Qual é a herança da Revolução Russa ?

A primeira oposição trotskista

Queremos assinalar aqui o que já assinalamos antes, que a divergência no seio do Partido ainda não constitui oposição no sentido de facção partidária. Todo comunista só pode agir conforme a sua consciência de revolucionário. Ele tem de decidir se uma divergência com a linha política é tão grave que impossibilita uma militância comum ou se se submete ao centralismo democrático porque acha que o denominador comum, objetivo da luta comum, mais do que a divergência momentânea, é principal. Visto desse ângulo, a divergência é um direito do comunista militante e não pretendemos aqui aplicar os padrões stalinistas posteriores (mas não só stalinistas) de que qualquer divergência só pode ser remediada por uma “autocrítica” formal.

Já mencionamos também que não vemos nas divergências de Trotsky por ocasião de Brest-Litowsk como luta de facção. Tampouco nas divergências de Lênin e Trotsky sobre a questão da militarização do trabalho ou da estatização dos sindicatos. Todas essas questões foram debatidas dentro dos padrões da democracia partidária e a minoria se submeteu à maioria.

Qualitativamente diferente tornou-se a divergência entre Lênin e Trotsky sobre a questão da planificação da economia soviética, mas as conseqüências só apareceram depois da retirada de Lênin da vida política – em virtude de sua doença e morte posterior.

Enquanto Lênin participava da direção do Partido e do Estado, se opunha às concepções de Trotsky sobre as possibilidades de uma planificação global da economia soviética. Argumentava que durante a NEP, uma espécie de capitalismo de Estado, com a existência de 20 milhões de unidades agrícolas particulares, não havia possibilidade de uma planificação global da economia. Lênin acusava Trotsky de formalismo administrativo. Defendia o ponto de vista de que o “Gosplan” (órgão estatal de planificação) só poderia elaborar planos setoriais, mas não globais. Para tal, tinha de ser criada ainda uma infra-estrutura, no decorrer da época da reconstrução. O único setor da economia onde admitia uma planificação global era o da eletrificação. Foi quando lançou a célebre palavra-de-ordem “Eletrificação + Ditadura do Proletariado = Socialismo”.

Isaac Deutscher, na sua biografia de Trotsky, quis dar a impressão de que Lênin, no seu leito de morte, aceitara o ponto de vista de Trotsky sobre a planificação, da mesma forma como já teria aceito implicitamente a “teoria da revolução permanente”. Tais tentativas do autor ameaçam diminuir o valor histórico de sua obra. Em geral, ele não esconde as fraquezas das posições de Trotsky e só podemos atribuir esse deslize ao seu empenho constante de defender a pessoa de Trotsky das calú- nias posteriores, que o stalinismo levantou contra o fundador do Exército Vermelho. Fato é que Lênin, impossibilitado de intervir no Congresso do Partido, onde pretendia dar combate aos métodos burocráticos de Stalin, procurou o apoio de Trotsky para a denúncia dos acontecimentos na Geórgia. As relações entre Lênin e Trotsky tinham sido tensas, principalmente devido às divergências em torno da questão do planejamento. Facilitando a reconciliação, Lênin não fez mais do que conceder a Trotsky que se poderia ter feito mais em matéria de planejamento. Mas isso tampouco adiantou. Trotsky, em vez de enfrentar Stalin, preferiu fazer um “compromisso podre” (Lênin) com ele e as preocupações do fundador da República Soviética sobre os acontecimentos da Geórgia e os métodos de Stalin não encontraram porta-voz.

Tudo isso, entretanto, não passava de uma introdução a uma problemática posterior, onde os conceitos de Trotsky sobre a planificação conservam sua importância.

No que diz respeito à liderança bolchevique, assistimos com a NEP a mudanças de posições fundamentais. Um exemplo é o caso de Bukharin. Porta-voz dos “comunistas de esquerda”, logo depois da Revolução, tornou-se expoente de um curso de direita, que defendia uma política de “socialismo a passo de lesma”, com receio de por em perigo a Aliança Operário-Camponesa.

As rivalidades e antagonismos pessoais, sem dúvidas, desempenharam seu papel na luta interna em torno da sucessão de Lênin. Assim, a aliança Zinoviev-KamenevStalin foi motivada em grande parte pela resistência dos velhos bolcheviques contra uma liderança de Trotsky, cujo passado não estava esquecido e que, por sua vez, em suas atitudes pessoais, nada fizera para superar a desconfiança existente. Por outro lado, não se pode dar importância em demasia às relações pessoais. Sinal é que o antagonismo entre Zinoviev e Trotsky ficaria superado quando se tratou de criar uma frente única contra Stalin. As causas eram mais profundas. Não há dúvidas que Trotsky e Stalin representavam dois pólos, duas concepções antagônicas numa luta que iria abalar os fundamentos do Partido e do Estado Soviético.

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