Qual é a herança da Revolução Russa ?

O fato consumado

Em 1920/1921, depois de quase quatro anos de guerra civil e intervenção armada de 14 países capitalistas, dois fatos estavam consumados. Em primeiro lugar, a onda revolucionária, que tinha abalado a Europa Central e que alimentara a esperança dos bolcheviques no sentido de um alastramento da revolução para o Oeste, tinha se esgotado. O capitalismo europeu sobrevivera e cercava a República Soviética, que ficara sozinha e tinha de resolver os seus problemas por conta própria.

Em segundo lugar, depois da derrota da contra-revolução, os problemas econômicos e sociais acumulados (mas tidos como secundários durante a guerra civil) surgiram à tona, exigindo soluções imediatas. Um sintoma extremo dessa situação foi o levante do Kronstadt, quando os marinheiros, aliados fiéis da revolução de 1917, se rebelaram contra o poder soviético.

O esforço de guerra tinha deixado a República Soviética em ruínas. Para se ter uma idéia da devastação causada, basta ter em conta que, em 1921, a renda nacional era um terço da de 1913, o último ano da paz. A produção industrial tinha caído, no mesmo período, para um quinto; a mineração do carvão, para um décimo; a produção de ferro, para um quadragésimo. Ao mesmo tempo, a população de Moscou ficou reduzida à metade e a de Petrogrado a um terço em relação a 1913.

Não menos alarmante era a situação social. Da pequena classe operária russa, nem 50% continuavam em fábricas e usinas. A sua parte mais ativa, com a tomada do poder, saíra da produção para ocupar funções políticas e administrativas no novo Estado e, em seguida, forneceria os comandantes e comissários políticos para um exército de camponeses, que no auge da guerra civil chegou a contar com cinco milhões de combatentes; ou formava unidades de elite (divisões proletárias) como dorso das forças revolucionárias. A antiga classe operária tinha se esgotado fisicamente na revolução e na guerra civil e o que restava era justamente a parte menos dinâmica e menos politizada. Com a reconstrução que se iniciava, a lacuna tinha de ser preenchida e o foi com centenas de milhares, e posteriormente milhões, de camponeses, vindo a qualidade política da classe a sofrer novas alterações.

Quando os bolcheviques tomaram o poder, não pretendiam por enquanto, no campo econômico, passar além do “controle da produção”, isto é, deixar as fábricas funcionando com seus antigos donos, mas sob controle operário e cogestão. A idéia não deu certo. Os donos geralmente fugiram espontaneamente ou os operários os fizeram fugir. Mas, nem os operários nem os bolcheviques estavam preparados para gerir o parque industrial. O problema foi encoberto pela guerra civil, quando a produção se limitou praticamente ao esforço de guerra. As cidades tinham de ser abastecidas com o produto do camponês, mas não produziam artigos industriais para dá-los em troca de cereais. Instaurou-se a requisição forçada de trigo. O sistema foi batizado de “comunismo de guerra”. Eliminava em grande parte a circula- ção de dinheiro e o pagamento dos operários se deu, na maioria das vezes, em espécie. Como sempre acontece em casos semelhantes, surgiram teorias que pretendiam transformar a necessidade em virtude. Segundo essas, o comunismo de guerra era tido como um passo na construção do socialismo. A realidade não se comprovou. O camponês agüentava as requisições porque eram tidas como provisórias, enquanto a volta dos grandes proprietários de terra, que acompanhavam os exércitos brancos, seria duradoura. O sistema não resolvia, tampouco, a situação nas cidades, que passavam fome, porque a quantidade dos alimentos requisitados era insuficiente. O descontentamento crescia. Em 1921, notava-se um aumento da influência menchevique nas fábricas – já tida como morta entre os operários industriais.

A saída do impasse preconizada por Lênin estava na chamada “Nova Política Econômica”, mais conhecida como NEP, conforme a sigla russa. A cidade, doravante, pagaria ao camponês o produto do seu trabalho. Foi estabelecido um sistema de quotas. A requisição armada foi abolida. Ao mesmo tempo, foi criado um espaço para a iniciativa privada na economia, tanto na produção quanto na distribuição das mercadorias. O Estado proletário se assegurou o domínio das indústrias chaves, mas o caminho estava aberto para o restabelecimento da economia de mercado. Mesmo as indústrias estatais tinham de respeitar as leis do mercado. Foi uma tentativa de reconstruir a economia soviética no quadro do célebre “um passo atrás, dois adiante” de Lênin. Ele mesmo caracterizava o sistema instalado como “capitalismo de Estado”, que só não virava capitalismo pura e simplesmente porque se dava sob o domínio da Ditadura do Proletariado. Hoje não há mais dúvidas que essa solução tirou a revolução do beco sem saída, mas, ao mesmo tempo, a NEP tornou-se um terreno fértil para as lutas de facções no interior do PCUS nos anos que se seguiram.

Faça seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *