A revolta dos operários da General Motors e o engodo do “nacional-desenvolvimentismo”

por Eduardo Stotz

Dirigentes sindicais vinculados à CUT, Força Sindical e outras centrais tem se manifestado em defesa da taxa de emprego para sustentar o “desenvolvimento econômico nacional”. O seu raciocínio é o seguinte: os empresários investem na produção, contratam trabalho, pagam salários cujo poder de compra mantém o mercado interno que, por sua vez, resulta em novos investimentos. Esse raciocínio, afinado com o dos patrões e do governo, naturaliza a realidade da exploração da força de trabalho pelo capital; oculta o fato de que as empresas capitalistas privadas ou estatais estão associadas ao capital estrangeiro; mais ainda, desconhece, propositalmente ou não, que essas empresas não se limitam ao mercado interno, exportam capital para diversos países da América Latina e da África. leia mais

Elementos iniciais de uma análise da conjuntura política


1. As lutas dos trabalhadores brasileiros hoje são predominantemente econômicas e são condicionadas pelo ambiente  de crescimento da economia e baixo nível de desemprego dos últimos anos, que tem permitido aumentos reais de salário e recuperação de perdas ocorridas no passado. Entretanto, o país tem demonstrado que não está imune à crise mundial do capitalismo, como mostra a ausência de crescimento em 2009 e, mais recentemente, a queda na produção industrial e a diminuição do ritmo de crescimento do emprego. A trajetória de aumentos reais de salários e de baixo desemprego dos últimos anos pode estar com os dias contados, em função da conjuntura global desfavorável.

2. Não existem lutas políticas de massas, mas reações defensivas ou de negação a determinadas políticas, como foi o caso da chamada “luta contra a desindustrialização”. Além disso, há um condicionamento da política sindical ao eleitoralismo, pautada pelo interesse na promoção de candidatos de partidos vinculados às centrais sindicais (CUT-PT, Força Sindical-PDT, CTB-PCdoB, UGT-PSD, Nova Central-PMDB).

3. A política de colaboração de classes, hegemônica no movimento sindical, está ancorada nessa situação econômica ainda favorável. Mas, a hegemonia exercida pelas centrais sindicais que apoiam o governo constitui também um fator subjetivo, que influi negativamente no movimento, na medida em que promove acordos rebaixados, trabalha para a desmobilização da luta e para o esvaziamento da organização por local de trabalho, não combate o atrelamento sindical ao Estado, vive principalmente do imposto sindical e utiliza-se do movimento para o eleitoralismo.

4. Alguns setores do movimento sindical, entretanto, mantiveram uma linha de independência de classe, caracterizada pela promoção da organização pela base, rejeição ao imposto sindical e à contribuição negocial, formação de diretorias colegiadas, limitação dos salários dos dirigentes, resistência à cooptação, não participação na processo eleitoral e promoção da formação política com a ajuda de entidades independentes.

5. A situação econômica até aqui favorável também tem permitido uma maior unificação da classe dominante, com repercussão na sua relação com os trabalhadores. Hoje, não existem fissuras significativas entre as diversas frações burguesas, que pudessem favorecer o movimento operário. As contradições entre os setores primário-exportadores, industriais e financeiros têm sido acomodadas pelo governo do PT, que age como uma espécie de mediador de conflitos.

6. O governo, com a sua política de colaboração de classes, fomenta a formação de grandes grupos nacionais, capazes de atuar mundialmente, e leva à prática uma política nacional-desenvolvimentista, onde o Estado, apoiando-se nos bancos públicos e nos fundos de previdência de empresas estatais, tem papel de destaque na promoção da acumulação de capital, interna e externamente. Há indicações de que o fluxo de mais-valia acumulada por grupos brasileiros no exterior seja expressivo, o que significa dizer que o país desponta também como potência imperialista (ou subimperialista) no cenário internacional, ao lado da Índia, da Rússia e da China. Entretanto, a inexpressividade do seu poder militar, comparado com os países citados, tem ensejado iniciativas do governo no sentido de viabilizar um complexo industrial-militar no país, contando para isso com o apoio dos grandes grupos brasileiros da construção civil.

7. Que essa política seja levada à prática pelo PT é um fato que por si só aponta para a necessidade de ser realizado um balanço de sua trajetória enquanto partido. É necessário analisar as circunstâncias históricas e as ações que o levaram a se degenerar, passando da condição de um partido político fundado para defender a independência da classe trabalhadora à de um simples arauto e condutor de uma variante da política burguesa. Análise semelhante deve ser feita em relação à CUT, desta vez no plano sindical.

