Desvendando o papel das instituições burguesas – a inflação, as taxas de juros e a classe operária. Notas sobre a ata 265ª (18-19/09/2024) do COPOM

                        Glaudionor Barbosa
Membro do coletivo CVM

 

As ideias dominantes numa época nunca passaram das ideias da classe dominante. (MARX)

 

  1.  Introdução

A leitura de uma Ata do Copom demonstra até a náusea que os gênios da Política Monetária burguesa brasileira escrevem sempre utilizando a Ata anterior como rascunho. A de número 265, apenas, confirma o que se acaba de afirmar. Outro problema é seu hermetismo, sua mistura de abstrações ideológicas com tecnicismos imprecisos, só compreensíveis pelos iniciados. Como entidade pública, o Banco Central deveria prestar contas à população que trabalha, gera as riquezas e, ainda, paga a conta. Além de que, como é sabido, a construção do índice Selic é feita a partir da média das projeções das principais operadoras do mercado financeiro. Ou seja, o projeto e execução do sistema de proteção do galinheiro é entregue a um comitê de raposas.

 

  1. É possível traduzir e contestar a Ata?

É importante reproduzir literalmente, cada ponto do item intitulado “Atualização da conjuntura econômica e do cenário do Copom” para depois discutir o significado provável do mesmo

O ponto 1 da Ata 265 trata do chamado ambiente externo:

“O ambiente externo permanece desafiador, em função do momento de inflexão do ciclo econômico nos Estados Unidos, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed”. (ATA, p. 3)

O que realmente o texto pretende dizer? A queda da atividade econômica dos Estados Unidos é baixa e há divergências sobre se aquela economia estaria entrando ou não em recessão técnica. Em agosto passado o Banco Central (Federal Reserve dos EUA) decidiu não cortar as taxas de juros. Em 18 de setembro os juros foram reduzidos de 0,5%, mas isso já era do conhecimento público, pois seu presidente, Jerome Powell, sinalizou, em agosto, com esta possibilidade. (JORDAN, 2024)

O ponto 2 da Ata 265 trata do chamado ambiente externo:

Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário externo, também marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue exigindo cautela por parte de países emergentes. (ATA, p. 3)

Para reforçar a antítese aqui defendida, alguns bancos centrais em economias centrais, em particular o Banco da Inglaterra, o Banco Central Europeu, o Banco Central alemão e o Banco Central japonês, cortaram recentemente as taxas de juros. (JORDAN, 2024)

O ponto 3 da Ata 265 trata do chamado cenário doméstico:

Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado, o que levou a uma reavaliação do hiato para o campo positivo. (ATA, p. 3)

Quando o Copom afirma que existem razões ligadas ao cenário doméstico para elevação da Taxa de Juros, para não ser deselegante, pode-se dizer que há um grande equívoco, se bem que se escuta um zumbido crescente de que eles mentem. Quem determina o Regime de Metas é o Comitê de Política Monetária do Banco Central em 12 meses corridos. O centro da meta é 3,0% com margem de 1,5%, então a inflação pode variar entre 1,5% e 4,5%.

A narrativa baseada em dados do IPEADATA nos mostra que desde setembro de 2023 que a Taxa de inflação entrou em uma trajetória declinante, atingindo o máximo da meta (4,5%) entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024. De fevereiro de 2024 até abril a taxa de inflação atinge um mínimo de 3,7%, volta a se elevar até atingir novamente o teto em julho de 2024, quando inicia uma queda que se estende até o mês de setembro.

O ponto 4 da Ata 265 trata propriamente do fenômeno inflacionário

A inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cheio assim como medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes. As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,4% e 4,0%, respectivamente. (ATA, p. 3)

A primeira dificuldade é a escolha da política monetária como único instrumento de controle inflacionário. O segundo é a suposição, nunca revelada, de que a inflação brasileira é de demanda. Repetindo: a inflação deve situar-se entre 1,5% e 4,5% de acordo com o extremo conservadorismo do Banco Central, os senhores do mercado, verdadeiros donos do capitalismo, já repetiram que a inflação deve ficar em 4,35%, logo, dentro da meta. Qual a razão de se utilizar uma taxa de juros de 10,75% e 7,33% reais para derrubar 4.35%. A manobra assemelha-se aquela do General que ordenou a ida do Tanque Leopard 2 A7 de fabricação alemã para destruir uma casa de pombos.

 

  1. De volta a Salário, Preço e Lucro ou cidadão Weston, o imortal

No livro Salário, Preço e Lucro, Karl Marx critica as ideias do cidadão Weston, que se baseavam em duas premissas: (a) o volume da produção nacional é fixo; (b) o montante dos salários reais é também fixo Marx refuta essas premissas e explica as suas teorias, como a Teoria da mais-valia e da Lei da tendência à queda da taxa de lucro.

Na sessão do Conselho Geral de 4 de abril de 1865, Weston, um membro influente do Conselho Geral e representante dos trabalhadores ingleses, propôs que o Conselho Geral discutisse as seguintes questões: (1) as perspectivas sociais e materiais da classe trabalhadora podem ser melhoradas em geral por aumentos salariais? (2) os esforços dos sindicatos para garantir aumentos não têm um efeito prejudicial em outros ramos da indústria?

Marx (1865) de forma inquestionável mostra que a premissa primeira é falsa, Pois o valor e o volume da produção aumentam de ano para ano, assim aumentam diariamente. Desse modo, o volume ou grandeza da produção nacional varia continuamente, não é uma constante, mas uma variável, e assim tem que ser, mesmo sem levar em conta as flutuações da população, devido às contínuas mudanças que se operam na acumulação de capital e nas forças produtivas do trabalho.

Para combater Weston no seu próprio campo, Marx (1865) aceita as hipóteses de que as variáveis são constantes e diz que ainda neste caso, Weston estaria errado. Para isso usa aritmética elementar:

Se tomo um determinado número, digamos 8, os limites absolutos deste algarismo não impedem que variem os limites relativos de seus componentes. Por exemplo: se o lucro fosse igual a 6 e os salários a 2, estes poderiam aumentar até 6 e o lucro baixar a 2, que o número resultante não deixaria por isso de ser 8. Desta maneira, o volume fixo da produção jamais conseguirá provar que seja fixo o montante dos salários. Como, então, nosso amigo Weston demonstra essa fixidez? Simplesmente, afirmando-a. (MARX, 1865, p. 2)

Marx (1865) argumenta que mesmo considerando a matemática westoniana de qualidade, ela teria, evidente, os dois sentidos, enquanto o nosso matemático quer que o movimento tenha apenas um sentido. Ora, se a renda, expressa como um somatório entre lucros e salários é uma constante, tanto os capitalistas quanto os trabalhadores seriam tolos em tentarem aumentar sua parte e, consequentemente diminuir aquela do outro grupo.

Se o volume dos salários representa uma quantidade constante, não poderá aumentar, nem diminuir. Portanto, se os operários agem corno tolos, ao arrancarem um aumento temporário de salários, não menos tolamente estariam agindo os capitalistas, ao impor uma baixa temporária dos salários. (MARX, 1865, p. 2)

Segundo Marx (1865) Weston não nega que, sob certas condições, os operários podem conseguir aumentos salariais, mas, segundo Weston, corno há uma lei natural que impõe o somatório dos salários como quantidade fixa, este aumento dos salários provocará uma reação. De modo inverso, sabe-se que os capitalistas podem, em resposta ou por iniciativa primeira, impor uma queda dos salários, e tanto é dessa maneira que eles estão continuamente tentando. Seria correto e justo que os operários reagissem contra as baixas de salários ou contra as tentativas em tal sentido? Evidente que sim. Agiriam acertadamente, ao arrancar aumentos de salários, pois toda reação contra uma baixa de salários é uma ação a favor do seu aumento? Sim, também, seria uma ação correta. Desse modo, conclui Marx

Logo, mesmo que aceitássemos o princípio do nível constante dos salários, como sustenta o cidadão Weston, vemos que os operários devem, em certas circunstâncias, unir-se e lutar pelo aumento de salários. (MARX, 1865, p. 3)

Marx (1865) mostra que Weston procurou tornar suas teses aceitáveis através de tigela de sopa ou terrina.  Dizia Weston que se em uma terrina cabe uma quantidade determinada de sopa, destinada a determinado número de pessoas, a quantidade de sopa não aumentará se se aumentar o tamanho das colheres. O exemplo, Marx considera como primário e fraco e faz lembrar apólogo de Menênio Agripa. No momento que os conflitos de classes se acirram é comum saídas “bem boladas”. Em Roma, quando a plebe entrou em luta contra os patrícios, o líder patrício Menênio Agripa chamou atenção dos “avexados” plebeus de que a pança patrícia é que alimentava os membros plebeus do organismo político. Contudo, o Tribuno das classes dominantes romanas não conseguiu demonstrar como é possível alimentar os membros de quem trabalha enchendo a barriga de outro que comanda e vive nas saunas. Quanto a Weston:

O cidadão Weston, por sua vez, se esquece de que a terrina da qual comem os operários, contém todo o produto do trabalho nacional, e o que os impede de tirar dela uma ração maior não é nem o tamanho reduzido da terrina, nem a escassez do seu conteúdo, mas unicamente a pequena dimensão de suas colheres. (MARX, 1865, p. 3)

É muito interessante e salutar imaginar uma sopeira e, simplificadamente, um patrício com a própria concha do recipiente, ou seja, a terrina westoniana, e um plebeu com uma colher de chá. Em uma competição para verificar qual a pança enche primeiro e qual ficará quase vazia.

Qual seria a mágica através da qual o esperto capitalista consegue devolver um valor de 1.200,00 reais pelo que tem um valor de 1.500,00? O capitalista simplesmente aumenta os preços das mercadorias que vende. Significa que as oscilações nos preços das mercadorias, dependem da vontade do capitalista ou são necessárias determinadas condições para que prevaleça essa vontade? Não é preciso algumas qualificações, comece-se pela mais evidentes

Os trabalhadores consomem tudo o que ganham dizia Kalecki (1983) seguindo Marx que em 1865 dizia que a classe operária, considerada em conjunto, gasta e será forçosamente obrigada a gastar a sua renda em artigos de salários. Se os salários se elevam isso provocaria um aumento da demanda por artigos de primeira necessidade e, por consequência, um aumento de seus preços. Ora, os capitalistas produtores dessas mercadorias compensariam o aumento de salários por meio da alta dos preços dessas mercadorias. Os outras capitalistas que não produzem artigos de primeira necessidade, como ficariam? Uma grande parcela da produção nacional se destina a objetos de luxo.

 

  1. Os bancos centrais: instrumentos de luta das classes dominantes

Segundo Roberts (13/10/2022) Chris Waller, membro do conselho do Federal Reserve deixou bem clara essa intenção (de elevação das taxas de juros) ao afirmar que “não estou pensando em desacelerar ou interromper os aumentos das taxas devido a preocupações com a estabilidade financeira”. Ou seja: mesmo que o aumento das taxas de juros comece a abrir fissuras nas instituições financeiras e em seus ativos especulativos, isso não importa.

Joachim Nagel, presidente do Banco Central Alemão (Deutsche Bundesbank), argumenta Roberts, está decidido a perseguir o que já se coloca além das chamadas “finanças sadias”, tão “sadias” quanto qualquer cassino. Essa decisão desconsidera que a Eurozona e a Alemanha (a locomotiva da zona, no sentido de bloco, é claro) já embarcaram na recessão:

“As taxas de juros devem continuar a subir – e de forma significativa”. Veja-se: Nagel não quer apenas taxas de juros mais altas; ele quer que o BCE reduza seu balanço, ou seja, que não apenas pare de comprar títulos do governo, para manter os rendimentos dos títulos baixos; mas que, na verdade, passe a vender títulos, aumentando os seus rendimentos e contraindo a liquidez. (ROBERTS,13/10/2022).

Uma leitura atenta do Sr. Joachim Nagel, nesta última citação indica a intenção verdadeira, a saber, não é ter taxas de juros altas, porém deixá-las subindo.

Abrindo um parênteses: Michael Roberts está falando dois anos passados (13/10/2022). No presente, 2024, a economia alemã enfrenta muitos desafios e a sua recuperação está sendo adiada, mas não se espera uma recessão no sentido de um declínio significativo: (a) no segundo trimestre de 2024, a economia alemã encolheu inesperadamente 0,1%;  (b) no primeiro trimestre de 2024, o Produto Interno Bruto (PIB) do país contraiu 0,1%, mas o crescimento foi maior do que o esperado devido ao setor de construção e às exportações; (c)  o Ministério da Economia alemão não espera uma recuperação econômica significativa até mais para o final do ano;  (d) o Bundesbank disse que a esperada recuperação lenta da economia está sendo adiada ainda mais. (REUTERS 10/09/2024)

O “Céu negro” da maior nação europeia teve início com a guerra por procuração que os Estados Unidos e a Eurozona promoveram entre a Rússia e a Ucrânia em 2022, colocando-se do lado da Ucrânia no fornecimento de recursos financeiros e materiais, principalmente bélicos e assaltando a Rússia com sanções fortíssimas. Diferente do que esperava os gênios da Geopolítica do caos, o principal resultado foi a aumento exponencial dos preços da energia. Acrescente-se a tudo isso, a forte e geoestratégica concorrência da China (REUTERS 10/09/2024)

O que revela e o que esconde a conversa fiada dos senhores banqueiros centrais? Esconde que o aumento das taxas de juros não reduzirá de forma direta as taxas de inflação para os níveis projetados sem uma forte e alta recessão. Esconde que a inflação não teve como causa nenhum excesso de demanda, mas tiveram como causa a escassez de oferta, principalmente de alimentos e energia, mas, também, em produtos manufatureiros e de média e alta tecnologia. Revela que os banqueiros centrais passaram a ser os grandes guias e defensores dos capitalistas. Revela que estar a se construir uma estratégia de salvamento do capitalismo que pode ser paga com formas diversas de destruição humana, incluindo a fome geral. (ROBERTS,13/10/2022).

A questão foi o que interrompeu a expansão da oferta mundial deve ser procurada nos enlaces e desenlaces do Modo de Produção Capitalista. Que fatores devem ser relacionados como trajetória dos últimos anos: (a) essa depende fortemente do permanente crescimento da produtividade. Ela vem crescendo a níveis decrescentes; (b) bloqueios da cadeia de suprimentos na produção e no transporte, os quais surgiram durante e após a queda da covid; (c) mais recentemente, pela invasão russa da Ucrânia e pelas sanções econômicas e financeiras impostas à Rússia pelos Estados ocidentais.

Michael Roberts, (13/10/2022) mostra-nos que no Relatório de 2022, a UNCTAD (2022) chegou à conclusão semelhante a que vem sendo apresentada. Os seus economistas calcularam que cada aumento de um ponto percentual na taxa básica de juros do Banco Central dos Estados Unidos reduziria a produção econômica nos países ricos em 0,5% e em 0,8% nos países pobres, nos próximos três anos. Anotou, também, que aumentos mais drásticos, de 2 e 3 pontos percentuais, deprimiriam ainda mais a “recuperação econômica já estagnada” nas economias emergentes. (ROBERTS,13/10/2022).

Analistas brasileiros como, Bastos & Leite (2024) chama-nos a atenção para o fato de que na última edição sobre economia mundial da Carta de Conjuntura, em março deste ano (2024), foi feito as seguintes considerações:

a perspectiva geral para a economia mundial em 2024 é de pequena redução no crescimento do […] PIB em relação a 2023 e de queda mais significativa na inflação, rumo ao alcance das metas de inflação em 2025. As políticas monetárias nos principais países devem continuar contracionistas, em busca da consolidação da redução da inflação, porém em cenário de queda das taxas de juros básicas. Os riscos geopolíticos e o fenômeno El Niño continuam presentes, afetando o comércio internacional. (BASTOS; LEITE, 2024)

Segundo, ainda, Bastos & Leite (2024, p. 3) a publicação destacava também que a resistência da inflação dos serviços nos Estados Unidos e a duradoura crise no setor imobiliário na China eram dois dos principais temas na economia mundial, além do crescimento mais fraco na Área do Euro (AE) do que em âmbito norte-americano, embora com alguma heterogeneidade entre os países europeus.

Michael Roberts afirma que guru keynesiano Martin Wolf sintetizou esta nova teoria da seguinte forma: “o que eles [banqueiros centrais] devem fazer é evitar uma espiral de preços e salários, que desestabilizaria as expectativas de inflação. A política monetária deve ser rígida o suficiente para conseguir isso. Em outras palavras, deve criar/preservar alguma folga no mercado de trabalho.” Portanto, dada essa “teoria”, trata-se de evitar que os salários subam, mesmo que isso possa aumentar o desemprego. (ROBERTS,13/10/2022).

Por sua vez, o presidente do Banco Central dos Estados Unidos, Jay Powell, considera que esse resultado pode ser evitado. Segundo Powell, a função central do Banco Central (leia-se dos Bancos Centrais) consiste “em princípio, (…) em moderar a demanda (…) obtendo uma redução dos salários, assim como da inflação, sem ter que desacelerar a economia e sem uma recessão que aumente o desemprego. Eis que há, pois, um caminho para obter esse resultado”. (ROBERTS,13/10/2022).

A questão da defesa dos lucros contra os salários está presente em todas as intervenções. O governador do Banco da Inglaterra, Andrew Bailey resumiu como um Lorde inglês a questão: “não estou dizendo que ninguém vai receber aumento salarial – não me entendam mal. O que estou dizendo é que precisamos de moderação na negociação salarial, pois, em caso contrário, ela ficará fora de controle”.

Agora Michael Roberts mostra-nos quem é capaz de ir mais distante, citando o caubói americano e conhecido macroeconomista do mainstream, Jason Fulman que vai direto ao ponto, dando (não se sabe ao certo se ele ou seu cavalo Milton) violento coice na classe trabalhadora, misturando preço da força de trabalho com preço de passagem aérea, alimentos, esquecendo apenas dos ananás: “Quando os salários sobem, isso leva os preços a subir. Se o combustível das companhias aéreas ou os ingredientes alimentares subirem de preço, as companhias aéreas ou os restaurantes aumentarão seus preços. Da mesma forma, se os salários dos comissários de bordo ou servidores subirem, eles também aumentarão os preços. Isso decorre do micro e do senso comum básico”. (ROBERTS,13/10/2022).

Em primeiro lugar, surpreende o quanto a economia transformou-se em uma ideologia vulgar e rasteira. Atrás da enganação desses senhores há sempre uma imitação grosseira baseada em um modelo mecânico. Observe-se: Quando os salários sobem, isso leva os preços a subir. Errado. Quem controla os preços são os capitalistas. Na elevação dos salários, os empresários elevam os preços para manter a taxa de lucro e reduzir os salários reais. Na verdade, os salários são a parte mais visível de um processo complexo. O valor da força de trabalho é composto pelas mercadorias que permitem a reprodução dela. O preço da força de trabalho é um reflexo do valor e o salário é um preço de mercado expresso em moeda.

Em segundo lugar, Ao analisar a fala desses importantes economistas da burguesia, entende-se como parte da esquerda mimetiza o próprio conceito de luta de classes, ao restringi-lo aos eventos e processos maiores como, greves e manifestações de massa. A luta de classe está em todos os espaços e tempos da sociedade capitalista e está principalmente na relação de forças entre os lucros e os salários.

Michael Roberts levanta uma questão fundamental, a saber, que os bancos centrais continuam aumentando as taxas de juros, contudo, há uma coordenação política para que isso ocorra em todo o mundo. Essa “terapia de choque”, empregada pela primeira vez no final da década de 1970 pelo então presidente do Fed dos EUA, Paul Volcker, acabou levando a uma grande queda da produção global, entre 1980-1982. (ROBERTS,13/10/2022).

Michael Roberts argumenta que, o difusor do impacto da elevação das taxas de juros na economia mundial é o fortalecimento do dólar norte-americano. Houve uma alta de cerca de 11% desde o início do ano (2022) e ela gerou depois de 20 anos, a paridade do dólar com o euro. O dólar está forte porque se apresenta como único ancoradouro forte para as moedas diante da inflação e das sanções e da guerra na Europa. (ROBERTS,13/10/2022).

Os dados disponíveis confirmam que até agora ocorreu um fortalecimento do dólar, o que de imediato provoca um encarecimento das importações em moedas nacionais obrigando as empresas a reduzir os investimentos e/ou gastar mais com importações essenciais.

Duas questões são fundamentais e precisam ser devidamente destacadas agora:

(a) não foi o excesso de procura dos consumidores pelas mercadorias ou por empresas investindo pesadamente, nem por gastos governamentais descontrolados que provocou o crescimento dos preços. Não é, portanto, a demanda que superaquecida pressiona o vetor de preços, porém é no outro lado da equação que a questão mora, ou seja, é a oferta deficiente. E essa última, os bancos centrais não podem controlar!

(b) o mais grave, contudo, é que não apenas os conservadores acreditam e desejam mais do mesmo, porém keynesianos e até autodenominados marxistas se renderam ao receituário antioperário. Ninguém discute mais a origem dos salários e dos lucros; o comando sobre os preços; o conflito distributivo; a neutralidade dos salários frente a inflação, exceto o caso de a reivindicação ser a taxa composta pela inflação passada multiplicada pela produtividade. Os trabalhadores não possuem força política para tal reivindicação e se fizessem os patrões zombariam, apenas e diriam que. “não há alternativa” como dizia Margaret Thatcher.

Como mostrado na parte 3 deste trabalho, Marx dedicou uma obra denominada Salário, Preço e Lucros para demonstrar o equívoco do sindicalista Weston quando aquele dizia que os aumentos salariais levam automaticamente a aumentos de preços. Passado mais de 150 anos um economista afamado volta a repetir a mesma tolice. É quase impossível separar a doutrina   neoclássica e, mesmo, neokeynesiana de um mera ideologia rudimentar e justificadora. Em contraposição está a visão materialista:

“uma luta por aumento de salários segue apenas o rastro de     mudanças anteriores nos preços”. Há muitas outras coisas que afetam as mudanças de preços: “a quantidade de produção, as forças produtivas do trabalho, o valor do dinheiro, as flutuações dos preços de mercado, as diferentes fases do ciclo industrial”.  (ROBERTS,13/10/2022).

Os aconselhamentos dos economistas assalariados com alta remuneração pelo capital e as ações dos banqueiros centrais, também muito bem aquinhoados é aumentar o garrote sobre a classe operária, aumentando a taxa de desemprego e derrubando os salários. A questão é os salários estão aumentando como parcela da renda nacional ou do valor da produção? Não. Com certeza é a participação nos lucros que vem aumentando.

