Victor Augusto Meyer Nascimento, revolucionário socialista (16.07.1948 – 17.04.2001)

Coletivo CVM

Dentre as principais contribuições da Política Operária à teoria da revolução brasileira, destaca-se, em primeiro lugar, a tese de que a revolução brasileira teria um caráter socialista, ou não seria revolução. Se hoje esse assunto parece fora de moda, deve-se lembrar que até os anos 60 predominavam os defensores do caráter democrático burguês da revolução brasileira e a Política Operária se esforçava em comprovar que não existia uma burguesia nacional revolucionária e que o país apresentava-se já como um país capitalista, ainda que dependente e submetido à dominação imperialista dos países centrais.

Uma verdadeira revolução no país só teria chances de sucesso se fosse levada a cabo por uma aliança dos trabalhadores da cidade e do campo, sob a liderança da classe operária. Dessa política de alianças, estariam excluídas as facções políticas da média e grande burguesias, cuja participação em organismos do tipo Frente Popular foi responsável historicamente por inúmeras derrotas do movimento operário.

Mas, para exercer este papel hegemônico, a classe operária brasileira teria que atingir o estágio de classe “para si”, ou seja, de classe com consciência de classe: teria que ter alcançado a sua independência política em relação às demais classes sociais. Era a esse processo de organização independente do proletariado que se dedicava com afinco a Política Operária, nos duros tempos da ditadura militar.

Do ponto de vista internacional, a Política Operária criticava abertamente o caráter burocrático do “socialismo real”, mas não caía na tentação de considerar a burocracia uma classe social inimiga do proletariado e o sistema uma variedade de capitalismo ou de imperialismo. Criticava o stalinismo, mas procurava compreender as causas que lhe deram origem, basicamente o atraso econômico da Rússia e demais países que compuseram o bloco socialista.

O processo de organização independente do proletariado, pelo qual a Política Operária tanto lutou no Brasil, alcançou no início dos anos 80 seu ponto mais alto na história do movimento operário brasileiro, resultando na criação do Partido dos Trabalhadores e da Central Única dos Trabalhadores, a partir das grandes greves do ABC paulista.

Essa grande novidade no cenário político brasileiro produziu seus impactos também na esquerda organizada, que se viu surpreendida pela força e criatividade organizatória espontânea do movimento operário, tanto do ponto de vista político, quanto do sindical.

Tendo desaparecido como organização no turbilhão deste processo, o pensamento da Política Operária, entretanto, perdurou na consciência e na ação de inúmeros ex-militantes, atuando individualmente ou em grupos no interior do PT e da CUT.

Nenhum desses militantes, entretanto, se dedicou mais à preservação do legado teórico e ideológico da Política Operária do que Victor Meyer. Tendo contribuído para a publicação de diversas obras de Érico Sachs, como as coletâneas Marxismo e Luta de Classes (Editora Práxis, 1987), Qual a Herança da Revolução Russa e Outros Escritos (Segrac, 1988) e Andar com os próprios Pés: Discutindo uma Estratégia de Ação para os Trabalhadores (Segrac, 1994), Victor contribuiu para manter viva a chama do marxismo militante no Brasil.

Mas sua ação não se limitava à divulgação desses textos, antes restritos pelas condições da clandestinidade aos pequenos grupos, a um público agora muito mais amplo. Na qualidade de principal discípulo e continuador da obra de Érico Sachs, Victor tinha clareza de que o marxismo – muito menos o marxismo que aprendera e que divulgava – não era um dogma fossilizado, mas um instrumento para a análise da situação concreta, em constante transformação, e sobretudo um guia para a ação.

Empenhava-se, assim, em participar do PT e do movimento sindical, contribuindo especialmente para a formação política e ideológica das lideranças operárias e sindicais, pois tinha consciência de que o processo de formação da classe operária brasileira como classe independente ainda estava apenas no início. Apesar dos consideráveis avanços produzidos a partir dos anos 80, sabia, antes de tudo, que esse processo não seria linear e sempre ascendente, mas necessariamente contraditório e sujeito a recuos.

Tendo fundado em Salvador um Centro de Estudos destinado à formação política dos sindicalistas (o CEPAS), Victor tinha como objetivo estender essa formação o mais amplamente possível, tomando como base as lutas concretas do movimento operário, as quais eram analisadas sob o ponto de vista de seu marxismo vivo e militante.

O compromisso de Victor com o movimento operário e com o marxismo o levaram também a aproveitar as oportunidades que encontrou no âmbito profissional para responder a questões candentes e fundamentais, que colocaram nos últimos anos em defensiva o movimento operário e o marxismo: o fracasso da experiência socialista na Europa Oriental, com a vitória da contra-revolução – após 70 anos de tentativas de construção de uma sociedade socialista – e a maré ideológica adversa que se seguiu a esse fato histórico, que envolveu o mundo, atingindo e desmoralizando o pensamento socialista.

Ao contrário dos trotskistas, que saudaram o fim da União Soviética como uma vitória contra a burocracia, e do comunismo oficial que submergiu em “autocríticas” cada vez mais impregnadas de uma negação radical da luta de classes e do marxismo, sabíamos que estávamos diante de uma derrota histórica, até hoje não superada, e que tínhamos a imperiosa necessidade de compreender suas origens.

Esta difícil tarefa empreendeu Victor no processo de elaboração de sua tese de mestrado, publicada em 1995 pela EDUFBA, sob o título de Determinações Históricas da Crise da Economia Soviética. Neste importante trabalho, é feito um retrospecto da evolução econômica da União Soviética e suas restrições, bem como os limites impostos ao desenvolvimento das forças produtivas no sentido socialista pela ausência de órgãos da democracia socialista na sociedade soviética.

O desafio teórico seguinte veio com a maré montante da investida ideológica contra conceitos básicos do marxismo, que se seguiu à derrota do bloco socialista. A proliferação de teorias que minimizam categorias como valor, força de trabalho, classes, luta de classes, identidade de classes e exploração da força de trabalho o levaram a dedicar a sua tese de doutorado a esse ajuste de contas teórico, complementado pela investigação de novas formas de organização da classe operária, de caráter internacional.

Cadeias Organizatórias Operárias dentro das Multinacionais: Um Fenômeno Internacional Emergente, defendida por Victor em dezembro de 2000, foi escrita no seu último ano de vida, ao mesmo tempo em que lutava contra a grave doença que acabou por vitimá-lo em 17 de abril de 2001.

Neste texto não se encontra somente uma interpretação sobre novas formas organizatórias internacionais da classe operária, entre elas os comitês de empresa europeus. O mais importante na tese é a defesa de conceitos basilares do marxismo, em especial, da centralidade da exploração da força de trabalho na sociedade capitalista.

Todos aqueles que se sentem incomodados com os questionamentos que hoje são feitos à posição que a classe operária ocupa na atualidade, tanto do ponto de vista social, quanto político e econômico, têm ali uma excelente oportunidade de encontrar respostas. Com o seu rigor analítico, Victor Meyer aplicou a bússola de seu marxismo vivo, avesso ao dogmatismo, à análise das novas tendências de desenvolvimento da organização independente dos trabalhadores.

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