O sindicalismo burguês no Brasil

Eduardo Stotz

A virada da década de 1980 foi acompanhada do avanço da ideologia burguesa no movimento sindical. O chamado “sindicalismo de resultados” ou da vigência do “sindicato-cidadão” afirmado pela Força Sindical no momento de sua fundação, em 1991[1], tornou-se hegemônico no movimento sindical, tendo influído o setor mais organizado do sindicalismo brasileiro que, estruturado na Central Única dos Trabalhadores (CUT), passa a defender o “sindicalismo propositivo”. A prioridade concedida à negociação coletiva, em clara prevalência sobre a lei, contribui para a fragmentação social dos trabalhadores. A conquista dos direitos sociais e, pois, o embate de classe, remetido ao Estado, insinuada pela CUT, desaparece do cenário sindical nessa virada.

Nada menos que Jair Meneguelli, então presidente da CUT, falando nos idos de 1991, apresentou o Contrato Coletivo de Trabalho em contraposição à luta pela inclusão de direitos sociais na legislação e fez uma revisão da participação da central na mobilização pela incorporação de garantias trabalhistas e sociais na Constituição de 1988. De acordo com ele, em entrevista citada por Armando Boito Junior (1998):

A partir do Contrato Coletivo de Trabalho haverá ou será necessária a mudança na própria Constituição. Faremos as leis, nós faremos a ‘Constituição’ que regerá o capital e o trabalho, ou seja, não se deveria ter discutido redução da jornada de trabalho na Constituição. Deveria se discutir, sim, entre as partes, entre o capital e o trabalho. A única Constituição detalhista que existe no mundo é a nossa. Não queremos mais que o Congresso nos diga como temos de contratar, queremos discutir – nós trabalhadores, com os empregadores, como queremos fazer o contrato.[2]

O efeito prático dessa orientação foi liberar os segmentos mais organizados dos trabalhadores assinarem acordos por setor ou por empresa, sem ter que abranger toda a categoria legalmente constituída. O título de um estudo da socióloga Andréa Galvão é bastante ilustrativo para caracterizar o sentido das negociações e acordos coletivos conduzidos pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC: Da categorial profissional ao setor, do setor para a empresa. É importante reter que as origens desta posição dos sindicalistas cutistas está enraizada uma experiência mais ampla e mundial, tendo por base mais importante o sindicalismo americano. É o que apontou Maria Hermínia num texto publicado em 1975.[3] O sindicalismo brasileiro no ABC era então uma corrente com ideal próximo ao “sindicalismo de negócios norte-americano: combativo, ‘apolítico’, solidamente plantado na empresa”.

Contida pela conjuntura de radicalização das greves entre 1978 e 1988, a nova corrente consolidou o enraizamento da ideologia burguesa no seio do movimento operário a partir da virada dos anos 1980. Participou das câmaras setoriais organizadas durante o governo de Itamar Franco e de práticas de gestão da produção e da força de trabalho iniciadas pelas empresas, posteriormente transformadas em lei, como a da Participação dos Lucros e Resultados (PLR) e a da flexibilização da jornada de trabalho por meio do Banco de Horas.

Essas e outras práticas de gestão orientadas para aumentar a produtividade e intensificar o trabalho estão difundidas, ainda que de modo diferenciado, nos processos produtivos de inúmeros setores econômicos, privados ou públicos. Tais práticas de exploração são inseparáveis das múltiplas formas de resistência, veladas ou abertas, individuais ou coletivas, desenvolvidas pelos trabalhadores, muitas vezes, em confronto com a orientação (ou ação) sindical de colaboração com empresas.

Mas é importante ter em mente a natureza de classe de um sindicalismo voltado para a suposta defesa do emprego e dos benefícios quando se empenha em defender um nível extremamente elevado de exploração da força de trabalho pelo capital, pois tal é o verdadeiro sentido do aumento da sanção às práticas empresariais de aumento da produtividade. Uma corrente sindical assim pautada não passa de uma força auxiliar da burguesia. Merece de fato a denominação de sindicalismo burguês.

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Notas:

[1] Patrícia Vieira Trópia. O impacto da ideologia neoliberal no meio operário: um estudo sobre os metalúrgicos da cidade de São Paulo e a Força Sindical. Universidade Estadual de Campinas, 2004.

[2] Boito Jr., Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. Xamã Editoria, 1999, p. 150.

[3] Almeida, Maria Hermínia Tavares de. O Sindicato no Brasil: novos problemas, velhas estruturas. Debate & Crítica, v.6, n.32, julho 1975, p. 73.

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