Sobre a Humanidade Socialista
O protestantismo, também, começou como movimento libertador, como um protesto contra a opressão da Igreja Católica; mas logo, no processo de luta, também o protestantismo desenvolveu seus próprios traços opressivos. E logo, depois de décadas e séculos de luta, a situação chegou a ficar estável; e a linha divisória entre países católicos e protestantes não podia ser removida.
A coexistência histórica entre os credos religiosos rivais, atrás dos quais havia também grandes movimentos sociais, se converteu em um fato. Algo semelhante sucedeu em nossa época: fomos testemunhas da real coexistência – isto é, uma coexistência antagônica e hostil – de dois sistemas relativamente estáveis, o sistema capitalista imperialista ocidental e o sistema pós-capitalista, semi-socialista oriental.
Eu acredito, no entanto, que esta analogia histórica pode ser enganosa, é enganosa em um aspecto. O protestantismo e o catolicismo podem existir a longo prazo. O mundo, na era seguinte às guerras religiosas, não era ainda um mundo único. Não era ainda um mundo unificado pela tecnologia e a indústria. Era um mundo fragmentado em muitas unidades de jovens nações Estado, de unidades feudais, semifeudais e principados particularistas.
Atualmente, o mundo é um único mundo potencial e mesmo real; a tecnologia e o desenvolvimento das forças produtivas fazem da humanidade uma unidade indissolúvel, que clama pela integração. Ou a humanidade é integrada no socialismo ou está condenada a perecer. Portanto, seria impossível hoje o tipo de estabilização das linhas divisórias que existiu depois das guerras religiosas. O mundo chegará a ser unificado e deve ser um. E somente o socialismo pode unificá-lo. O capitalismo somente pode mantê-lo desunido e conduzi-lo ao desastre.
Mas a questão é: qual é o caminho para essa unificação do mundo? Pode, enquanto isso converter-se num processo único a luta de classes no mundo?
Marx falou sobre a história da humanidade como a história da luta de classes. Mas naturalmente, a luta de classes não se desenvolveu através da história sempre com a mesma intensidade em todo o mundo, nem em todas as épocas. A transição do capitalismo ao socialismo, como sabemos agora, é um problema de muitas gerações.
Eu não me sinto tão desencorajado pelo fato de que a luta de classes tenha avançado tão lentamente em nossa sociedade ocidental, como que nos impelindo a abandonar a análise e o prognóstico marxista. Que nossas classes trabalhadoras, especialmente o grupo com mais idade dentro dessas classes trabalhadoras, tenham se deixado confundir. Não obstante, eu creio que o problema que colocou o falecido C. Wright Mills, o problema de quem continua sendo o agente do socialismo – a classe trabalhadora ou as elites da intelligentsia – requer, especialmente nos Estados Unidos, uma discussão profunda e uma análise profunda porque em nenhuma outra parte este tema se apresenta com igual gravidade.
Agora faz sessenta anos desde que um grande marxista russo, Léon Trotsky, disse que a Europa ocidental exportava seus dois produtos principais para duas direções distintas. Exportava sua ideologia mais avançada, o marxismo, para a Rússia. Exportava sua mais avançada tecnologia para os Estados Unidos.
Mas a Rússia que recebeu o marxismo como uma importação da Europa ocidental estava atrasada tecnológica e industrialmente, era a mais atrasada das grandes nações da Europa.
Os Estados Unidos, que possui uma tecnologia tão avançada, infelizmente têm permanecido atrasados em relação ao pensamento político. Até hoje (e lamento dizê-lo) continua sendo um país com pensamento político extremamente atrasado.
E eu creio, gostaria de acreditar, que os grandes movimentos de informação dos dois últimos anos, e encontros como este presente, é uma prova de que os Estados Unidos estão tentando, estão começando a romper seu atraso em matéria de ideologia e pensamento político. Mas o quanto falta para se agitar!
Creio que é uma grande debilidade deste movimento que celebramos aqui, uma conferência de estudiosos norte americanos que se realiza sem despertar nenhum interesse em suas classes trabalhadoras. E vocês não devem – não o têm direito – de se lamentar porque muitos de vocês estudiosos socialistas norte americanos – não gostaria de generalizar – não sentem interesse por suas classes trabalhadoras.
Não tenho a intenção de depreciar ou diminuir movimentos de protesto gerados pela intelligentsia. Sempre recordo que ao longo do século XIX a intelligentsia russa carregou sobre os seus ombros frágeis o tremendo fardo da luta contra a autocracia russa, todo o tremendo fardo da revolução russa.
Geração após geração da intelligentsia russa, no século XIX se atirou de cabeça heroicamente, se auto sacrificando contra as muralhas, as muralhas de ferro da autocracia czarista russa, e pereceram. Mas não pereceram em vão. Prepararam o futuro, trabalharam para o futuro.
Creio que também vocês estão trabalhando para o futuro, para a humanidade socialista. A intelligentsia russa no século XIX – estava então muito isolada, os camponeses não lhe respondiam, a classe trabalhadora não havia nascido ainda – a intelligentsia estava isolada e por isso, porque seus homens lutavam sozinhos, desenvolveram uma certa megalomania; e a grande epopeia da luta revolucionária da Rússia do século XIX está cheia de interlúdios patéticos e excêntricos. Porque os intelectuais, quando não tem um contato vivo com as massas trabalhadoras de seus próprios países, tendem a desenvolver o seu próprio autocentrismo extravagante e tendem a produzir, quem sabe, remédios ilusórios para a sociedade.
Nossa discussão tem revelado algo de semelhante debilidade na América do Norte atual. Desculpem-me se fujo do meu tema, a humanidade socialista, mas temos que discutir o homem que deve pavimentar o caminho para a humanidade socialista. Esses são vocês.
Eu estou convencido – e não é uma questão de fé dogmática senão uma análise marxista da sociedade – de que suas classes trabalhadoras continuam sendo o agente decisivo do socialismo, tanto quanto as classes trabalhadoras russas provaram ser o agente decisivo do socialismo depois de que gerações inteiras da intelligentsia lutaram sozinhas.
Pode ser que vocês também estejam lutando sozinhos. Dependerá de vocês por quanto tempo. Quiçá somente dentro de poucos anos conseguirão encontrar o caminho para suas classes trabalhadoras. Ou por décadas se tratarem de ignorar as suas classes trabalhadoras. Podem bater com a cabeça contra, sabe lá quantas muralhas de ferro se as suas classes trabalhadoras forem ignoradas. Porque cada movimento de protesto, cada movimento de oposição às poderosas oligarquias capitalistas, está condenado em última instancia a ser impotente, se não conseguir um sólido apoio no aparelho produtivo da nação.
Que argumentos mais poderíamos deduzir a partir do texto para encontrar na nossa consciência um conforto para a angústia teórica que eventualmente poderia visitar nossa alma? O texto, tão atual dentro do contexto relativo, estimula a possibilidade de uma análise dos tempos que vivemos e a fé no movimento da vida se renova e a aparente Utopia se projeta como real no movimento da história. Penso que a aparente crise do pensamento politico que permeia o mundo pode ser fictícia e o fermento necessário deve estar na sua primeira fase pois o processo é inevitável. Uma necessidade inerente à condição humana não permite que o processo da busca da felicidade seja interrompido. Esta afirmação aparentemente metafísica talvez seja apenas uma necessidade que vendo a história da vida se recusa a pensar diferente.