Fatos & Crítica 31: Com a Medida Provisória 1.045 o capital amplia e aprofunda a exploração da força de trabalho. Aos trabalhadores só resta lutar coletivamente!

Coletivo do CVM

Sindicato é a definição que os trabalhadores dão a si mesmos quando negociam as condições de aluguel de sua força de trabalho (salário, jornada, ritmo de trabalho, etc.) para o capital. Essas condições variam, porém, de acordo com as relações de força na economia em decorrência da fase do ciclo da economia capitalista (expansão, retração e crise, estagnação) e, na política, em função dos programas de governo sustentados pelos partidos do grande capital, em coalização no parlamento.

As medidas de controle da pandemia intensificaram a exploração

Em fins de 2019 e início de 2020, a economia mundial – igualmente no Brasil, apesar da alegação em contrário do ministro da Economia – estava em desaceleração quando sobreveio a pandemia do novo coronavírus. A pandemia, ao exigir medidas de isolamento social, implicou a suspensão generalizada de atividades do setor de serviços e precipitou a crise econômica; ao lado do desemprego houve continuidade do trabalho principalmente no setor industrial, sujeitando os trabalhadores a difíceis condições.

No dia 3 de fevereiro o governo ultraliberal e de extrema direita de Jair Bolsonaro declarou oficialmente a epidemia do novo coronavírus como Emergência de Saúde Pública no Brasil. Em março, ao mesmo tempo em que liberava 1,216 trilhões de reais ou cerca de 16,7% do Produto Interno Bruto para o setor financeiro como um “orçamento de guerra” para lidar com a pandemia, autorizava o Banco Central a comprar e vender títulos conhecidos como “podres” por implicar um grande risco aos investidores. Enquanto o crédito fluía para o grande capital, os trabalhadores enfrentavam a realidade de reduzir as jornadas e os salários, suspendendo o recolhimento do FGTS e medidas de proteção à saúde e segurança no trabalho em sucessivas edições das Medidas Provisórias 927 e 936/2020.

De acordo com o Ministério da Economia, até meados de 2020 havia acordos de redução de salário ou de suspensão de contrato para 11,7 milhões de trabalhadores ou 36% dos empregados do mercado formal de trabalho, grande parte dos quais acordos individuais. A maioria dos desempregados que viviam no limiar da miséria social abrangia o impressionante número de 13 milhões de pessoas; elas receberam em 2020 um auxilio emergencial no valor de 600 reais durante três meses, depois prorrogado com menos da metade deste valor por igual período.

Mesmo em situação tão difícil, os trabalhadores resistiram durante o ano passado desencadeando greves prolongadas por empresa (caso da Renault em São José dos Pinhais, Paraná) ou categoria, de abrangência nacional como foi o caso dos trabalhadores nos Correios.

Estamos em 2021, no segundo ano desde a decretação da pandemia: em abril o governo encaminha a Medida Provisória 1.405 para apreciação no Congresso Nacional. O objetivo alegado é o de “…garantir a preservação de empregos e a continuidade das atividades empresariais para atenuar o impacto econômico das medidas de isolamento” (Câmara dos Deputados, 28/04/2021: Medida provisória retoma acordos para redução salarial ou suspensão de contratos) Pode-se afirmar que a necessidade é uma inverdade, pois praticamente não há mais isolamento social nas cidades, restando o uso das máscaras e a campanha de vacinação que avançou lentamente ao longo do ano, atingindo no momento, com a primeira dose, 59,19% da população e somente 26,83% com a segunda dose. Certamente o aparecimento de uma nova variante do coronavírus representa uma ameaça, porém a recomendação do isolamento é uma letra morta.

A MP 1045 reedita à medida anterior de redução de salário e jornada e suspensão de contrato pelo empregador, mas traz a “inovação” de permitir (artigos 7º e 8º. da MP) introduzir esse programa de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho. Ao deixar nas mãos das empresas o que fazer sob a pandemia, legaliza a exploração ainda mais arbitrária dos trabalhadores. E importante: faculta o aprendizado patronal de como reduzir custos e postos de trabalho permitindo que, no futuro, um número menor trabalhe mais. E, ainda mais importante, introduz uma mudança em relação à MP 936/2020: a medida agora deixa de possuir natureza transitória e é convertida em permanente podendo ser adotada em qualquer situação de “calamidades públicas” em âmbito municipal, estadual ou nacional admitida pelo governo federal. A lei é, portanto, mais um instrumento para a exploração dos trabalhadores pelo capital.

 

Novas medidas agravam a exploração

O projeto de lei (PLV) aprovada pela Câmara aprova e acrescenta, na MP 1.045 encaminhada pelo governo, outras formas que agravam a exploração dos trabalhadores e nada mais tem a ver com a justificativa da pandemia. Uma destas é o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore) para jovens de 18 a 29 anos que estejam trabalhando em primeiro emprego ou maiores de 55 anos fora do mercado de trabalho: o teto salarial fixado não deve ser superior a 2 salários mínimos (R$2.200,00), para os quais se estabelece redução percentual do FGTS (inclusive da multa). O tempo de duração do contrato é de até 2 anos. Outra forma é o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip) para jovens entre 18 e 29 desempregados há mais de dois anos ou vindos de famílias de baixa renda participantes de programas sociais. Com jornada máxima de 22 horas semanais e sem vínculo trabalhista (férias, INSS, 13º salário, etc.) esses jovens receberão, se a medida for aprovada no Senado, uma bolsa de até 550 reais.

Tais medidas irão necessariamente ampliar (e muito) o chamado setor “informal” da economia que, ao contrário de estar apenas constituído de “empreendedores” e trabalhadores por conta própria como alegam os ideólogos do capital, compreende um amplo conjunto das micro e pequenas empresas capitalistas, com a característica de desconhecer a legislação trabalhistas, sonegar impostos e impedir a organização dos trabalhadores empregados.  Segundo a PNAD contínua do IBGE, a taxa de informalidade atual é de 40% quando havia atingido de 39,5% em dezembro de 2020. A taxa de desemprego aberto aproxima-se de 15%. Ou seja, 15 milhões de desempregados e 40 milhões de “informais”. É importante destacar que a informalidade cresce para atender as necessidades produtivas do capital e seu necessário exército industrial de reserva

A Câmara também aprovou o aumento da jornada de trabalho de inúmeras categorias de trabalhadores como, por exemplo, a dos bancários e reduz o valor das horas extras. Para os mineiros (em subsolo), o projeto permite passar a jornada diária de 6 horas para até 12 horas. Além disso, o projeto aprovado incluiu ainda restrições para gratuidade para os trabalhadores à Justiça do Trabalho e a proibição dos fiscais na primeira visita aplicarem multas às empresas que descumprem direitos trabalhistas: a multa somente pode ser aplicada na segunda fiscalização.

O sentido geral desses programas governamentais é claro: reduzir salários, provocar perda de direitos, enfraquecer a organização coletiva e facilitar os contratos individuais de trabalho. Os programas podem até perdurar e não mais passar pelo Congresso, contando apenas com anuência do governo federal. Ampliam e aprofundam a exploração em condições tais que fazem lembrar a situação dos trabalhadores no início do século XX, os quais viviam numa situação de semiescravidão.

 

A posição e atitude das centrais sindicais

As centrais sindicais responderam a esta situação com uma Carta alegando que o objetivo da MP é apenas o de reeditar a redução de jornada e salários e a suspensão de contratos, que vão tentar barrar as “matérias estranhas”, como o Priore e o Requip, no Senado e, caso percam na votação, pretendem entrar com recurso no STF. Se todo esse malabarismo de respeito supersticioso ao Estado burguês der errado, esperam pela eleição de 2022.

Portanto, o não questionamento ao texto original da MP chancela a possibilidade de adoção pelas empresas do programa de redução de jornada e de salário e suspensão de contrato durante a pandemia e em qualquer momento nos casos de situação de “calamidades pública” municipal, estadual ou nacional reconhecida pelo governo federal. A posição de “pressionar” o Senado e em último caso recorrer ao STF alega que a “prática de inserção de matéria estranha” foi julgada inconstitucional em 2016. No Relatório do Deputado Christino Áureo sustenta-se a constitucionalidade das medidas. Mas o que de fato se pode esperar da justiça?

O histórico recente das decisões do STF é amplamente favorável ao aumento da exploração dos trabalhadores pelo capital e o desmonte da já enfraquecida e cambaleante proteção social, suas deliberações inclusive anteciparam várias das medidas posteriormente incluídas na reforma trabalhista como o fim da ultratividade (isto é, quando uma lei é aplicada posteriormente ao fim de sua vigência) das convenções e acordos coletivos, a quitação geral em demissão por PDV, a prevalência do negociado sobre a lei e vários entraves ao direito de greve. Durante a pandemia validou os acordos individuais incluídos nas MPs. Cenário favorável ao capital também observado no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST) como a decisão, em resposta à greve dos trabalhadores dos Correios de 2020, de extinguir 50 cláusulas do acordo coletivo com direitos conquistados ao longo de mais de 30 anos, medida que beneficia a privatização da ECT pelo governo federal.

No caso do projeto aprovado pela Câmara, o pronunciamento do procurador geral do Ministério Público do Trabalho de que vai negociar com os senadores já deixa entrever concessões. E mesmo que posteriormente o poder judiciário venha desaprovar programas e medidas como as estipuladas no Priore e no Requipe não impedirá o encaminhamento destas pelo capital, a começar pelo setor “informal” das pequenas e microempresas.

Os auditores e inspetores do trabalho teriam de fiscalizar de fato a saúde e segurança do trabalho nas empresas, mas isto praticamente não acontece: dados da página do Portal de Inspeção do Trabalho do governo federal apontam, para o caso de São Paulo, com 23.201 autos de infração, o maior em todo o país, a prevalência da fiscalização para arrecadação fiscal. Em 2020 os autos de infração trabalhista relativos ao FGTS representavam 48,5% (9.364), enquanto a fiscalização da NR-18 (segurança do trabalho na construção civil) apenas 2,5% (490) e autos em torno da jornada de trabalho somente 2,2% (436).

 

Aos trabalhadores só resta lutar

A aprovação pela Câmara do PLV expressa a unidade das correntes de extrema-direita, da direita e democratas liberais quando se trata de aprofundar a exploração dos trabalhadores pelo capital. Ou em outros termos, a unidade de ação da burguesia no Estado, uma vez a conjunção de interesses entre os poderes executivo, legislativo e judiciário em termos de ampliar a exploração da classe operária e reduzir a proteção social para a acumulação de capital.

A verdadeira mobilização dos deputados do Centrão para aprovar um fundo eleitoral de 4 bilhões de reais, o dobro do valor usado na eleição de 2018 constitui o outro lado da vil moeda, destinada a manter ou ampliar seus “currais eleitorais”.

Os patrões podem então dormir tranquilamente, sem a insônia provocada pelo pesadelo da luta de classes. As ameaças de golpe militar brandidas pelo capitão soam neste momento mais como bravatas, jogo de cena para as bases bolsonaristas continuarem arregimentadas em torno dele, apesar do reforçamento constante das forças repressivas e da crescente influência nos seus comandos.

É a verdadeira orgia do capital, a comemoração sem limites do seu poder de submeter os trabalhadores para explorá-los até quebrar sua energia, deixá-los exaustos e sem condições de trabalhar intensivamente, muitos doentes ou incapacitados, para deles desfazer-se em seguida, como o bagaço da cana moída enquanto ficam com o açúcar, o produto do trabalho.  Sem limites porque os trabalhadores aparentemente conformados, não conseguem resistir de modo espontâneo. A atitude da maioria dos sindicatos como a Carta das centrais revela, abandonou o caminho da luta para defender o emprego em protestos verbais e na mobilização dos sindicalistas para pressionar a Câmara dos deputados, enquanto na prática negociam programas de demissão voluntária impostos pelas empresas. Tal comportamento, ao mesmo tempo em que os transforma em força auxiliar das instituições do capital, os poderes legislativos e o judiciário do Estado burguês, torna a relação de exploração capitalista normal e aceitável nas circunstâncias. Abandonados a sua sorte, os trabalhadores vivem então como classe oprimida, sem perspectiva, acreditando no destino: como diz a música, vida de gado marcado, povo feliz.

Contudo as aparências enganam. Conformidade não é aceitação. Mais ainda: onde há exploração sempre haverá resistência. Os conflitos diários para obrigar ao pagamento de horas-extras, abono salarial ou de reajustes salariais não pagos nas empresas significam a tentativa de manter o valor da força de trabalho negociada com os capitalistas, tratando-se sempre de uma questão de sobrevivência. Nesses conflitos os operários aprendem a se organizar, mas percebem também que necessitam a solidariedade ativa dos trabalhadores de outras empresas, de fazer, assim, um enfrentamento mais amplo, coletivo, inclusive para além de uma categoria profissional.

Por enquanto, sem condições de reverter a MP 1405, os ativistas devem esclarecer os companheiros de trabalho nas fábricas sobre o caráter político dessa medida, voltada para ampliar e aprofundar a exploração dos trabalhadores e ajudá-los a se preparar para as próximas lutas, a levantar-se do chão das fábricas com a cabeça erguida. Tal deve ser o sentido de preparar a greve geral lançada em vários manifestos recentes.  Ensinamentos como os da importante greve geral dos operários metalúrgicos, têxteis, vidreiro e gráficos paulistas em outubro de 1963, deixam evidente a importância da mobilização nas fábricas mediante uma plataforma de luta comum dirigida ao conjunto dos capitalistas. Mas a dependência da atuação por meio de delegados sindicais sempre ficou dentro dos limites do atrelamento dos sindicatos ao Estado burguês, representado no Ministério do Trabalho.

A constante intervenção praticada pelos sucessivos governos dos patrões ao longo de nossa história mostra que a organização pela base precisa sustentar a luta e transformar a união surgida num momento específico em união permanente; mas é essencial que esta seja independente do sindicato, organizadas nas comissões de fábrica como apontaram as greves dos metalúrgicos de São Paulo (capital) e do ABC em 1978.

CVM – 25 de agosto de 2021
(atualizado em 26.08.2021)

Leia o F&C 31 em PDF clicando aqui

 

Faça seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *