Fatos & Crítica 42: Extrema direita acuada e governo emparedado

Coletivo do CVM

 

Sucedem-se as más notícias para a extrema direita brasileira. Foi preso o hacker responsável por invadir um sistema de informação do poder judiciário, a soldo de uma deputada federal bolsonarista, e soube-se, por seu depoimento, que ele chegara a participar de reuniões presenciais com o ex-presidente e militares do Ministério da Defesa, destinadas a encontrar vícios no funcionamento das urnas eletrônicas.

Logo depois, veio à luz a trapalhada da venda de joias e presentes de luxo recebidos por Bolsonaro na condição de chefe de estado, em seu benefício pessoal, envolvendo uma trupe formada por seu ajudante de ordens, o pai dele – um general de quatro estrelas na reserva, ex-chefe do Comando Militar do Sudeste – e o advogado que no passado já havia sido responsável por esconder em seu sítio o operador das “rachadinhas” da família Bolsonaro.

Considerado inelegível por oito anos, por conta da reunião com embaixadores para denunciar as urnas eletrônicas, Bolsonaro está fora das próximas duas eleições e vê centenas de correligionários seus, que participaram como massa de manobra da tentativa de golpe de 8 de janeiro, serem indiciados judicialmente. Agora com o caso das joias, teve o seu sigilo bancário e fiscal quebrados e arrisca-se a ser preso.

A extrema direita, que tencionava usar sua força no Congresso como tribuna de propaganda para atacar o governo, usando o espaço das CPI sobre o 8 de janeiro e sobre o MST, sofre agora os reveses dos últimos acontecimentos políticos e experimenta o esvaziamento do seu palco com a substituição de alguns membros das comissões, que o governo promove com a ajuda de seus novos aliados no Centrão.

Diante das dificuldades do capitão, as novas lideranças da direita tentam se apresentar como sucessores para liderar a massa reacionária composta por partes significativas da pequena-burguesia do comércio e dos serviços, da burguesia rural, dos membros do aparato repressivo e do clero evangélico neopentecostal, cujos representantes compõem no parlamento a chamada bancada BBB: boi, bala e bíblia.

Para se cacifar como legítimos substitutos, esses candidatos têm que demonstrar estar à altura da virulência ideológica que tanto agrada a essas classes e setores sociais. Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, elogiou um massacre da PM numa comunidade pobre de Guarujá, manteve as escolas cívico-militares em seu Estado e rejeitou os livros do governo federal, agora substituídos por material digital próprio.

O seu concorrente, Romeu Zema, governador de Minas Gerais, achou útil criticar a Região Nordeste como local pouco produtivo, fazendo coro a preconceitos que podem lhe render votos entre os reacionários do Centro-Sul do país, mas que se revelam desastrosos para quem tem pretensões presidenciais.

A extrema direita está acuada, mas está longe de estar morta. Por isso, os dois governadores citados continuam a cortejar a base social do bolsonarismo. Além disso, os aparatos repressivos das PM, como em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, e as milícias privadas continuam a produzir vítimas fatais, atingindo trabalhadores urbanos e rurais em todo o país. Os inúmeros clubes de tiro existentes e os milhares de garimpeiros armados expulsos de terras indígenas também têm potencial para alimentar o braço armado da extrema direita.

Mesmo o Exército, que deveria ser mais cauteloso diante dos danos recentes a sua imagem, produzidos por oficiais de alta patente, achou por bem emitir um relatório sobre os acontecimentos de 8 de janeiro em que ecoa a versão bolsonarista de que a culpa da destruição das sedes dos três poderes teria sido da própria vítima, o governo federal.

 

Crescimento econômico discreto

Para se equilibrar no poder, lidando com um Congresso Nacional ultrarreacionário, Lula tenta construir com parte do Centrão uma coligação política de centro-direita, e mais uma vez aceita a manutenção da política do “tripé macroeconômico”, dogma das classes dominantes vigente desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, composto de equilíbrio fiscal, estabilidade de preços e câmbio flutuante. Porém, tenta praticar em alguns casos pontuais uma política “desenvolvimentista”, dentro dos estreitos limites impostos pelo “tripé”.

A primeira perna do tripé é a mais importante para a burguesia e especialmente para a sua fração hegemônica, o capital financeiro, pois objetiva garantir o pagamento da dívida pública interna em todos os horizontes de tempo. O máximo que o governo conseguiu nesse caso foi substituir o “teto de gastos” do governo Temer por um “marco fiscal” que lhe permite gastar mais do que no ano anterior, desde que as receitas cresçam mais do que as despesas. Isso permitiria uma pequena margem para investimentos estatais, mas exigiria um aumento duvidoso na arrecadação de impostos.

Quanto à estabilidade de preços, apesar das queixas de Lula, o Banco Central “independente”, cujo comitê de política monetária é formado por representantes diretos do capital financeiro, manteve os maiores juros básicos reais do planeta e só recentemente baixou a taxa SELIC de 13,75% ao ano – vigente desde agosto de 2022 – para 13,25%. Essa taxa ainda é muito superior à inflação medida em 12 meses pelo IPCA, que atingiu 3,99% em julho de 2023, e garante a continuação da sangria de recursos públicos em favor da classe dominante.

O governo comemorou o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 4% no primeiro trimestre de 2023, em relação ao mesmo período de 2022, mas esse dado reflete principalmente o crescimento extraordinário de 21,6% da agricultura no primeiro trimestre, quando comparado com o trimestre imediatamente anterior, por conta da safra recorde de grãos e da recuperação do setor em relação aos problemas climáticos de 2022.

Em contraste com isso, a Pesquisa Industrial Mensal do IBGE revelou que houve uma queda de 0,3% da produção da indústria no primeiro semestre de 2023, em relação ao mesmo período de 2022. A produção industrial de São Paulo ainda é 2,6% inferior àquela observada antes da pandemia.

Que a indústria brasileira se encontra em dificuldades, que as elevadas taxas de juros colaboram para agravar o problema e que os incentivos criados pelo governo para a indústria automobilística são insuficientes, revelam os layoffs e as férias coletivas praticados em distintas fábricas: 220 operários em layoff na Gerdau de Pindamonhangaba, férias coletivas de 10 dias na unidade da Volkswagen de São Bernardo, um turno em layoff com previsão de até 5 meses de duração na unidade da VW em São José dos Pinhais, além de medidas semelhantes na VW de Taubaté, na Renault, na General Motors (São José dos Campos), na Mercedes-Benz (caminhões em São Bernardo) e na Scania.

Mas não foi apenas a agropecuária que contribuiu para o crescimento econômico observado no primeiro trimestre, mesmo porque a sua participação no PIB (excluindo-se os serviços a ela relacionados), é de apenas 8%. A Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE aponta que o setor de serviços vem crescendo continuamente nos últimos 28 meses e, em junho de 2023, apresentou uma alta de 6,2% em 12 meses, fruto da recuperação observada depois da pandemia, quando foi bastante afetado pelas políticas de distanciamento social.

O setor de serviços é o que mais absorve mão de obra no país e é também o que tem o maior peso no PIB. Assim, como a agricultura não absorve força de trabalho significativa, deve-se principalmente ao setor de serviços a diminuição da taxa de desocupação nos últimos meses: 8,0% no segundo trimestre deste ano, o melhor resultado desde 2014, segundo a PNAD contínua do IBGE.

Entretanto, a taxa de informalidade (ou seja, trabalho sem carteira assinada) entre os ocupados aumentou de 39,0% no primeiro trimestre para 39,2% no segundo, acusando o acréscimo de mais de 303 mil pessoas nessas condições no setor privado. O quadro do desemprego no país só fica completo, permitindo avaliar a sua gravidade, quando se agrega aos 8,0% de desocupados (pessoas que estão procurando emprego), os 17,8% de trabalhadores subutilizados e os 3,3% de desalentados (aqueles que desistiram de procurar emprego).

Considerando os desempenhos esperados para a agricultura, a indústria e os serviços até o final do ano, os economistas do capital financeiro que fazem as projeções para o Banco Central preveem um crescimento para o PIB do país da ordem de 2,29% em 2023, 1,30% em 2024, 1,90% em 2025 e 2,00% em 2026.

Para escapar de previsões de crescimento tão medíocres, incapazes de produzir impacto significativo no nível de vida da população, o governo apresentou um plano de investimentos, denominado “Novo PAC”, no valor de R$ 1,7 trilhão em quatro anos, sendo R$ 371 bilhões do orçamento da União, R$ 362 bilhões de financiamentos, R$ 343 bilhões de empresas estatais e R$ 612 bilhões do setor privado. As principais obras dizem respeito à infraestrutura de transportes, à transição energética, ao saneamento básico e à construção de habitações, mas não foram esquecidos também, para apaziguar os militares, R$ 52,8 bilhões para a indústria bélica.

Se o programa será efetivamente implementado e se produzirá os resultados esperados para impulsionar a economia brasileira é algo bastante duvidoso. O impacto da queda do crescimento da China e da crise de seu mercado imobiliário está produzindo a diminuição da demanda das matérias primas que o país exporta, como o minério de ferro. A recessão em diversos países europeus e a diminuição dos investimentos estrangeiros diretos (de 85 bilhões de dólares em 2022 para 75 bilhões neste ano, segundo as previsões do Banco Central) também não dão margem para expectativas de crescimento expressivas.

Mas o “Novo PAC”, ao envelopar uma série de investimentos já programados e com diversas origens, é uma cartada que o governo joga, visando mobilizar suas forças, ganhar o apoio de governadores e parlamentares e apaziguar as resistências que ainda encontra dentro da classe dominante.

 

Um governo emparedado

Com a política de respeito ao equilíbrio fiscal o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ganhou a confiança do capital financeiro, o que se expressou pela queda da cotação do dólar, pela valorização das ações na bolsa brasileira e pela melhoria da avaliação de risco do país pelas agências internacionais.

Isso tem facilitado a tramitação no Congresso do novo “marco fiscal” – aquele que permite ao governo gastar mais se arrecadar proporcionalmente mais – e permitiu, inclusive, o início da votação de uma reforma tributária voltada para a taxação do consumo, há muito tempo travada no parlamento pela dificuldade de acomodar todos os interesses econômicos das diversas frações da burguesia ali representadas. Enquanto isso, os tributos sobre a renda e o patrimônio são relegados a uma outra etapa, de aprovação ainda mais difícil, por afetar diretamente o bolso da classe dominante.

A política econômica conservadora abriu caminho para a formação de uma coalizão de centro-direita no parlamento e foi cimentada com a distribuição de emendas parlamentares e uma reforma ministerial para abrigar membros de partidos da direita, como o União Brasil e os Republicanos.

Essa conjunção, entretanto, não está livre de contradições, expressas pelas constantes exigências do Centrão, vocalizadas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, que se aproveita da fragilidade política do governo para ocupar maiores espaços nos ministérios e aumentar os recursos à disposição dos deputados, sejam eles para fins de financiamento partidário ou destinados a emendas orçamentárias de seu interesse. O ideal de Lira é instituir na prática um semi-presidencialismo no país, diminuindo significativamente os poderes do Presidente da República, nos moldes do que ocorreu no final do mandato de Bolsonaro .

Numa situação como essa, o viés “desenvolvimentista” do governo fica reduzido a iniciativas pontuais como a paralisação das privatizações e o “Novo PAC” ou à nomeação de economistas identificados com essa vertente de política econômica para postos no governo, como foi o caso de Márcio Pochman para o IBGE. Apesar de o órgão não ter ingerência na determinação dos rumos da economia, a nomeação contou com a resistência da Ministra do Planejamento e foi objeto de ácidas críticas do mercado financeiro, que viu ali uma possibilidade de adulteração futura de índices econômicos pelo governo.

Outra iniciativa de emparedamento do governo federal veio com a formação de um consórcio formado pelos governadores das regiões Sul e Sudeste, majoritariamente filiados à direita e à extrema direita. Trata-se de uma aliança de conteúdo econômico e político. A maioria desses governadores não compareceu ao lançamento do “Novo PAC” e levam à prática em seus estados políticas agressivas de privatização de estatais como a COPEL, no Paraná, e a SABESP, em São Paulo.

Na arena internacional, os arroubos de política externa independente do governo Lula foram mal-recebidos pela “aliança ocidental”, bloco imperialista comandado pelos Estados Unidos, que vê com maus olhos as críticas ao regime da Ucrânia, a ampliação do grupo dos BRICS e a defesa de uma moeda alternativa ao dólar, medidas que ameaçam os seus objetivos geopolíticos e a contenção da influência chinesa.

Sob pressão externa, dos governadores e do Congresso, o governo Lula encontra-se emparedado e assemelha-se cada vez mais, política e economicamente, com os governos de centro-direita, mostrando claramente a dificuldade de implantação de uma política “desenvolvimentista” e de cunho social-democrático no país nos dias de hoje.

A correlação de forças assim se apresenta porque o proletariado encontra-se ainda profundamente desorganizado, não contando com órgãos de representação de base que possam sustentar sua mobilização independente dentro do cenário político.

Os sindicatos atuais acomodaram-se com a existência do monopólio de representação definido em lei (unicidade sindical), dedicam-se à luta meramente institucional e batem-se pelo retorno de contribuições financeiras mais ou menos compulsórias que os dispensem de fazer um trabalho de convencimento e conscientização, necessário à construção da independência organizatória.

Em sua maioria, os sindicatos não passam de um apêndice governamental, a reclamar de assuntos como os altos juros e a cobrança de imposto de renda sobre as “participações” dos trabalhadores nos lucros e resultados (PLR), lucros que sabemos serem originados em sua totalidade e exclusivamente pela força de trabalho proletária.

CVM – 15/08/2023

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