Sartre também capitulou.  Na situação da Argélia ele foi com a massa; na guerra dos seis dias ele apoiou Israel e desconsiderou a situação palestina.  A viúva de Fanon nunca perdoou Sartre, não permitindo mais que o prefácio de “Os condenados da terra” viesse com o texto de Sartre, que saiu nas primeiras edições.

Israel, então seria a “democracia burguesa perfeita”.  É o máximo de hegemonia burguesa e o máximo de violência material e cognitiva.  É por isso que a causa deles parece razoável, modernizante, justa, etc.  Não é.  Isto é assim porque são financiados e não precisam de produzir o básico e essencial para a reprodução da classe trabalhadora deles.  Eles vivem do que não produzem!!!!!!!!!

Ser razoável, em termos de política com os sionistas, não adianta.  Eles: a) querem que os palestinos vão embora (limpeza étnica); e, b) contraditoriamente, não querem que eles vão embora (para criar uma realidade fantasiosa cognitiva que lhes assegure rendas e padrão de vida elevado).  Não tem solução para este tipo de coisa no momento.  Culpar o Hamas é um caminho fácil; aí aproveita e fica de bem com o liberalismo burguês demonstrando que você é bem comportado.  Lembre-se, como falei antes, há jornalismo investigativo de que eles extraem órgãos dos cadáveres dos palestinos para si e, talvez, para venda.  Não dá para administrar esta situação achando que o Hamas vai ler Robert Michels, Norberto Bobbio ou John Locke e reconhecer o valor do sionismo e da inviabilidade da derrota deste.

Infelizmente o Hamas vive em rotação máxima os dilemas que a esquerda de uma forma geral vive: amarrado na democracia burguesa e seus mecanismo de extração de mais-valia extra-produção.  Eles não são culpados em si, muito embora não tenham capacidade de fazer nenhum tipo de aliança que os liberte desta situação, mesmo que um caminho instintivo.

Até lá: crítica máxima ao sionismo; crítica máxima ao imperialismo.  O nosso caminho na Palestina é o de Gassan Khanafani e a FPLP.  A Leila Khaled ainda vive.  Veja na internet algumas de suas entrevistas.

 

— Professor Mud, quando lhe disse que tive a impressão de que o Hamas e outras organizações deram um tiro no pé obviamente, parti do pressuposto de que fizeram um cálculo político, certo ou não, preciso ou não. Reconheço minha ignorância do movimento palestino na relação com o sionismo. O que me ocorreu então foi a pergunta: será que não havia outra forma de enfrentar o Estado de Israel, considerando a ocorrência anterior da Intifada? Mas após ouvir a sua longa reflexão estou de acordo em evitar a culpabilização da vítima e enfatizar a crítica ao sionismo e ao imperialismo.  E tentar entender melhor a situação do “Hamas” vivenciada em rotação máxima apontada por você nessa nossa conversa. Muito obrigado pela resposta e indicações.

Constatei que há alguns livros de Kanafani traduzidos, a exemplo da Revolta de 1936-1939 na Palestina, Retorno a Haifa, Umm Saad entre outros. Você recomenda um título?

— Caro Eurides, lhe envio pelo zap uma pesquisa na estante virtual: https://www.estantevirtual.com.br/busca?q=kanafani

Eu li Sobre a Literatura Sionista, (On Zionist Literature), de Ghassan Kanafani, disponível em inglês que pode ser encontrado em pdf na internet mas eu te envio aqui: Ghassan-Kanafani-On-Zionist-Literature-Ebb-Books–2022. E tem em português na pesquisa acima o Anticolonialismo e Alternativa Socialista na Palestina, de G. Kanafani e outros, que saiu em 2022 pela Editora Fedayin, também disponível na Estante Virtual. Na internet você também encontra a obra de Leila Khaled, My People Shall Live. The Autobiography of a Revolutionary. Vou te passar o link: LeilaKhaled-MyPeopleShallLive.

Os romances são importantes para se ter o que chamo de “experiência sensorial” do processo de espoliação do povo palestino.

— Obrigado pelas suas indicações de leitura! Boa noite, Professor!

— Boa noite nada, meu caro Eurides. Nesses tempos sombrios vamos dormir mas com um olho aberto! Risos.

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