Três questões sobre as eleições e a esquerda

por Eurelino Coelho – Professor de História da UFFS
texto para o Debate: Esquerdas e eleições 2014 – blog Marxismo21

 

1. O projeto de governo hegemonizado pelo PT teria se esgotado?

Inicialmente é preciso considerar a relação entre o projeto político do PT, que se define a partir dos objetivos estratégicos do partido, e seu projeto de se manter no governo do país, que é o carro chefe da política petista no curto prazo. Se pensássemos no segundo sem levar em conta o primeiro procederíamos a uma análise míope, já que o projeto de governo é uma elaboração tática concebida e desenvolvida a partir dos parâmetros traçados pelo projeto estratégico geral. Quanto a este projeto estratégico, que é o de constituir-se em ala esquerda do partido orgânico do capital, ele está longe de se esgotar. Ao contrario, tanto no plano interno do partido quanto na esfera mais ampla, da luta de classes, há mais elementos favoráveis que contrários à consolidação e ampliação daquela estratégia.

Não tenho como reproduzir aqui a análise, feita alhures, do transformismo, o processo através do qual os grupos dirigentes do PT mudaram sua relação com a luta de classes, desertando da construção da independência política dos trabalhadores e assumindo responsabilidades crescentes na gestão da ordem burguesa.[1] O ponto de chegada daquele processo, porém, me parece evidente para qualquer observador honesto: o PT de hoje se tornou exatamente aquilo que, nos primeiros anos, ele combatia de modo explícito e veemente, a saber, um instrumento de colaboração de classes. É extremamente improvável que este caminho possa ser percorrido de volta, isto é, que o partido renuncie às suas posições atuais (posições programáticas e suas correspondentes posições de poder material e simbólico) para retomar o percurso interrompido já há tanto tempo. A hipótese de que venha a ocorrer uma contramarcha no transformismo não tem precedente histórico e, de qualquer forma, não tem nada de concreto em que se apoiar.

Ao longo dos anos 90 os petistas convertidos à colaboração de classes impuseram uma derrota definitiva àqueles segmentos partidários que se mantinham comprometidos com concepções que fundaram e nuclearam o PT e que se traduziam em palavras de ordem como “quem bate cartão não vota em patrão” ou “PT: um partido sem patrões”. A profundidade e o alcance daquela vitória política decorreram de ser ela a expressão de mudanças reais experimentadas pela maioria dos militantes petistas, tanto na esfera da vida material quanto no plano intelectual e moral. O horizonte estratégico do PT mudou porque o próprio PT mudou. Há muitos aspectos em que se pode constatar essa transformação, mas fiquemos somente com um, talvez o mais emblemático: a política praticada pelos petistas precisa ser coerente com o fato de que a sustentação da vida partidária, quase exclusivamente restrita à órbita dos mandatos e cargos públicos, depende, substantivamente, dos financiamentos milionários das campanhas eleitorais bancados por grupos empresariais. Fazer a política que os empresários aceitam financiar e, através dessa prática, conquistar e manter lugares materiais e simbólicos de poder: eis dois dos elementos presentes na experiência dos petistas que não apenas fixa limites para a estratégia que pode ser concebida e formulada por eles, mas, como toda práxis, termina por modelar a própria subjetividade. O processo que transformou o PT também alterou o significado de ser petista. Ancorado em solo firme no âmbito interno do partido, o projeto estratégico de colaboração de classes não teme ameaças. Aos que não se adaptaram restou saírem do PT ou aceitarem desempenhar o papel que lhes foi reservado, ocupando um lugar semelhante ao que é destinado às minorias radicais em quase todos os partidos socialdemocratas.

Tampouco no plano externo, na luta de classes nos vários espaços da sociedade, a estratégia se encontra ameaçada. Não cabe mais qualquer dúvida de que existe espaço, na sociedade brasileira, para um partido reformista com enraizamento na classe trabalhadora. O apassivamento dos grupos sociais subalternos continua a ser necessidade de primeira ordem para a reprodução ampliada das relações capitalistas no Brasil e o PT já provou que pode cumprir esta missão melhor que qualquer outra força política. Sem que seja sequer cogitado abrir mão das garantias depositadas na máquina repressiva estatal, o PT pôs à disposição dos grupos sociais dominantes mecanismos de direção intelectual e moral sobre a classe trabalhadora cuja eficácia dificilmente poderia ser igualada. Na qualidade de dispositivo hegemônico, o projeto petista não se reduz a uma mera manipulação das massas ou algo semelhante. Sua eficiência depende de que os trabalhadores se reconheçam, de algum modo, nas políticas aplicadas que, por isso mesmo, devem preservar, até onde for possível, aspectos reformistas. A fixação do limite desse possível, que em nenhuma situação deixa de respeitar escrupulosamente os vetos dos grupos dominantes, sofre variações de ordem tática o que, como veremos, pode ter consequências políticas nas diferentes conjunturas. O que é certo, contudo, é que, por seus préstimos como força apassivadora e agente da hegemonia burguesa, a Esquerda do Capital conquistou seu lugar ao sol neste Brasil onde a “megaconcentração de capitais parece cavar continuamente o solo da crise social, para, em seguida, transformar a tragédia humana em base para a sua lucratividade, convertendo a penúria que provoca em mercado para os bens que produz”[2].

Isso não significa, evidentemente, que a Esquerda do Capital seja, em todos os momentos, a melhor alternativa de governo para os grupos sociais dominantes – até porque não é só no governo que ela cumpre o seu papel. Alternância no poder tem sido frequente em países em que a classe dominante dispõe de alternativas à direita e à esquerda e não há razão para que não seja assim também no Brasil. Com isso voltamos à questão inicial, sobre estar ou não esgotado o projeto de governo do PT. Agora que vimos, em traços grosseiros, em que consiste a estratégia petista, podemos formular o problema do esgotamento em termos um pouco diferentes: a classe dominante brasileira tem motivos para dispensar os serviços do PT no governo?

A resposta depende de muitos fatores, dentre os quais destacarei apenas dois. O primeiro tem a ver com a avaliação que a burguesia fizer, através dos seus setores pensantes, sobre a capacidade do governo Dilma responder adequadamente às demandas urgentes do capital, em particular quanto à proteção do lucro num contexto de crise mundial prolongada. O chamado “neodesenvolvimentismo” interessa, efetivamente, à maioria dos segmentos capitalistas que têm muito a ganhar com os investimentos na expansão da infraestrutura, com a redução do “custo Brasil” que ele pretende alcançar ou com a ampliação do mercado interno, meta perseguida também por outras iniciativas governamentais. Por muito tempo o mau humor de intelectuais de direita que, de suas tribunas nos meios de comunicação, esbravejavam contra Lula, Dilma e o PT soava como pura histeria sem qualquer repercussão significativa. As várias frações da classe dominante verificavam seus livros de contabilidade e concluíam que não podiam se queixar: o agronegócio, preservado de qualquer questionamento ao direito de propriedade, era reverenciado como mola propulsora da economia; os bancos e o capital financeiro em geral esfregavam as mãos, confortavelmente instalados sobre taxas de juros mais do que generosas; a indústria de bens leves e duráveis e o comércio varejista festejavam o crescimento das vendas; a indústria pesada agradecia o incentivo que lhe chegava com os gastos em infraestrutura… e todos estavam muitíssimo bem representados em diversos escalões do governo.

Se tudo permanecesse assim teríamos um final digno de novela: o PT e a classe dominante brasileira felizes para sempre. No entanto, no meio do caminho tinha… uma crise! Num contexto de crise dá-se o acirramento da disputa entre as diversas frações do capital pela apropriação de quotas do mais-valor, o que solapa o terreno em que era antes mais fácil estabelecer consensos. Há limites na capacidade que qualquer governo tem de alavancar uma economia com a complexidade e as dimensões do capitalismo brasileiro e são vários os sinais de que a crise econômica está vencendo o cabo de guerra com a política econômica. Aqueles livros de contabilidade, agora, emitem sinais inquietantes e já apareceram indícios fortes de descontentamento em setores poderosos e influentes, como mostra o episódio da correspondência do Banco Santander a seus clientes[3]. Não seria a primeira vez que, fustigada por uma crise, a classe dominante brasileira viraria as costas àqueles que, até ontem, governavam para ela e com ela. Como sempre, no debate econômico, a crítica especializada recairá sobre as “imperfeições do modelo” ou a “ineficiência da gestão macroeconômica” e jamais mencionará as contradições insolúveis do capitalismo que tem produzido crises cíclicas por quase duzentos anos. Um debate construído a partir da exclusão prévia da crítica radical só pode girar em torno de alternativas capitalistas à crise do capitalismo, exatamente o tema privilegiado em disputas eleitorais. A crise acende os sinais de alerta para o PT: caso se convençam de que é provável lucrar mais sob outro projeto de governo, os burgueses não hesitarão nem por um segundo em encerrar a lua de mel com os “companheiros”.

No caso de um governo de petistas a situação é agravada porque, por mais que eles tenham dado provas de sua lealdade aos interesses do capital, sua vinculação histórica com as classes subalternas gera suspeitas quando a burguesia entende que chegou o momento de repassar para os trabalhadores os custos da crise. Aqui aparece o segundo fator que pretendo mencionar. Um governo do PT será sempre orientado para a colaboração de classes, ainda que as formas em que tal colaboração pode efetivamente ocorrer sofram variações de alcance e intensidade conforme as conjunturas. Mesmo sendo verdade que a política dos governos Lula e Dilma é a de um “reformismo quase sem reformas”[4], a supressão completa da perspectiva reformista teria como consequência a dissolução dos laços orgânicos do partido com a classe trabalhadora. Sem tais laços a Esquerda do Capital perderia grande parte de sua funcionalidade como agente hegemônico. No entanto, sob certas circunstâncias, a classe dominante pode considerar desvantajosa uma política de colaboração de classes comprometida com pautas reformistas. Com a crise, os fundos públicos passam a ser requisitados para as necessidades imediatas das frações mais poderosas do capital (atualmente, o capital financeiro, que se apodera dele na forma de juros obtidos com os chamados superávits primários) e, não por acaso, o gasto público passa a ser denunciado como o vilão da economia. Mesmo iniciativas sem qualquer impacto sobre a distribuição da renda nacional, como são a maioria das políticas públicas petistas[5], podem vir a ser consideradas intoleráveis num cenário de crise econômica prolongada ou agravada.

Portanto, embora não me seja possível fazer um prognóstico mais seguro, não ficaria surpreso se a classe dominante retirasse seu apoio ao governo do PT. Uma situação assim criaria dificuldades consideráveis para a reeleição de Dilma, mas não excluiria a possibilidade de que ela vencesse o pleito, apesar de tudo. Contudo, governar com um projeto de colaboração de classes, num contexto de crise econômica e sem o apoio da classe dominante seria como navegar em denso nevoeiro e com mar revolto. Os riscos são enormes para todos a bordo, não só para o timoneiro.

 

2. Qual deve ser a atuação das esquerdas no processo eleitoral de 2014?

Nesta questão e na próxima, que derivam para o dever-ser, avançarei com passos cuidadosos, quase hesitantes. Dizer como a esquerda deve se portar ou construir sua política pode ser um exercício de arrogância estéril se não tiver alguma conexão com a práxis. Se, apesar de tudo, prossigo na empreitada é por verificar que ainda há sinais nítidos, embora infelizmente raros, de meu comprometimento prático com as ideias que apresentarei. Em todo caso, minha opção foi abordar os temas pelo ângulo teórico, território não muito visitado pelo debate político corrente. Pela mesma razão, e também pela necessidade de não estender o texto, tratarei somente de alguns dos vários aspectos que o tema comporta.

Em mais de dois séculos de circulação, a palavra esquerda tem sido empregada para designar posições políticas bem distintas e nunca foi possível impedir que seu significado flutuasse muito. Não pretendo, obviamente, ser capaz de resolver este caso de “equivocidade do significante” (se é que pode ser resolvido), mas o leitor tem o direito de esperar que eu esclareça o sentido em que emprego o termo. Usarei aqui o conceito de esquerda para me referir apenas às organizações partidárias ligadas à classe trabalhadora e cuja política se orienta, em alguma medida, pelo princípio da independência de classe. Falo, portanto, do conjunto heterogêneo de agrupamentos socialistas que compõem o que poderíamos chamar de oposição de esquerda ao PT e a seu governo. Os pequenos e pouco numerosos grupos de esquerda classista que permanecem no PT ou em sua órbita não serão considerados, pois enquanto permanecerem subservientes à hegemonia da Esquerda do Capital serão nulas as chances de que venham a atuar por conta própria, ainda mais em assuntos que envolvem eleição e ocupação de cargos.

Nesta conjuntura e, por conseguinte, nas eleições de 2014 o objetivo central da esquerda deveria ser o de procurar os caminhos para a reconstrução da unidade política independente da classe trabalhadora, sabotada pelo transformismo do PT. As organizações terão de enfrentar esta tarefa em condições muito desfavoráveis, a começar por sua dificuldade para estabelecer uma plataforma unificada. O próprio fato de que concorrem separadamente mostra o grau de sua fragmentação, ou seja, de sua fraqueza. Em face do que está em jogo e do gigantismo do desafio, a opção pelo isolamento, quaisquer que sejam as razões alegadas, beira a irresponsabilidade. É fácil perceber que o objetivo de unificar a classe trabalhadora se enfraquece quando é formulado por organizações que sequer conseguem unificar-se para combater seus adversários comuns.

Uma pauta obrigatória para a esquerda nessas eleições é a avaliação da experiência da Esquerda do Capital no governo. No entanto, na maioria das vezes, esta crítica tem sido construída com base nos mesmos pressupostos das práticas que se propõe a combater. Dou dois exemplos. A mais estridente acusação lançada pela esquerda contra o governo nem sequer foi original, já que a paternidade cabe a outros: é a da corrupção, facilitada pela intensa exposição midiática de figurões do esquema petista flagrados com a boca na botija. Não estou sugerindo que a esquerda deva ter qualquer tolerância com corruptos, mas sim que a crítica seja feita de outro lugar que não o da mera reivindicação da gestão honesta da coisa pública. Nos termos em que é posta, esta crítica endossa os parâmetros burgueses de avaliação do bom ou mau governo e silencia sobre a natureza de classe do Estado, dos governos e dos governantes. Pretender diferenciar-se pelo grau de honestidade pode até render votos, mas não contribui em nada para organizar a classe em torno de sua própria independência política.

O segundo exemplo é o da avaliação das políticas de governo. A ênfase da crítica da esquerda recai, quase sempre, na apreciação negativa dos resultados das políticas públicas ou do funcionamento dos serviços públicos frente às demandas históricas da população. O tema não é tão simples porque, dados os compromissos reformistas da Esquerda do Capital, foram tomadas iniciativas que não podem ser ignoradas em áreas como habitação popular, renda mínima ou na expansão de serviços de atendimento emergencial à saúde ou ensino superior. A articulação de uma crítica efetiva a tais políticas exige ir além do balanço simplista funciona/não funciona, problematizando implicações políticas sérias da própria concepção das políticas – por exemplo, o caráter focalizado, assistencialista e provisório de muitas delas vis a vis do abandono de políticas promotoras de direitos com alcance universal que foram historicamente reivindicadas pela classe trabalhadora e, por muito tempo, também pelo PT. De qualquer modo, sobram motivos para criticar a deficiência dos serviços públicos e, ao fazê-lo, a esquerda abre um promissor canal de sintonia com os problemas enfrentados no cotidiano pela classe trabalhadora. Mais uma vez o dilema está na abordagem, pois a condenação à indigência dos serviços públicos brasileiros é unânime. Da esquerda seria de se esperar uma crítica que alcançasse dimensões mais profundas do problema e expusesse as correntes que atrelam o Estado, com suas políticas e serviços, ao capital.

Meu argumento é, em suma, que a atuação dessas organizações classistas no processo eleitoral deveria incluir a discussão da relação da classe trabalhadora e da própria esquerda com o Estado burguês, em geral, e com o mecanismo das eleições, em particular. A abordagem dominante deste problema, elaborada por intelectuais ligados ao petismo e difundida extensamente pelos mecanismos hegemônicos por eles dirigidos, precisa ser contestada. Ela enquadra a luta pela expansão e consolidação de direitos, que acompanha a história da classe trabalhadora no Brasil, no leito de Procusto de uma concepção liberal de democracia. Um determinado uso de conceitos, dentre os quais os de sociedade civil, cidadania, direitos e democracia, estruturou uma interpretação na qual o Estado aparece não mais como o lugar axial da política, mas como seu horizonte inultrapassável. O tenso, lento e incerto processo de ampliação do Estado brasileiro é tomado unilateralmente e festejado, por essa perspectiva, como reconhecimento e acolhimento da presença popular em espaços de formulação e gestão de políticas públicas. O que exige discussão, no entanto, é o caráter seletivo da incorporação de demandas dos grupos subalternos, e apenas em espaços cuidadosamente demarcados no Estado, longe do acesso a qualquer setor estratégico. Esses permanecem sob controle estrito dos grupos dominantes e mudar isso não está ao alcance de eleições ou de reformas, pois significaria a destruição dessa forma estatal.

 

3. Como construir uma política de esquerda socialmente enraizada e comprometida com a transformação da sociedade brasileira?

Nas linhas acima ficou esboçada a reflexão que proponho sobre esta última questão. Uma política de esquerda só me parece justificável se for construída sem concessões à colaboração de classes. O transformismo do PT tornou a hegemonia burguesa mais complexa e musculosa, incrementando o processo histórico de montagem da rede de trincheiras e casamatas nas quais a classe dominante defende suas posições. A luta de classes tem de ser travada, necessariamente, neste terreno e a esquerda precisa ser muito habilidosa no manejo das armas da contra-hegemonia. O risco é repetir o erro de muitos que interpretam a guerra de posições como se não fosse, verdadeiramente, uma guerra entre dois adversários irreconciliáveis. Como o conflito não assume a forma de um “ataque frontal”, concluem que a luta de “posição contra posição” é menos agressiva, tende a ser resolvida por algum tipo de entendimento. Daqui para o reformismo e a conciliação é um passo curto.

A estratégia contra-hegemônica, no entanto, pode ser conduzida em perspectiva revolucionária. “O que se pode contrapor, por parte de uma classe inovadora”, perguntava Gramsci, “a este complexo formidável de trincheiras e fortificações da classe dominante?” A resposta do comunista sardo me parece definir o núcleo de uma política de esquerda capaz de responder aos desafios da guerra de posições sem abrir mão do antagonismo radical:

O espírito de cisão, isto é, a conquista progressiva da consciência da própria personalidade histórica, espírito de cisão que deve tender a se ampliar da classe protagonista às classes aliadas potenciais: tudo isso requer um complexo trabalho ideológico, cuja primeira condição é o exato conhecimento do campo a ser esvaziado de seu elemento de massa humana.[6]

 

Por fim, o problema do enraizamento social da política de esquerda. O desafio é, a rigor, o enraizamento orgânico da própria esquerda nas classes subalternas. No padrão predominante, a vida organizativa deslocou-se para os nichos ocupados pela esquerda na sociedade política e a relação com as bases sociais se dá, portanto, de fora para dentro (não se pode levar a sério a tese de que a democratização do Estado eliminou o “estranhamento” entre o Estado restrito e os trabalhadores). A verdadeira força de transformação social não é a política que pode ser feita pela esquerda, mas o protagonismo ativo dos subalternos na medida em que conquistam progressivamente “consciência da própria personalidade histórica”. O papel da política da esquerda é o de contribuir para a ativação política da classe, missão que não pode ser cumprida de fora.

 

Notas:

[1] Desenvolvi este argumento com base em extensa pesquisa documental em COELHO, Eurelino. Uma Esquerda para o Capital. O transformismo dos grupos dirigentes do PT. São Paulo, Xamã-Feira de Santana, UEFS, 2012.

[2] FONTES, Virgínia. O Brasil e o Capital-Imperialismo. Teoria e História. Rio de Janeiro, PDSJV/Editora UFRJ, 2010, p. 304.

[3] Em julho próximo passado os jornais informaram sobre uma correspondência enviada pelo Banco Santander a clientes de alta renda. No texto, que provocou respostas indignadas de petistas, a possibilidade de reeleição de Dilma Roussef é associada à piora em indicadores econômicos.

[4] É o sugestivo título de uma coletânea de artigos sobre o primeiro governo do PT: ARCARY, Valério. Um Reformismo Quase Sem Reformas. Uma crítica marxista do governo Lula em defesa da revolução brasileira. São Paulo, José Luís e Rosa Sundermann, 2011.

[5] Dados consistentes sobre os efeitos socioeconômicos das políticas do primeiro governo petista foram organizados por FILGUEIRAS, Luiz e GONÇALVES, Reinaldo. A economia política do Governo Lula. São Paulo, Contraponto, 2007.

[6] GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol. 2. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000, p. 79, grifos meus.

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Comentários

  1. otavino alves da silva disse:

    Li o texto do Eurelino publicado pelo CVM. É uma análise do atual governo que o Aécio diz que esgotou porque não satisfaz por completo o desejo do capital, arroxar mais os salários, terceirizar o serviço público e privatizar o que ainda não foi privatizado, inclusive reformar a CLT para pior. Não foi à toa que num desses foros de empresários ele foi taxativo: o salário minimo está muito e impede a competitividade.