Fatos & Crítica nº 7: Fechando a torneira da Lava-Jato

 

A enxurrada diária de denúncias de corrupção na imprensa tem revelado o óbvio, ou seja, que veteranos peixes graúdos da política nacional, oriundos principalmente do PMDB, mas também de quase todo o espectro partidário, estão tão enredados nas malhas da Operação Lava-Jato, quanto os acusados do PT.

O próprio presidente interino Temer, oriundo do golpe civil por ele mesmo capitaneado na vice-presidência da República com apoio parlamentar, do judiciário e de ampla sustentação midiática, foi atingido. Com cara de falsa indignação, ele teve que usar todos os seus recursos cênicos para desmentir a acusação de que teria intermediado propinas de uma empreiteira para o candidato de seu partido à prefeitura de São Paulo. Ousou até dizer, num gesto digno de um kamikaze, que se isso fosse verdade não poderia estar ocupando a cadeira mais importante da República. Ato contínuo destituiu o seu amigo Henrique Eduardo Alves, Ministro do Turismo, que veio a somar-se a dois outros colegas de ministério que já haviam experimentado a mesma sorte, por motivos análogos: o recebimento de gordas propinas oriundas de contratos de empreiteiras com a Transpetro, de acordo com as denúncias do ex-presidente da empresa, Sérgio Machado.

Assim, a Operação Lava-Jato vai revelando, com todos os seus detalhes sórdidos, como funciona o sistema político brasileiro: para a obtenção de contratos vantajosos com o governo, empresas privadas pagam propinas a executivos de órgãos e empresas públicas, que as repassam para os políticos que os nomearam, irrigando campanhas eleitorais caríssimas e os cofres pessoais de todos os participantes do processo. Os grandes negócios determinam a política e a política, ela própria, se torna um grande negócio.

Nada de novo para os que sabem que a democracia burguesa representa a maneira pela qual a burguesia exercita diretamente a sua dominação política, utilizando para tal a força do seu poder econômico. O modus operandi dos partidos burgueses brasileiros é apenas uma variante, altamente lucrativa para os seus participantes, da aplicação da força econômica da burguesia para controlar e dominar o estado.

Há, entretanto, na sociedade brasileira, uma parcela da pequena-burguesia que acredita piamente ser possível banir a corrupção do sistema político nacional. Representantes desse pensamento fazem parte hoje do Ministério Público e da força-tarefa da Operação Lava-Jato e começam, inclusive, a agir como força política, ao levar ao Congresso um projeto de lei de iniciativa popular denominado “Dez Medidas contra a Corrupção”.

Ocorre que, para a classe dominante como um todo, hegemonizada pelo capital financeiro, a Operação Lava-Jato foi um meio útil para retirar Dilma do poder e, com isso, poder implantar mais rapidamente as medidas econômicas para recuperar a taxa de lucro e a acumulação capitalista, jogando o peso da crise nas costas dos trabalhadores. Mas, deixa de ser um instrumento útil ao investir contra o sistema político como um todo, em especial contra os partidos que dão sustentação ao governo interino, e contra o próprio Temer.

Assim, para as forças políticas no poder, é preciso dar um ponto final à Lava-Jato. As conversas gravadas na cúpula do PMDB revelam uma trama para limitar os poderes do Ministério Público e vão na mesma linha do apelo público feito pelo Ministro Eliseu Padilha diante de empresários, quando defendeu a finalização da Operação, desse elemento de instabilidade política a ameaçar constantemente a cúpula do governo interino. O próprio Renan Calheiros, depois de ter a sua prisão pedida pelo Procurador Geral, voltou-se contra ele e cogita seriamente a sua remoção do cargo, por meio de uma ação de impedimento no Senado Federal.

Como a parcela direitista da pequena-burguesia, formada por pequenos empresários, profissionais liberais e assalariados de alta renda, que foram para as ruas nos últimos anos, estava mais mobilizada contra as tênues tinturas de esquerda do PT do que contra a corrupção propriamente dita, é pouco provável que volte a se mexer para dar apoio aos procuradores, o que seria a única saída para a continuidade da Operação até as suas últimas consequências. Assim, considerada a correlação de forças social, tudo indica que, em prol da preservação do sistema político, da governabilidade e da retirada do PT do poder, a torneira do Lava-Jato será finalmente fechada.

A política econômica contra os direitos dos trabalhadores

Enquanto isso, o representante direto do capital financeiro, Henrique Meireles, vai ditando a pauta da política econômica do governo interino, bem a gosto da fração burguesa hegemônica no bloco de poder. Aprovou no Congresso um déficit orçamentário exagerado, da ordem de R$ 170 bilhões, que representou um voto de confiança parlamentar na sua gestão. Para mostrar que é um “homem sério” e que não vai gastar o cheque recebido, mandou para o Congresso um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) congelando por pelo menos 10 anos os gastos do governo, em moeda constante. As consequências serão ruinosas para a educação e a saúde, cujas necessidades são crescentes. A mesma PEC explicita o seu conteúdo antitrabalhador ao extinguir a previsão constitucional para o abono salarial do PIS-PASEP, destinado aos que recebem até dois salários mínimos.

Outras medidas contra os trabalhadores que já vinham tramitando, como o PL 4330/04, que precariza as relações de trabalho, permitindo a terceirização das atividades-fim nas empresas e facilitando a transformação dos assalariados em pessoa jurídica, sem direitos trabalhistas, terão agora condições de passar com muito mais facilidade, com a nova maioria parlamentar constituída pelo Centrão, o PMDB e a antiga oposição de direita (PSDB-PPS-DEM).

As medidas mais polêmicas, como a reforma da previdência, com a instituição da idade mínima de 65 anose a desvinculação dos benefícios previdenciários do salário mínimo, e o fim da própria política de valorização do salário mínimo, estão à espera da aprovação final do impeachment de Dilma para serem implantadas, devido às resistências que certamente sofrerão do meio sindical.

As privatizações, que já vinham se processando no período anterior e que culminaram em fevereiro com o fim da obrigatoriedade de participação da Petrobras no pré-sal, estão sendo levadas a cabo com o pé no acelerador pelo Secretário de Investimentos Moreira Franco, começando pela ampliação do programa de concessões na área de transportes, em condições mais “amigas” para os investidores, agora constituídos de fundos com participação de capitais externos, em substituição às grandes empreiteiras envolvidas na Lava-Jato. Ultrapassada a interinidade do governo, as privatizações vão ter como alvo setores estatais mais expressivos, como a área de petróleo, de seguros (IRB, Caixa Seguros) e de loterias. O momento político favorável, com maioria congressual e desmoralização do setor público pela corrupção, deve ser aproveitado para passar de forma acelerada para as mãos do capital privado toda a propriedade pública que for possível.

E, cumprindo a função de cereja no bolo das ações neoliberais e direitistas do novo governo, a política externa dá os seus primeiros sinais de inflexão, com as ações de aproximação do Ministro José Serra com o argentino Macri e com Capriles, o líder da oposição burguesa venezuelana, visando colocar pressão a favor do referendo revocatório do mandato do Presidente Nicolás Maduro.

Os trabalhadores e a defesa dos seus direitos

Já os trabalhadores vivem hoje as consequências da pior crise econômica da história recente, sob a forma de desemprego crescente e desvalorização real de salários, decorrente da inflação, dos reajustes insuficientes e da rotatividade do trabalho. Exemplos disso são os 2.900 demitidos na Usiminas e os 2.000 operários ameaçados de demissão na Mercedes.

Manifestações como as de 10 de junho contra Temer, ainda que tenham ocorrido em praticamente todos os estados e congregado 100.000 pessoas na Avenida Paulista, mostram-se insuficientes para impedir o desfecho do impeachment de Dilma no Senado e caracterizam-se, sobretudo, pela participação majoritária das frações assalariadas da pequena-burguesia e pela participação reduzida da classe operária. Para reverter o processo, seria necessário, evidentemente, demonstrar uma força política muito maior.

Pensando nisso, a CUT divulgou uma Resolução, em 24 de maio, na qual manifesta a intenção de trabalhar com outras centrais sindicais, de forma a viabilizar uma greve geral contra o governo Temer. Sabe, porém que tem poucas condições de viabilizá-la. Durante 12 anos de governos petistas, pouco semeou e, portanto, terá pouco a colher. Recusou-se a fomentar a organização sindical independente, preferindo viver do imposto sindical, cooptar as suas lideranças para ocupar cargos no governo, nos fundos de previdência, nos fundos que administram os recursos dos trabalhadores, ou para participar do jogo eleitoral, ingressando no ambiente corrupto do financiamento empresarial das campanhas.

Além disso, atuou muitas vezes para frear o movimento e apoiou iniciativas no sentido de promover a conciliação de classes, como no caso dos acordos especiais de trabalho ao nível de empresas, do Programa de Proteção ao Emprego e da ausência geral de críticas aos programas de participação nos lucros e resultados das empresas (PLR). Assim, não será agora, numa conjuntura de defensiva, que a CUT conseguirá despertar a classe operária para um amplo movimento nacional de combate ao governo interino.

A resistência às medidas prejudiciais aos trabalhadores deve ser construída pela base, na luta pela defesa dos direitos ameaçados pela nova investida do capital. Isso faz parte da retomada do processo de organização independente dos trabalhadores, abandonado pela política de conciliação de classes da CUT e do PT, tanto no âmbito sindical quanto no político.

CVM, 19 de junho de 2016

Faça seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *