Violência no campo: número de conflitos registrados pela CPT em 2020 é o maior dos últimos 35 anos

Foto: Povo Munduruku. Na última semana, uma liderança Munduruku teve sua casa incendiada no Pará.

Do portal Instituto Humanitas Unisinos

 

 

A reportagem é de Jorge Eduardo Dantas, publicado por Greenpeace Brasil, 31-05-2021.

Foram registradas 2.054 ocorrências em 2020, um aumento de 8% em relação a 2019. Esse é o maior número de ocorrências de conflitos no campo já registrado pela organização desde 1985. Foram 914.144 pessoas envolvidas em conflitos ano passado, um aumento de 2% em relação ao ano anterior.

 

 

Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou hoje (31) os números do relatório Violência no Campo 2020, um levantamento com os registros de todas as ocorrências de conflitos registrados durante o ano passado nas zonas rurais do Brasil. Os números são assustadores: de acordo com a CPT, os episódios de violência nunca foram tão altos e os números são os maiores dos últimos 35 anos.

 

Disputa por terra

O número de conflitos envolvendo especificamente disputa de terra foi de 1.576, também o maior registro verificado desde 1985. Este número é 25% superior ao registrado em 2019 e 57,6% maior que o visto em 2018. As famílias que sofrem com este tipo de ocorrência somaram 171.625. Os povos indígenas são a maioria dessas famílias (96.931, ou 56% do total).

Ainda sobre os conflitos por terra, a CPT diz que, ao analisar a série histórica dos dados (que vem desde 1985) é possível perceber um aumento considerável deste tipo de conflito nos últimos dois anos. 2020 teve um aumento de 25% no número de registros em relação a 2019 e 2019 já havia tido um aumento de 26% em relação a 2018. O número de conflitos por dia, que era de 2,74 em 2018, passou para 3,45 em 2019 e 4,31 em 2020.

Outro número recorde registrado nesta edição do relatório mostra que 81.225 famílias tiveram suas terras ou territórios invadidos em 2020 – o maior número deste tipo de violência já registrado pela CPT. 71,8% dessas famílias são indígenas.

 

Ataques recentes

Fatos recentes divulgados em jornais e televisão ilustram bem essa realidade: semana passada a liderança indígena Maria Leusa Kaba, do povo Munduruku, teve sua casa incendiada na aldeia Fazenda Tapajós, no interior do Pará. Nas últimas semanas, o povo Yanomami, em Roraima, também sofreu ataques, quando garimpeiros atiraram e posteriormente lançaram bombas de gás lacrimogêneo contra a aldeia Palimiú.

Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) os ataques aos Yanomami resultaram na morte de duas crianças. Nos dois casos, as lideranças indígenas se colocaram contra a invasão que os garimpeiros vem promovendo em seus territórios em anos recentes.

 

Aumento

Membro da coordenação nacional da CPT, a economista Isolete Wichinieski contou que o aumento de alguns índices podem ser atribuídos à paralisação de diversas políticas agrárias, que provocam inseguranças e acirram conflitos por todo o País.

“Já percebemos, desde 2016, uma paralisação neste tipo de medida. A reforma agrária está parada e a demarcação de terras indígenas, assim como a titulação das terras quilombolas, não anda. Isso sem falar nas desregulamentações e na falta de fiscalização e gestão das unidades de conservação”, disse a economista.

Isolete chamou a atenção para o fato de que, mais do que números, a CPT busca registrar histórias: “Estamos falando de pessoas, de famílias, que estão sofrendo violência direta do capital. São pessoas removidas e atacadas em seus lugares de origem. Isso é muito sério”.

 

Violência recorde

Como se vê, tal aumento tão expressivo nos dados de violência no campo do país não ocorre à toa. Trata-se de um resultado direto da política do Governo Bolsonaro. Não satisfeito em atingir os maiores níveis de desmatamento e queimadas da década, Bolsonaro promove também a violência em níveis recordes. E a situação pode ficar ainda pior: com apoio do Congresso Nacional, o governo busca aprovar uma série de projetos de lei que irão trazer ainda mais desmatamento, violência e injustiça social.

Ao querer aprovar projetos que favorecem grileiros de terras e incentivam novas invasões de terras públicas – projetos que reduzem direitos indígenas e abrem seus territórios para exploração econômica de diferentes tipos; promovem a liberação massiva de agrotóxicos; favorecem a produção de commodities em detrimento aos agricultores familiares e colocam a população em risco, entre outros – o governo faz um duplo trabalho: avança na desregulamentação da nossa legislação e desprotege populações indígenas e o meio ambiente, que ficam à mercê de invasores e criminosos em seus territórios.

 

Desmatamento e violência

Membro da campanha de Amazônia do Greenpeace BrasilDanicley de Aguiar contou que a maior parte dos conflitos no campo do país tem origem no modelo de desenvolvimento proposto para os nossos biomas, que é baseado no latifúndio.

“Existe uma enorme preocupação hoje no mundo com os altos índices de desmatamento registrados na Amazônia e no Pantanal, por exemplo. Mas nem todo mundo lembra que se há aumento na violência contra a floresta, há aumento também na violência contra os povos que vivem dentro dela. Muita gente não vê essas violências – nem todos os casos são judicializados, nem todas as ocorrências viram inquéritos”, disse Danicley.

Semana passada, completou-se dez anos do assassinato de Zé Claudio e Maria, os extrativistas que foram emboscados no interior do Pará e viraram símbolo de luta e defesa da floresta. O mandante do crime está foragido e nunca foi preso. Danicley lembrou que precisamos responsabilizar ocorrências como essa: “Não podemos deixar que a morte das lideranças ambientalistas tenha sido em vão. Lembremos de Expedito RibeiroDezinhoDemaDorothyChico Mendes e tantos outros… é preciso fazer justiça a esses mortos todos”.

Outros dados trazidos pela CPT:

– Foram registrados quatro assassinatos em conflitos por água em 2020, o maior índice registrado desde que a contagem passou a ser feita, em 2002;

– Os conflitos por água vêm crescendo na última década – passaram de 69 em 2011 para 502 em 2019. 2020 teve 350 registros do tipo, o segundo maior índice da série histórica.

– Os conflitos trabalhistas no campo aumentaram em 7%, totalizando 96 ocorrências em 2020, o maior número dos últimos seis anos. Foram 1.104 trabalhadores e trabalhadoras atingidos por este tipo de conflito ano passado.

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