Fatos & Crítica nº 24: “Não é o momento para isso”

 

 

Assim teria se manifestado o General Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional de Bolsonaro, no dia 22 de maio, ao reagir aos ímpetos golpistas de seu chefe, que pretendia destituir à força os 11 ministros do STF. O motivo da irritação do Presidente era a consulta que um dos ministros do tribunal havia feito à Procuradoria Geral da República a respeito da apreensão dos celulares do capitão e de um de seus filhos, em função de uma ação judicial movida por três partidos de oposição.

Esta seria, para os militares do alto escalão do governo, a segunda interferência indevida do Poder Judiciário sobre o Poder Executivo: a primeira havia ocorrido quando outro ministro do STF impedira a nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal, episódio que acabou por produzir também a saída de Sérgio Moro do cargo de Ministro da Justiça.

Entre estes dois episódios, os ânimos estiveram acirrados, quando uma sucessão de decisões do STF, com desdobramentos contrários aos interesses do Governo, tais como o inquérito das fake news, fechamento contas do facebook e investigação de seus financiadores, chegando ao “gabinete do ódio”.

Há muito tempo virou voz corrente entre os militares uma interpretação do Artigo 142 da Constituição – que diz que as Forças Armadas se destinam também a defender a “lei e a ordem” por “iniciativa dos poderes constitucionais” – segundo a qual é dada uma carta branca ao Executivo para garantir o seu “poder constitucional” com o emprego de força militar: o chamado “autogolpe”, já mencionado pelo General Mourão ainda na campanha eleitoral de 2018. E, para os militares, as duas atitudes do STF representariam um atentado ao “poder constitucional” de Bolsonaro.

Os militares brasileiros, entretanto, têm uma longa tradição de intervir nos rumos políticos do país, mesmo sem a interpretação duvidosa de dispositivos constitucionais, bastando citar a proclamação da República, a Revolução de 1930, a tentativa de golpes contra Getúlio, Juscelino e Goulart e a deposição deste último em 1964, abrindo 21 anos de controle direto do governo. Considerando esse passado e prevendo o futuro, jamais fizeram autocrítica das perseguições e torturas de opositores na ditadura militar, como se quisessem afirmar: “fizemos e faremos de novo, desde que as circunstâncias o exijam”.

Nunca é demais relembrar que a democracia burguesa se caracteriza também como uma ditadura direta e encoberta da burguesia, pois permite a essa classe exercer o seu domínio político, contando sobretudo (mas não apenas) com o emprego de sua força econômica avassaladora, antes, durante e depois das eleições. Ela põe em ação a máquina do Estado utilizando seus representantes diretos nos três poderes, ao lado da pressão de lobbies extraparlamentares e do uso da corrupção pura e simples.

Já a ditadura militar se caracteriza como uma ditadura aberta e indireta da mesma classe, mas, neste caso, a burguesia abre mão de exercer o seu poder político direto, por meio de seus representantes, para permitir aos militares o combate sem amarras a uma ameaça maior ao seu domínio de classe.

Como atualmente não existe ameaça dos trabalhadores ao domínio de classe da burguesia no Brasil, de fato ainda “não é o momento” para um golpe militar, máxima aspiração política de Bolsonaro e de seu grupo de extrema direita. Em troca, predominam as notas ameaçadoras endereçadas à “nação”, como a emitida pelo General Heleno, alertando para “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”, caso o Judiciário continuasse a contrariar o Executivo. Ou como a nota redigida dias mais tarde pelos Generais Mourão e Azevedo e Silva, comunicando que as Forças Armadas não cumpririam “ordens absurdas” do Judiciário ou do Legislativo. Ou avisos pela imprensa, como o do General Ramos, para “não esticar a corda”.

O próprio vazamento do conteúdo da explosiva reunião do dia 22 de maio, presenciada por um público bastante restrito do Palácio do Planalto, tem o propósito de avisar aos navegantes que os militares conseguiram, desta vez, conter os ímpetos de Bolsonaro, mas nada poderiam garantir em relação ao futuro.

O fato é que o STF continuou funcionando, emitindo ordens de prisão a membros de grupos bolsonaristas e proibindo as suas manifestações ameaçadoras nas redes sociais. Além disso, a situação de Flávio Bolsonaro no “escândalo das rachadinhas” piorou com a prisão de seu ex-assessor e homem de confiança, o miliciano Queiroz, e a descoberta de uma série de depósitos e pagamentos suspeitos envolvendo a família presidencial.

Não adiantou Bolsonaro se irritar mais uma vez diante da queda de seus aliados e vociferar: “acabou, porra!”, “chegamos ao limite!”. Parou de produzir incentivos diretos a sua militância de extrema direita e fortaleceu sua estratégia alternativa em direção ao chamado “centrão”, um conjunto de partidos políticos fisiológicos de direita, facilmente cooptáveis em troca de favores diversificados dentro da máquina estatal.

 

Um novo Bolsonaro?

A inauguração da nova fase de Bolsonaro foi marcada pela destituição de vários vice-líderes de seu governo na Câmara, entre eles o pastor Otoni de Paula – que utilizou o plenário para xingar de “lixo” um ministro do STF – e a ex-procuradora Bia Kicis, ambos radicais de direita.

Prosseguindo, o capitão trocou o próprio líder do governo, o fiel ex-paraquedista Major Vitor Hugo, por uma velha raposa do “Centrão”, Ricardo Barros, político camaleão que já havia prestado serviços aos governos de Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer. Incomodados com essa substituição e com as novas inclinações políticas de Bolsonaro em direção à “velha política”, que tanto haviam criticado, mais dois vice-líderes do governo, a PM Major Fabiana e o policial federal Ubiratan Sanderson, pediram dispensa de seus cargos.

A aliança com o “centrão” e a prevalência da ala militar no governo deram espaço, ainda, à discussão de iniciativas de estilo “desenvolvimentista”, como o programa “Pró-Brasil”, há algum tempo em gestação pelo General Braga Netto e pelo Ministro do Desenvolvimento Regional Rogério Marinho. Ambos já haviam entrado em rota de colisão com Paulo Guedes, que interpretou a proposta como uma ameaça à manutenção do sacrossanto “teto de gastos”, um dos itens da plataforma do capital financeiro.

Mais recentemente, ao comentar a saída de dois secretários encarregados da reforma administrativa e das privatizações, incomodados com as dificuldades encontradas para colocar em prática o programa neoliberal, Guedes caracterizou o movimento como uma “debandada”, insinuando que dava razão aos demissionários e que poderia ser o próximo, e alertou que a não obediência ao “teto de gastos” poderia levar Bolsonaro ao perigoso caminho em direção ao impeachment.

Ao ocorrer a inflexão, ainda que modestíssima, nas intenções do governo na política econômica e em relação às chamadas “reformas”, que não estariam andando a contento, a bolsa de valores caiu, o dólar se valorizou e Bolsonaro reagiu, acusando o mercado de não ter “patriotismo”.

 

Efeitos do auxílio emergencial

Ao lado da proposta de aumento dos investimentos públicos no “Pró-Brasil”, o governo resolveu lançar um novo programa de renda mínima, o “Renda Brasil”, que teria como objetivo conservar, ao menos em parte, a popularidade alcançada por Bolsonaro com o pagamento das cinco parcelas de R$ 600,00 do auxílio emergencial.

Como a continuação em caráter permanente do auxílio emergencial entra em contradição insuperável com a política de austeridade de Paulo Guedes e ameaça o “teto de gastos”, o governo pretende lançar mão de um truque de mágica: fundir benefícios já existentes, como o Bolsa Família, o abono salarial, o seguro-defeso (pago a pescadores artesanais, quando a pesca é proibida) e a Farmácia Popular e carimbá-los com o rótulo eleitoral de “Renda Brasil”.

As últimas pesquisas de opinião mostram que o auxílio emergencial para os 65 milhões de trabalhadores sem renda conseguiram reverter a queda de popularidade do capitão: hoje, 37% dos entrevistados consideram o seu governo ótimo ou bom, enquanto em junho eram 32%; os que consideram ruim ou péssimo são agora 34%, contra 44% em junho. Mas entre os que receberam o auxílio emergencial, 42% avaliam o governo como ótimo ou bom.

O problema é que essa fonte de renda emergencial não tem condições de ser mantida para todos e pode secar ou diminuir significativamente no curtíssimo prazo, por exigência da política de austeridade nos gastos. Então, os trabalhadores estarão face a face com a dureza da recessão econômica, cujos indicadores já se apresentam em toda a sua dimensão: a prévia do Produto Industrial Bruto calculada pelo Banco Central apontou uma queda recorde de 11% no segundo trimestre, em relação ao período anterior (quando já havia caído 1,5%).

Como consequência, o desemprego na última semana de julho atingiu 13,7% (na primeira semana de maio foi de 10,5%) e a tendência é que esse índice só aumente, já que as pessoas começam gradativamente a voltar a procurar emprego, após a flexibilização do isolamento causado pela pandemia. É que para a pesquisa do IBGE, só contam como desempregados aqueles que declaram que procuraram emprego. Se somarmos os que procuraram emprego e não acharam (12,9 milhões) aos que gostariam de trabalhar, mas não procuraram emprego (18,5 milhões), chega-se ao número verdadeiro de 31,4 milhões de desempregados. E ainda há que considerar, ao lado destes, 27,2 milhões de trabalhadores que vivem em condições precárias, dentro da informalidade.

 

Um estado policial em gestação?

O auxílio emergencial evitou que um descontentamento social viesse a desestabilizar o governo, situação muito temida pela classe dominante e pelos militares em especial, desde que o gravíssimo quadro sanitário se apresentou, atualmente, com mais de 100.000 mortos pela Covid-19.

Mas a ameaça de convulsão social não pode ainda ser descartada, tanto porque o auxílio emergencial não terá continuidade nas mesmas bases, quanto porque a economia não sairá tão cedo do quadro recessivo, que, aliás, já vinha se esboçando antes da pandemia. Além disso, a política econômica de austeridade, exigência do capital financeiro (fração hegemônica do bloco dominante), tem como consequência inevitável o aumento do desemprego, a diminuição dos salários e o corte de benefícios sociais dos trabalhadores.

Daí que as ações de inteligência passaram a ter grande importância para o governo, quer as planejadas pelos militares, que assim se preparam para a chegada do “momento” oportuno para agir, quer para atender às necessidades pessoais de Bolsonaro, que vem criticando a ineficiência dos órgãos de informação, conforme manifestou-se na famosa reunião ministerial de 22 de abril, cujas calhordices foram reveladas em vídeo transmitido para todo o país.

Como resposta a essas necessidades, foi aprovado o Decreto nº 10.445, de julho de 2020, que criou um certo Centro de Inteligência Nacional, dentro da estrutura da Agência Brasileira de Informações (ABIN), esta última chefiada por Alexandre Ramagem e subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional do General Heleno.

Entre as finalidades do Centro está a de cuidar das “cooperações técnicas”, destinadas a obter “inovações”, entre os órgãos integrantes do Sistema Brasileiro de Informações (SISBIN) e “agências parceiras”, ou seja, agências estrangeiras. Não é preciso muito esforço para saber a quem está sendo pedida ajuda. Basta lembrar que um dos órgãos visitados por Bolsonaro nos EUA logo após a sua posse, acompanhado de Sergio Moro, foi nada mais, nada menos, que a Agência Central de Inteligência (CIA) daquele país.

Logo essa busca por mais “eficiência” pelo SISBIN veio às claras com a divulgação da existência de um dossiê da unidade de inteligência do Ministério da Justiça (SEOPI) a respeito de 579 policiais antifascistas e professores, incluindo personalidades como Paulo Sérgio Pinheiro e Luiz Eduardo Soares. No governo Bolsonaro ser “antifascista” virou crime e o dossiê revela a intenção de preparar as condições para a perseguição política de funcionários públicos, quando chegar o “momento”.

Além disso, pululam na Câmara dos Deputados projetos de lei (PL) que têm como alvo atingir os movimentos sociais. O PL 1595/2019 proposto pelo Major Vitor Hugo, ex-líder do governo, propõe ampliar a lei antiterrorismo de Dilma (Lei nº 13.260/16) para caracterizar como terrorista todo o ato “que seja perigoso para a vida humana ou destrutivo de infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso-chave” ou que vise “afetar a definição de políticas públicas por meio de intimidação.” Também aqui o PL se manifesta pela necessidade de “cooperação internacional para compartilhar informações e para o treinamento conjunto”. Sabe-se já do que se trata.

Já o PL 2.418/19, de autoria do policial rodoviário federal José Medeiros, cria a obrigação de monitoramento de atividades terroristas por provedores de aplicações de internet e prevê a infiltração de agentes de inteligência nas redes telefônicas e telemáticas para o levantamento de informações, com a simples autorização da Justiça Militar. Esse mesmo deputado é o autor do PL 5.327, que caracteriza como “abuso do direito de articulação de movimentos sociais a provocação de terror social e a destruição de bens públicos e privados”.

O atual Ministro das Comunicações, o genro do apresentador Silvio Santos (Fábio Faria), também quis deixar a sua colaboração para o fortalecimento do sistema repressivo, ao propor o PL 3.389/2019, que pretende alterar o marco legal da internet para que o provedor do serviço exija e mantenha o CPF/CNPJ do usuário que divulgar conteúdo público, ou seja, político.

E ainda, de forma a sistematizar e centralizar as informações pessoais, os Decretos nº 10.046 e 10.047/2019 instituíram o Cadastro Base do Cidadão, onde serão armazenados todos os atributos biográficos e biométricos dos brasileiros, unificando e compartilhando os dados que hoje estão disponíveis de maneira dispersa nos diversos órgãos da administração pública.

Ou seja, mesmo antes do “momento” a que se referiu o General Heleno, em que a forma de governo venha a se transformar de uma ditadura encoberta em uma ditadura aberta, o governo já está estruturando um sistema repressivo que tornará muito mais fácil a prisão e a responsabilização de todos os seus opositores.

 

Lava-Jato em xeque

Eleito com as bandeiras de combate à “velha política” e à corrupção, e de apoio à Operação Lava-Jato, as circunstâncias políticas levaram Bolsonaro a pôr em prática exatamente o contrário do que alardeava combater.

Sem condições políticas para dar o golpe de estado dos seus sonhos e ameaçado com mais de 50 pedidos de impeachment que dormitam na presidência da Câmara dos Deputados, abraçou o “centrão” e, ao mesmo tempo, colocou em curso uma política de neutralização dos procuradores responsáveis pela Lava-Jato.

A demissão do Ministro da Justiça Sérgio Moro, ex-juiz da Lava-Jato de Curitiba, e a nomeação de um Procurador Geral da República aliado, que foi escolhido fora da lista tríplice da corporação do Ministério Público e que tem pretensões a ocupar uma vaga no STF, propiciaram as condições ótimas para que um acordo sonhado no início do governo de Michel Temer por Romero Jucá e outros políticos do MDB pudesse ser viabilizado: o desmonte da Operação Lava-Jato, com a ajuda de todos os interessados.

Embora a tentativa de controle e centralização das investigações da Lava-Jato na sede em Brasília ainda esteja pendente de uma decisão final no STF, a neutralização da Operação é essencial sobretudo para os partidos do “centrão”, envolvidos até o pescoço com denúncias de corrupção – mas não apenas para eles.

A Operação Lava-Jato em Curitiba acumulou um imenso volume de informações comprometedoras envolvendo a elite política do país, inclusive a respeito dos presidentes da Câmara e do Senado. Além disso, o seu braço no Rio de Janeiro foi o responsável por investigar o esquema de rachadinhas na Assembleia Legislativa, que é o pesadelo da família Bolsonaro.

Utilizando métodos de tortura psicológica para obter delações, vazamentos seletivos, censura e adulteração de delações, promiscuidade entre promotores e juízes, a Operação Lava-Jato tornou-se um poder autônomo, acima dos demais e que os ameaça constantemente. Não por acaso recebeu a denominação de “República de Curitiba”. Era inevitável que viesse a ser desmontada e os seus integrantes, mais cedo ou mais tarde, responsabilizados, como será o caso de Deltan Dallagnol, o inquisidor-chefe da operação.

O fim da Operação Lava-Jato é um elemento importante para a sustentação parlamentar de Bolsonaro e para o apoio do “centrão”, mas pode conter um efeito colateral inevitável: a revisão dos processos contra Lula. As recentes decisões da Segunda Turma do STF apontando o caráter político da divulgação da delação de Antonio Palocci por Sergio Moro durante as eleições de 2018, apontam para o julgamento da suspeição do juiz e para a anulação de suas sentenças. O resultado pode ser o retorno de Lula à corrida presidencial de 2022.

 

Os trabalhadores se movimentam

No tabuleiro da luta de classes, ficam evidentes os movimentos da burguesia e a sua preocupação pela implantação imediata das “reformas” exigidas por sua fração hegemônica, o grande capital financeiro. Ela também se preocupa com a insatisfação que as medidas de austeridade de gastos e de diminuição de direitos possam gerar junto aos trabalhadores, o que leva ao fortalecimento do aparelho repressivo do Estado. Ao seu lado, os militares se colocam em posição de alerta para a eventualidade de o poder burguês vir a ser ameaçado.

Mas e os trabalhadores?

A recessão econômica, o desemprego e as restrições produzidas pela pandemia são elementos que dificultam o movimento dos trabalhadores nesta conjuntura. Não obstante, dois acontecimentos são reveladores da sua capacidade de resistência, mesmo em condições extremamente desfavoráveis: a greve dos metalúrgicos da Renault em São José dos Pinhais, Paraná, e a luta dos trabalhadores rurais sem terra em Campo do Meio, Minas Gerais.

No primeiro caso, os operários realizaram uma greve de 21 dias pela reintegração de 747 demitidos, utilizando piquete na porta da fábrica e lançando mão do Fundo de Greve para a sustentação das necessidades básicas imediatas dos trabalhadores.

A mobilização obrigou a fábrica a readmitir os 747 operários até o dia 20 de agosto, quando ficarão abertas três possibilidades: reintegração (muito improvável), adesão a um plano de demissão “voluntária” (PDV), com 6 salários de incentivo, ou a colocação em lay-off, por cinco meses, prorrogáveis por mais três, com redução de 15% no salário.

Apesar de ter ficado demonstrado que a empresa só negociou porque foi pressionada pela greve, o seu desfecho representou apenas um adiamento das demissões ou um pequeno aumento do valor das indenizações, que terão fôlego curto para o sustento das famílias dos operários atingidos.

Ganhos maiores teriam que pressupor formas de organização e de luta mais elevadas, que compreendessem a solidariedade efetiva dos operários de outras empresas da região ou mesmo das fábricas Renault-Nissan de outros estados e países. A propósito, em Barcelona, após 95 dias de greve, os trabalhadores da Nissan impediram o fechamento da fábrica, pelo prazo de um ano. Fica, assim, evidente a necessidade de uma articulação internacional para fazer frente à investida desses grupos empresariais transnacionais contra o emprego, o salário e pelo aumento da exploração dos trabalhadores, em suas fábricas espalhadas pelo mundo.

A crise econômica e o avanço da automação já produziram 6.000 desempregados no setor automobilístico brasileiro até o momento e podem chegar a 10.000, caso sejam implementadas as demissões na General Motors. Só a unificação dos movimentos de resistência poderá impedir que as consequências da crise no setor venham a cair nas costas dos trabalhadores.

O outro exemplo de movimento de resistência veio do campo, mais precisamente do Quilombo Campo Grande, situado em Campo do Meio, Minas Gerais. Há 22 anos, 450 famílias vivem na área de uma usina falida que não pagou os direitos trabalhistas devidos aos seus empregados. Desde então os trabalhadores, organizados em 11 acampamentos do MST, ocuparam as terras da usina e as recuperaram com a plantação de café de alta qualidade, milho, feijão e hortaliças, sem o uso de agrotóxicos.

O antigo proprietário, entretanto, pediu a reintegração judicial da terra, inclusive de uma área do quilombo sobre a qual ele não teria legalmente a propriedade. Assim, em 14 de agosto uma violenta ação da Polícia Militar atacou as famílias, em plena pandemia, com bombas de gás lacrimogêneo.

Após resistirem ao despejo por 60 horas, as suas plantações foram destruídas. No dia anterior, um trator já havia demolido a Escola Popular Eduardo Galeano, onde crianças e adultos recebiam aulas de alfabetização.

O caráter de classe da justiça burguesa ficou mais uma vez revelado com essa ação cruel da polícia em prol dos interesses de um empresário rural e em detrimento de centenas de famílias que tiram o seu sustento de uma terra há 22 anos abandonada.

São dois exemplos de luta que mostram que os trabalhadores resistem às investidas do capital, na cidade e no campo. Para que as lutas tenham êxito efetivo, entretanto, é preciso unificá-las de modo que os trabalhadores, responsáveis por todas as riquezas produzidas, possam se expressar como uma força política independente, com interesses próprios.

Coletivo do CVM, 17/08/2020

Leia em PDF aqui: CADERNO F&C nº 24

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