8. A unidade da burguesia e o comprometimento da maioria do movimento sindical com a colaboração de classes e com o atrelamento sindical têm imposto condições adversas para a ação dos setores que defendem a independência de classe no movimento operário. Diante dos instrumentos de atemorização e de retaliação de que dispõem os patrões e os dirigentes sindicais “neo-pelegos”, o trabalho sindical independente torna-se quase clandestino, revelando-se abertamente, na disputa pelas direções sindicais, apenas nas circunstâncias em que seu sucesso eleitoral seja viável.

9. Não menos importante é o poder de cooptação que o governo exerce sobre as lideranças sindicais, contando para isso com os cargos de confiança na administração pública, a participação na direção de fundos de previdência das estatais e nos conselhos das empresas por eles controladas, no FGTS, no FAT e em diversos outros organismos detentores de expressivos orçamentos.

10. A luta que a CUT vem empreendendo contra o imposto sindical não deve ser vista como um surto de “volta às origens”, à época em que a central defendia uma política de independência dos trabalhadores. Trata-se mais de uma atitude defensiva em relação às outras centrais, que se utilizam de sua posição no governo para criar e se apoderar de sindicatos de fachada, com o único propósito de ter acesso aos recursos do imposto sindical. Ao perder sua participação relativa nos sindicatos brasileiros, a CUT reage com a campanha pelo fim do imposto, propondo a sua substituição por outros mecanismos de arrecadação.

11. O atrelamento sindical perdura, mas não apenas com a preservação do imposto sindical. O poder do estado de conceder as chamadas “cartas sindicais”, autorizações para o funcionamento dos sindicatos, tem sido, inclusive, um instrumento que os velhos e novos pelegos se utilizam para formar sindicatos ou retirar o seu controle das mãos de sindicalistas independentes.

12. A criação de sindicatos livres, entretanto, não está posta na ordem do dia, considerado o cenário atual. Utilizar a estrutura sindical existente e lutar contra o atrelamento, pelo fomento da organização pela base e por uma ação sindical independente é o caminho possível, que já se materializou em diversas bases e tem condições de ser disseminado, principalmente se as condições objetivas da colaboração de classes no meio sindical forem modificadas.

13. Também a formação de uma nova central no momento deve ser descartada. É necessário que o movimento sindical independente adquira uma outra dimensão, inclusive nacional, para que isso possa se realizar.

14. Além de um balanço do PT e da CUT, são necessárias duas análises suplementares para permitir um quadro mais amplo da conjuntura e das alternativas políticas. É preciso um diagnóstico das alterações que ocorreram nos últimos 30 anos na indústria brasileira, abrangendo seus diversos setores, distribuição regional e participação relativa na economia brasileira. Isso é essencial para identificar os setores que serão os mais importantes e decisivos num novo quadro conjuntural no país.

15. Igualmente, um balanço das experiências socialistas no mundo e as razões para a derrota ocorrida em 1989-1991 é essencial para que possamos reabilitar a única alternativa que existe à anarquia da produção, às crises econômicas, às guerras, ao desemprego e à miséria.

16. Outra questão a ser discutida diz respeito ao partido político. Que a organização da vanguarda operária é assunto essencial, não há dúvidas. Mas, o tipo de organização política e as circunstâncias necessárias a sua criação são assuntos em aberto, a serem analisados à luz das experiências passadas e das especificidades atuais em que vivemos.

Coletivo CVM.

Julho de 2012.

Eulália Lobo: uma vida nos combates pela História

Eduardo Stotz

As lembranças dos professores mais marcantes em nossas vidas guardam uma relação
afetiva com o esclarecimento do estranho mundo no início da adolescência e, mais
tarde, com a abertura de horizontes, ao respaldar questionamentos sobre a
necessidade do mundo continuar a ser como é. Relação de identidade intelectual
quando, na vida adulta, tentamos promover o encontro entre ciência e valor.
Guardaremos assim na memória Eulália Lobo, professora de História, mestra como
poucas. Ademais, ela cumpriu um papel importante para a nossa geração num
momento especial, pois se manteve no campo acadêmico como uma referência em
defesa da História enquanto ciência em meio ao relativismo e subjetivismo que
passaram a dominar o pensamento social no rastro do desmoronamento do sistema
socialista e do triunfo do capitalismo, sob a égide da política neoliberal. Esta breve
memória procura destacar, na ação e na obra da professora e da mestra, seus
combates pela História como ciência comprometida com o estudo dos problemas
candentes de nossa época. leia mais