República Bolivariana da Venezuela: subdesenvolvimento e petróleo

Glaudionor Barbosa

 

É o petróleo, estúpido (Parodiando James Carville)

Porque o que os imperialistas não podem nos perdoar é que estamos aqui, o que os imperialistas não podem nos perdoar é a dignidade, a integridade, a coragem, a firmeza ideológica, o espírito de sacrifício e o espírito revolucionário do povo cubano.

É isso que eles não podem nos perdoar, que estejamos bem debaixo de seus narizes e que fizemos uma Revolução Socialista bem debaixo do nariz dos Estados Unidos!

E que defendamos esta Revolução socialista com essas espingardas! E que defendamos essa Revolução socialista com a coragem com que ontem os nossos artilheiros antiaéreos crivaram de balas os aviões atacantes!

Camaradas operários e camponeses, esta é a Revolução socialista e democrática dos humildes, com os humildes e para os humildes. E por esta Revolução dos humildes, pelos humildes e pelos humildes, estamos dispostos a dar a vida. (CASTRO, 1961)

 

 

1. Introdução

Este texto pretende discutir a atual situação da Venezuela do ponto de vista de uma economia política de nossa classe. É evidente que o maior inimigo da classe trabalhadora é a ignorância. Não é sem razão que deixar nossa classe na escuridão é o “feijão-com-arroz” da ideologia dos patrões. Conhecer as dificuldades e superações do povo venezuelano é uma obrigação de todo trabalhador consciente.

As duas chaves para compreensão da situação do país vizinho são o subdesenvolvimento econômico e social e a abundância de petróleo de máxima qualidade no território daquela Nação.

Que importância geopolítica tem as eleições da Venezuela frente a guerra entre Rússia e Ucrânia e o genocídio de Israel contra a Palestina? Onde está escrito no Direito Internacional que os Estados Unidos é fórum para decidir sobre a lisura e validade de eleições em um país soberano?

Qual o motivo da democracia passar a ter o peso político medido em ouro, quando os Estados Unidos invadiram países em todos os continentes, massacraram populações e instalaram ditaduras brutais no mundo. Além de Pinochet, gastaríamos muito papel citando os gorilas que torturaram e mataram, incluindo crianças, com o apoio dos Estados Unidos.

 

2. Subdesenvolvimento: etapa ou estado?

A “descoberta” de novos continentes, como o americano, incluindo a América Latina, onde situam-se hoje, o Brasil e a Venezuela, foram um capítulo do processo de mundialização do capital que tem o começo de sua história no período que vai do final do século XV (1499 achamento da Venezuela) até o século XVI (1500 achamento do Brasil), portanto antes da revolução industrial (1780-1840).

Para Marx o conceito de colonização envolve a conquista militar e a ocupação de todo um território externo (Colônia) ou de parte mais importante economicamente daquele território, como parte da expansão do nascente capitalismo expresso no poder de metrópoles europeias. O objetivo central dessas metrópoles era a máxima exploração desses novos territórios. Neste processo histórico reside a divisão do mundo em regiões centrais e periféricas.

A colonização já carrega em si uma situação de fato, onde países periféricos alimentarão os fluxos de capital para acumulação dos países centrais. Desse modo há um sentido na colonização que levará ao subdesenvolvimento, não como uma etapa que se deve realizar para chegar ao desenvolvimento, mas dada a rigidez das relações de poder econômico e político do sistema mundial. Desse modo é correto afirmar que o subdesenvolvimento é um estado de impossível superação dentro do capitalismo.  

O Autor que melhor esclarece a questão do subdesenvolvimento é André Gunder Frank, principalmente em “Capitalismo y Subdesarrollo em América Latina” (1965). Gunder Frank argumenta com bastante exatidão que:

[…] ignorância (ou má-fé, diria este autor) sobre a história dos países subdesenvolvidos nos leva a assumir que seu passado e, portanto, seu presente parece como os estados anteriores da história dos países agora desenvolvidos. Essa ignorância e essa presunção nos conduzem a graves erros sobre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento contemporâneos. E mais: a maioria dos estudos do desenvolvimento e do subdesenvolvimento não têm em conta as relações   econômicas e de outros tipos entre as metrópoles e suas colônias econômicas no decorrer da história da expansão e do desenvolvimento mundial do sistema mercantilista e capitalista. (GUNDER FRANK, 1966, p. 1)

Na mesma linha, continua Gunder Frank, mostrando que a grande maioria das teorias não acerta ao explicar a estrutura e a dinâmica histórica do sistema capitalista em sua totalidade, e fica distante quando tenta (ou não tenta) esclarecer a permanente criação síncronado subdesenvolvimento em algumas partes do sistema capitalista mundial (na quase totalidade os países colonizados) e do desenvolvimento econômico em outras partes.

É comum a afirmação de que o desenvolvimento econômico é gerado através de estágios sucessivos, contínuos e o seguinte sempre acima do anterior. Assim os países subdesenvolvidos em cada quadra histórica estariam em um estágio evolutivo que correspondeu em um tempo mais antigo aos dos países desenvolvidos. Porém, basta umraso conhecimento histórico para ver que osubdesenvolvimento nada tem de semelhante com conceitos, como sociedade tradicional. Na curva de desenvolvimento dos países subdesenvolvidos não há semelhanças significativas com a curva de desenvolvimento dos países desenvolvidos. Os países desenvolvidos eram feudais, na maioria dos caos. Nunca foram subdesenvolvidos, quando muito podiam ser considerados entre eles como não desenvolvidos. Esta podia ser uma caracterização razoável a dividir a Grã-Bretanha da Alemanha, ainda na primeira metade do século XIX, daí a terminologia de capitalismos retardatários.  

Importante é o processo incessante de espraiamento dos mecanismos de desenvolvimento/subdesenvolvimento comandado pela lógica do crescimento desigual e combinado:

Abundantes provas histórias sugerem que a expansão do sistema capitalista nos últimos séculos penetrou de maneira efetiva e completa inclusive nos setores aparentemente mais isolados do mundo subdesenvolvido. Logo, as instituições e relações econômicas, políticas, sociais e culturais que observamos atualmente são produto do desenvolvimento histórico do sistema capitalista, em não menor medida do que o são os aparentemente mais modernos recursos capitalistas das metrópoles nacionais desses países subdesenvolvidos. De maneira análoga às relações entre desenvolvimento e subdesenvolvimento no nível internacional, no nível nacional observamos que as instituições aparentemente subdesenvolvidas das zonas chamadas atrasadas ou feudais de um país subdesenvolvido são também a consequência de um processo histórico de desenvolvimento capitalista, na mesma medida em que o são as chamadas instituições capitalistas das zonas supostamente mais avançadas do mesmo país.(GUNDER FRANK, 1966, p. 2)

A História já provou a exaustão que não é possível superar o subdesenvolvimento sem uma Revolução Socialista que inicie o processo de destruição do Estado Capitalista e a criação com base no poder das massas trabalhadoresde um novo poder, mesmo que ocorra através de um Governo de Transição do Trabalhadores da cidade e do campo. Qual a Nação que saiu da orbita dos moinhos satânicos do capitalismo subdesenvolvido? Cuba é o caso único. Os revolucionários cubanos combinaram a guerrilha nas serras com um trabalho de organização de forças proletárias nas cidades. Duas questões envolviam a estratégia de Fidel e seus camaradas: (a) a guerra fria que determinava o respeito às zonas de influência dos dois blocos (socialista/URSS e capitalista/EUA); (b) a existência da União Soviética era fundamental para qualquer tentativa anticapitalista. Os dirigentes cubanos foram brilhantes ao compreender que naquele 1961, ou seja, dois anos após a revolução era possível modificar o caráter da revolução e o fizeram com o apoio implícito da União Soviética.

O caráter socialista da revolução foi declarado em 16/04/1961: a proclamação do caráter socialista da revolução é uma resposta à agressão imperialista perpetrada por mercenários articulados pela CIA com a invasão da praia Girón e morte de sete cubanos. (MARÇAIOLI, 2020)

A Venezuela nem carrega o peso da Guerra Fria, nem as vantagens geopolíticas de uma grande Estado socialista como era a União Soviética. Isso dificulta a possibilidade de uma declaração, se existir essa intenção) como àquela de Fidel Castro em abril de 1961, mas é possível que uma mudança na correlação de forças no mundo capitalista possa ensejar uma ação semelhante.

 

3. Qual o propósito do Imperialismo norte-americano na Venezuela: Por democracia ou pelo melhor petróleo do mundo?

Sempre que os Estados Unidos invadem ou retaliam um país, impondo sanções e efetuando bloqueios econômicos criminosos a explicação vem no título: “nossos rapazes estão lá (lá é um país soberano que Tio Sam invadiu) lutando por democracia”. Uma nota de pé de página poderia esclarecer que existem outros interesses geopolíticos e/ou geoeconômicos, para o velho e ganancioso Tio está onde não deveria. De meados do século XIX até o presente século XXI, os Estados Unidos invadiram e, em alguns casos, mudaram o regime de governo, colocando alguém favorável aos escusos interesses do imperialismo. Essa escalada criminosa começa no México em 1846/1848 até 2020 com o assassinato do General Soleimani do Irã. Ao todo são 88 invasões contra países os mais diversos com 110 milhões de mortos (DOMINGUEZ, 2020)

Entre o final do século passado e deste muitas transformações foram possíveis, com o surgimento de novos centros dinâmicos. Do ponto de vista econômico o que determina a geopolítica de um produto é o estoque de longo prazo, a demanda e a oferta no tempo. O Brasil nunca dominou a geopolítica do café, mas foi dominado, pois o preço daquele produto era cotado em centavos de dólar. No caso do petróleo a oferta e o peso no poder de articulação mundial são os determinantes da geopolítica.

Vale destacar que as mais importantes descobertas de fontes de petróleo com alto potencial econômico concentraram-se em países como Estados Unidos, Canadá, Brasil, além das reafirmações do petróleo de excelente qualidade da Venezuela.

Segundo a IEA (International Energy Agency) em 2018, os Estados Unidos da América passaram ao posto de maior produtor mundial, com uma oferta disponível diária de 11,3 milhões de barris. Enquanto o Canadá assumiu o recorde de reservas comprovadas em um total de mais de 179,6 bilhões de barris e o Brasil ingressou na lista dos dez maiores produtores de petróleo com média de 2,5 milhões de barris por dia, ultrapassando países tradicionais da antiga OPEP. Os cinco maiores produtores de petróleo do mundo são: Estados Unidos, Arábia Saudita, Rússia, Canadá, Iraque. Os dez maiores produtores de petróleo do mundo representam em torno de 70,0% da disponibilidade do petróleo bruto.  A Venezuela possui as maiores reservas petrolíferas do mundo, mas a extração e o beneficiamento do petróleo são fatores que mudam a realidade. 

TABELA 1

Países Selecionados

Petróleo

(Produção/Reservas Comprovadas/Participação Relativa)

País

Produção

Milhões de Barris/dia

Participação Relativa

(%)

Reservas Comprovadas (Posição)

Bilhões de Barris

EUA

12,9

22,7

68,8 (9ª)

Rússia

10,6

18,7

107,8 (6ª)

Arábia Saudita

9,6

16,9

297,5 (2ª)

Canadá

4,9

8,6

168,1 (3ª)

Iraque

4,3

7,6

145,0 (5ª)

China

4,2

7,4

16,1 (15ª)

Irã

3,9

6,9

157,8 (4ª)

Brasil

3,4

6.0

26,9 (14ª)

Emirados Árabes

3,3

5,8

97,8 (8ª)

Kuwait

2,6

4,6

101,5 (7ª)

Totais

56,7

Fonte: Energy Information Administration (IEA); Instituto Brasileiro de Petróleo; International Energy Agency)    Elaboração Própria

Que informações e análises podem ser feitas com base nos dados da Tabela 1? Os Estados Unidos lideram com 12,9 milhões de barris diários, ou seja, 22,7% da produção mundial, contudo suas reservas comprovadas são de 68,8 bilhões de barris, o que coloca aquele país em nono lugar.

A soma das produções dos três primeiros países (EUA, Rússia e Arábia Saudita representa quase 60,0% da produção mundial de petróleo. Ressalte-se que o segundo país em produção é a Rússia que representa um papel antissistêmico frente ao EUA e seus aliados. Como visto, o percentual dos EUA é de 22,7%, enquanto a Rússia tem um percentual de 18,7%, a saber, uma diferença mínima de 4 pontos percentuais. Destaque-se que essas posições representam conceitos de fluxos, sempre dependentes do conceito de estoque, a saber, enquanto os Estados Unidos da América possuem 68,8 bilhões de barris em reservas comprovadas, a Rússia controla 107,8 bilhões de barris, quase 40 bilhões a mais de barris.

O Oriente Médio é uma região que se mantem no centro da geopolítica mundial do petróleo por sua produção e grande estoque desse produto, ainda essencial, além de uma localização estratégica. Os interesses do Estados Unidos são longevos e permanentes e sempre se deu por intervenções diretas, atos de guerra e alianças. No núcleo das ações norte-americanas, o petróleo e a venda de armamentos e munições de alta destruição da indústria bélica norte-americana, que representa um polo dinâmico daquela economia capitalista.  

A Nação mais importante para os Estados Unidos naquela região é a Arábia Saudita ocupando a terceira posição mundial com uma produção diária de 9,6 milhões de barris/diários, o que corresponde a quase 17,0% do total daprodução-mundo, ocupando ainda a segunda posição na hierarquia mundial de reservas comprovadas com 297,5 bilhões de barris. Na condição de aliado e seguidor dos Estados Unidos, a Arábia Saudita completa com o hegemon mundial o polo de controle da geopolítica do petróleo com uma produção de quase 40% do petróleo mundial. Pode-se, pois, concluir que os dois atores sustentam uma relação de interdependência estrutural e que esta é fundamental para o poder global dos Estados Unidos.

O contraponto à posição hegemônica dos EUA é representado, além da Rússia, pela Venezuela que tem um estoque de 303,8 bilhões de barris, o que corresponde a quase 20,0% da atual reserva mundial comprovada. Os especialistas são unanimes em reconhecer o petróleo venezuelano como o melhor qualidade entre todos os existentes.

Além disso, algumas das principais intervenções governamentais do setor petrolífero na última década aconteceram na Venezuela, com a estatização de campos de petróleo, plataformas, terminais e embarcações, na Bolívia, com a nacionalização de reservas de gás, refinarias, logística de comercialização e distribuição.

A Revolução Bolivariana se baseou fortemente na existência de grandes fontes de petróleo e outros produtos, principalmente o petróleo de mais alta qualidade do mundo.

Nas duas primeiras décadas do século XX, aeconomia da Venezuela, ainda se baseava essencialmente em produtos agrícolas, mudando desde então para uma economia de produção e exportação de petróleo. Este produto é responsável por cerca de 80% das receitas de exportação e por mais de metade do financiamento da administração pública.

Essa dependência do petróleo cria uma situação instável se os preços sobem e o mercado tornasse de demanda a renda nacionalpermite aumentar os gastos públicos, elevar salários e atender a parte da burguesia residente. Os recursos do petróleo poderiam sustentar um processo de industrialização e diversificação de serviços na direção do socialismo, mas para tanto é necessário mudanças na trajetória da economia e da política.

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Referências:

CASTRO, Fidel Alejandro Ruiz. (1961) Uma Revolução dos humildes, pelos humildes e para os humildes (Fidel e a proclamação do caráter socialista da Revolução Cubana”). NOVACULTURA. Disponível em: https://www.novacultura.info/post/2023/04/17/fidel-e-a-proclamacao-do-carater-socialista-da-revolucao-cubanaAcesso em 12 de setembro de 2024.

GUNDER FRANK, André.  Capitalismo y Subdesarrollo em América Latina. Colección Socialismo y Libertad n° 39, 1965. http://elsudamericano.wordpress.com . Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/8006205/mod_resource/content/0/Capitalismo%20y%20subdesarrollo%20en%20Am%C3%A9rica%20Latina%20–%20Andr%C3%A9%20Gunder%20Frank%20–%200%20–%20d280bd8b44647182162d2a01a59785d9%20–%20Anna%E2%80%99s%20Archive.pdf  Acesso em 10 de agosto de 2024

GUNDER FRANK, André. O desenvolvimento do subdesenvolvimento. Nova Iorque: Monthly Review, vol. 18, nº 4, setembro de 1966. Disponível em: 7 André Gunder Frank O desenvolvimento do subdesenvolvimento.pdf (beneweb.com.br) Acesso em: 08 de agosto de 2024.

IBP – Instituto Brasileiro de Petróleo. Maiores produtores mundiais de petróleo em 2023. Disponível em: https://www.ibp.org.br/observatorio-do-setor/snapshots/maiores-produtores-mundiais-de-petroleo/ Acesso em 03/09/2024

MARÇAIOLI, Paulo. Fidel Castro e a Revolução Cubana(2020). (Resenha do livro Fidel e a Revolução – Judith Elaine dos Santos e Edgar Jorge Kolling (orgs.). Ed. Expressão Popular. 2017). LavraPalavra. Disponível em: https://lavrapalavra.com/2020/12/01/fidel-castro-e-a-revolucao-cubana/ Acesso em: 12 de agosto de 2024

RODRIGUES, Fania. (2019) Em 20 anos, Venezuela de Chávez e Maduro dobrou investimentos sociais. Brasil de Fato. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2019/01/15/em-20-anos-venezuela-de-chavez-e-maduro-dobra-investimentos-sociais

Statistical Review of World Energy. Power market data & analytics. Disponível em: BP Statistical Review ofWorld Energy Acesso em 02/09/2024

UNESCO. República Bolivariana da Venezuela. Disponível em: https://whc.unesco.org/en/statesparties/ve Acesso em: 22 de agosto de 2024

USA Energy Information Administration. International Energy Agency.. Disponível em: https://www.iea.org/ Acesso em 02/09/2024

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