Segundo a Oxfam[1] (2024) nos anos recentes, os lucros das empresas têm crescido mais do que os salários dos trabalhadores: (a) o lucro dos acionistas e diretores de empresas aumentou 45% nos últimos três anos, enquanto os salários de trabalhadores em 31 países aumentaram apenas 3%; (b) a participação dos salários no PIB vem diminuindo desde 2016, e ainda não voltou ao patamar pré-pandemia. Para inverter essa tendência, os salários teriam que subir mais do que o PIB e a produtividade da economia. Os pagamentos totais de lucros cresceram 14 vezes mais do que a remuneração aos trabalhadores desde 2020, de acordo com a pesquisa. Ajustados pela inflação, os números são baseados em dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e agências governamentais de estatísticas. (SILVA, 01/05/2024).

Com base no Janus Henderson Global Dividend Index[2], os lucros totais das empresas podem ultrapassar a quantia de 1,66 trilhão de dólares alcançados no ano passado (2023), um aumento de 5,6% em relação a 2022. O segmento bancário foi o principal responsável pelo crescimento, representando metade do aumento total. As maiores pagadoras de dividendos em 2023, foram a Microsoft, a Apple e a Exxon Mobil. (REUTERS, 13/03/2024).

Por fim, algo essencial tendo em vista a discussão em pauta: as altas taxas de juros impulsionaram as margens dos bancos, que pagaram um recorde de US$ 220 bilhões aos seus acionistas em 2023, representando um aumento de 15% em relação a 2022. (REUTERS, 13/03/2024).

O ICL (05/02/2024). aponta que desde 2016 até fevereiro de 2024, a participação da renda dos trabalhadores brasileiros despencou de 44,7% do PIB para menos de 40%. Por outro lado, o lucro das empresas passou de 32,1% em 2015 para 37,5% do PIB brasileiro em 2021.

Para efeito de comparação, dados da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), que reúne e acompanha as economias mais avançadas, mostram que os países mais desenvolvidos têm participação da remuneração dos trabalhadores mais próxima de 50%. (ICL, 05/02/2024).

 

  1. Considerações finais

As razões internas apresentadas na Ata para elevação da Taxa de Juros não se justificam, dado que o centro da meta é 3,0% com margem de 1,5%, então a inflação pode variar entre 1,5% e 4,5%. O IPEADATA mostra que desde setembro de 2023 a Taxa de inflação entrou em queda, atingindo o máximo da meta (4,5%) entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024. De fevereiro de 2024 até abril a taxa atinge um mínimo de 3,7%, volta a se elevar até atingir novamente o teto em julho de 2024, quando inicia uma queda que se estende até o mês de setembro.

Na verdade e no intuito de esconder suas reais intenções, os senhores banqueiros centrais fingem não saber que o aumento das taxas de juros não reduzirá de forma direta as taxas de inflação para os níveis projetados sem uma forte e alta recessão. Omite cinicamente que a inflação não teve por causa excedentes de demanda, mas escassez de oferta. Porém, mostra que os banqueiros centrais são agora os grandes escudeiros mercenários dos capitalistas. Mostra que uma estratégia de salvamento do capitalismo está se construindo que deve ser paga com formas diversas de destruição humana, incluindo a fome generalizada.

Muito falou-se em ideologia na economia, o que era correto, mas agora há uma extrapolação. De fato, a economia transformou-se em uma ideologia vulgar e rasteira. Atrás da enganação de muitos economistas há sempre uma imitação grosseira baseada no modelo newtoniano de equilíbrio automático. Observe-se: quando os salários sobem, isso leva os preços a subir. Errado. Quem controla os preços são os capitalistas. Na elevação dos salários, os empresários elevam os preços para manter a taxa de lucro e reduzir os salários reais.

Os aconselhamentos dos economistas do capital recebedores de alta remuneração e as ações dos banqueiros centrais, também muito bem remunerados é aumentar o garrote sobre a classe operária, aumentando a taxa de desemprego e derrubando os salários. A questão é os salários estão aumentando como parcela da renda nacional ou do valor da produção? Não. Com certeza é a participação nos lucros que vem aumentando. Uma verificação é suficiente

Nos últimos cinco anos os lucros das empresas aumentaram muito mais do que os salários dos trabalhadores: Para inverter essa tendência, os salários teriam que subir mais do que o PIB e a produtividade da economia, o que se sabe só é possível próximo do pleno emprego, muita organização nos locais de trabalho e unidade na luta. Os dados mostram a violência do capital: Os pagamentos totais de lucros cresceram 14 vezes mais do que a remuneração aos trabalhadores desde 2020.

Ao se analisar o conflito distributivo se conclui que são os capitalistas que comandam os preço e não os trabalhadores. Quando eles aumentam os preços, “capturam” a taxa de lucro planejada. E os trabalhadores não reagem? Eles reagem, sim, quando podem, mas com defasagem temporal, e o dilema só é resolvido com elevação dos salários (se o poder sindical for suficiente para consegui-la). Os capitalistas, que comandam os preços, voltam a aumentá-los. Desse modo, a espiral é de preços-lucros-preços

Uma conclusão importante e muito grave é que não são somente os conservadores que desejam mais do mesmo, porém keynesianos e até autodenominados marxistas se renderam ao receituário antioperário. Ninguém discute mais a origem dos salários e dos lucros; o comando sobre os preços; o conflito distributivo; a neutralidade dos salários frente a inflação.

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Referências

BACEN. (24/09/2024). BC divulga Ata da 265ª reunião do Copom. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/20332/nota . Acesso em 24 de setembro de 2024.

BASTOS, Estêvão K. Xavier; LEITE, Caio Rodrigues Gomes. Carta de Conjuntura – Nº 63 — Nota de Conjuntura, 24 — 2 ° Trimestre de 2024. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/wp-content/uploads/2024/06/240626_cc_63_nota_24.pdf Acesso em: 07 de outubro de 2024

INSTITUTO CONHECIMENTO LIBERTA (ICL) (05/02/2024). Desde 2016, salários vêm perdendo participação no PIB, enquanto lucros das empresas ganham espaço. Disponível em: https://icleconomia.com.br/salarios-vem-perdendo-participacao-no-pib/ Acesso em 09 de outubro de 2024.

JORDAN, Dearbail. (05/08/2024) Economia dos Estados Unidos caminha para uma recessão? Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0rwwzr1djpo#:~:text=Recess%C3%A3o%20’n%C3%A3o%20%C3%A9%20inevit%C3%A1vel’,coisas%20com%20que%20se%20preocupar%22. Acesso em: 23 de setembro 2024.

MARX, Karl, (1865). Salário, Preço e Lucro. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1865/salario/index.htm . Acesso em: 15 de setembro de 2024

REUTERS. (13/03/2024). Dividendos corporativos globais atingem recorde de 1,66 trilhão de dólares em 2023. Disponível em: https://capitalaberto.com.br/companhias-abertas/dividendos-corporativos-globais-atingem-recorde-de-us-166-trilhao-em-2023/ Acesso em: 12 de outubro de 2024.

REUTERS (10/09/2024). Alemanha provavelmente está em recessão, diz BC. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/alemanha-provavelmente-esta-em-recessao-diz-bc/ Acesso em: 04 de outubro de 2024

ROBERTS, Michael. (13/10/2022). Terapia de choque na economia mundial. Disponível em:  https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/terapia-de-choque-na-economia-mundial/ Acesso em: 08 de outubro de 2024

SILVA, Camila da. (01/05/2024). Lucro empresarial mundial cresce 14 vezes mais do que o salário de trabalhadores, aponta a Oxfam. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/lucro-empresarial-mundial-cresce-14-vezes-mais-do-que-o-salario-de-trabalhadores-aponta-a-oxfam/ Acesso em: 10 de outubro de 2024

Notas:

[1] A Oxfam Internacional é uma confederação de 19 organizações e mais de 3000 parceiros, que atua em mais de 90 países na busca de soluções para o problema da pobreza, desigualdade e da injustiça, por meio de campanhas, programas de desenvolvimento e ações emergenciais

[2] índice que analisa as 1.200 maiores empresas do mundo

 

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