Eulália Lobo: uma vida nos combates pela História

Eduardo Stotz

As lembranças dos professores mais marcantes em nossas vidas guardam uma relação
afetiva com o esclarecimento do estranho mundo no início da adolescência e, mais
tarde, com a abertura de horizontes, ao respaldar questionamentos sobre a
necessidade do mundo continuar a ser como é. Relação de identidade intelectual
quando, na vida adulta, tentamos promover o encontro entre ciência e valor.
Guardaremos assim na memória Eulália Lobo, professora de História, mestra como
poucas. Ademais, ela cumpriu um papel importante para a nossa geração num
momento especial, pois se manteve no campo acadêmico como uma referência em
defesa da História enquanto ciência em meio ao relativismo e subjetivismo que
passaram a dominar o pensamento social no rastro do desmoronamento do sistema
socialista e do triunfo do capitalismo, sob a égide da política neoliberal. Esta breve
memória procura destacar, na ação e na obra da professora e da mestra, seus
combates pela História como ciência comprometida com o estudo dos problemas
candentes de nossa época.As lembranças dos professores mais marcantes em nossas vidas guardam uma relação afetiva com o esclarecimento do estranho mundo no início da adolescência e, mais tarde, com a abertura de horizontes, ao respaldar questionamentos sobre a necessidade do mundo continuar a ser como é. Relação de identidade intelectual quando, na vida adulta, tentamos promover o encontro entre ciência e valor.

Guardaremos assim na memória Eulália Lobo, professora de História, mestra como
poucas. Ademais, ela cumpriu um papel importante para a nossa geração num
momento especial, pois se manteve no campo acadêmico como uma referência em
defesa da História enquanto ciência em meio ao relativismo e subjetivismo que
passaram a dominar o pensamento social no rastro do desmoronamento do sistema
socialista e do triunfo do capitalismo, sob a égide da política neoliberal. Esta breve
memória procura destacar, na ação e na obra da professora e da mestra, seus
combates pela História como ciência comprometida com o estudo dos problemas
candentes de nossa época.

As viagens fizeram parte integrante da minha formação escolar desde o primário, num
curso para um pequeno grupo de alunos em minha casa, sob orientação de Nair
Lopes, uma professora muito criativa, e de meu pai, como já foi mencionado. Nós,
alunos, escrevíamos cartas aos parentes e amigos sobre viagens imaginárias pelo
Brasil e pelo mundo, como se estivéssemos vivendo na antiguidade, no presente e no
futuro. Tínhamos de fazer as pesquisas necessárias e usar a imaginação. Montávamos
peças de teatro, improvisando cenários e vestuários das várias épocas. Íamos também
visitar fábricas de tecidos no Jardim Botânico e em outros bairros, então proletários,
para tomar consciência de uma realidade mais ampla daquela em que vivíamos em
casa. (1)

As viagens fizeram parte integrante da minha formação escolar desde o primário, num
curso para um pequeno grupo de alunos em minha casa, sob orientação de Nair
Lopes, uma professora muito criativa, e de meu pai, como já foi mencionado. Nós,
alunos, escrevíamos cartas aos parentes e amigos sobre viagens imaginárias pelo
Brasil e pelo mundo, como se estivéssemos vivendo na antiguidade, no presente e no
futuro. Tínhamos de fazer as pesquisas necessárias e usar a imaginação. Montávamos
peças de teatro, improvisando cenários e vestuários das várias épocas. Íamos também
visitar fábricas de tecidos no Jardim Botânico e em outros bairros, então proletários,
para tomar consciência de uma realidade mais ampla daquela em que vivíamos em
casa. (1)

Ressaltamos a seguir alguns aspectos de sua obra como uma historiadora comprometida
com os rumos da sociedade em nossa época e particularmente com o estudo das forças
sociais interessadas na sua transformação.

Considerar os desafios propostos ao historiador pela sua própria época foi uma
característica importante da formação de Eulália Lobo, influenciada pelos historiadores da École des Annales que renovou as pesquisas históricas na França com a abertura aos
estudos antropológicos, sociológicos e econômicos. O desenvolvimentismo dos anos 1960 impulsionou em nosso país a História Econômica, perspectiva que doravante seria assumida por Eulália Lobo de modo ampliado, ou seja, como História Social. Os temas da
industrialização e da urbanização foram examinados à luz das conjunturas econômica e das lutas sociais, principalmente no final dos anos 1970, quando a retomada do movimento operário trouxe à tona a importância das comissões de fábrica e o questionamento à estrutura sindical atrelada ao Estado. Na UFF, com Ismênia de Lima Martins, coordenou o projeto “Processo de industrialização, condições de vida e movimento operário (fins do século XIX à década de 1930), inserido no programa de estudos “Cidade e campo no complexo regional do Rio de Janeiro nos séculos XIX e XX” estruturado com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), entre 1982 e 1986. A produção acadêmica resultou em várias dissertações, teses, artigos e livros. (2)

Na obra “Rio de Janeiro operário” por ela coordenada com base em estudos de diversos
colaboradores (Antonio Oliveira, Bernardo Kocher, Eduardo Stotz, Fátima Lisboa, Luiza
Martins, Mariza Simões e Pedro Tórtima) e dela própria, com o uso de fontes do arquivo do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, dos boletins do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, de entrevistas, etc., procura-se rever interpretações consagradas na
literatura sobre a atuação do operariado do Rio de Janeiro a partir da formulação de novas hipóteses. (2) Uma primeira hipótese diz respeito à interrerlação positiva entre movimento operário e condições de vida, usado em sentido amplo. Uma segunda, à correlação positiva entre movimento operário e conjuntura econômica. Devido a ausência desse último tipo de estudo entre nós, Eulália Lobo escreve neste livro um sucinto mas denso capítulo de análise sobre a correlação entre ciclos econômicos de curta e de longa duração e o comportamento operário contemplada na literatura internacional, incorporando principalmente as contribuições de Ernesto Screpanti em comunicação apresentada ao II Fórum Internacional de História do Movimento Operário, realizado em Paris em 1985. Outra hipótese desenvolvida em “Rio de Janeiro operário” trata da existência de uma organização operária relativamente autônoma que se desenvolve dentro dos limites do atrelamento dos sindicatos ao Estado.

Tais hipóteses são situadas no quadro mais amplo dos estudos sobre industrialização, o
operariado e o Estado, tendo em vista o questionamento das matrizes interpretativas
nucleadas em torno da tese da acumulação de capital a partir da crise da economia
cafeeira, fundamentada por economistas, sociólogos e historiadores de São Paulo, e de seus desdobramentos na explicação da formação e comportamento operário devido à sua proveniência rural. (3)

Esse empenho na fundamentação científica da História tendo em mente a construção dos
objetos de estudo por meio de cuidadosa pesquisa empírica, com utilização de diversos
métodos, levou Eulália Lobo a questionar o subjetivismo que passou a invadir as Ciências
Sociais, contrapondo-se à corrente da chamada Nova História. Nesse sentido, destacamos
aqui alguns trechos do prefácio a um conjunto de ensaios destinados a refletir sobre as
apercepções sociais do tempo (4) e que, a nosso ver, assinalam a visão de mundo e os
compromissos da historiadora:

A leitura desses ensaios suscitou em mim a preocupação com o status científico da
história, ameaçada pelo subjetivismo da abordagem centrada nas representações
sociais, ou seja, pelo anti-realismo epistemológico marcante nas ciências humanas na
atualidade. Ciro Flamarion Cardoso observou com pertinência que o ‘representacionismo’ em sua versão radicalizada contém uma aporia fundamental: se
se aceita o princípio do acesso aos objetos exteriores unicamente através de idéias e
representações, ‘como será possível saber do que as representações são, de fato, representações, já que não se tem outra forma de acesso aqueles objetos exteriores?’ (5)

Ressalva que o autor dos ensaios não tem preocupação e tampouco se identifica com o
‘representacionismo’, mas na medida em que situa o tempo como representação as trata
como “apercepções coletivas dominantes numa época e [que] correspondem às relações
sociais fundamentais que caracterizam essa sociedade”.

Estou de pleno acordo com essa crítica ao representacionismo na história, uma vez
que conduz à negação do tempo histórico. Tal crítica é válida inclusive no plano da
existência individual, pois se alguns julgam que o tempo não existe, nem por isso
escapam da morte, do fim do tempo da vida.

Acrescenta ainda que os ensaios foram agrupados sob o título de ” ‘Possibilidades’

… para enfatizar a preservação da potencialidade da humanidade escolher, dentro de
certos limites, seu destino. Ela não está condenada a sucumbir ao marasmo do
conformismo. O proclamado destino fatal ou fortuito da humanidade é contestado.
Apesar do fracasso do socialismo de estado, de forma dramática, eloquentemente
descrito no ensaio intitulado ‘Um sonho escuro, heróico e terrível’, não está
assegurado o sucesso do capitalismo globalizante como único caminho. O
desenvolvimento social está está sendo atingido, entre outras vicissitudes, pelas
crescentes limitações à livre circulação mundial de pessoas, de gêneros, de técnicas,
de ciência e de arte; pela exclusão dos povos desses benefícios, cuja expressão mais
aguda se manifesta na situação dramática de fome e violência na maior parte da
África. Pela sistemática destruição da natureza; e pela vulnerabilidade das economias
nacionais às crises bancárias, bursáteis e monetárias.

Finalmente acena para o papel do proletariado e de outras das forças sociais no
enfrentamento do capitalismo:

Estes ensaios suscitam em mim o pensamento de que, apesar das profundas
mudanças na economia — em particular no papel desempenhado pela indústria — que
reduziram o poder de pressão social do proletariado, perdura a possibilidade de luta
com vistas à redistribuição equitativa dos recursos, mediante a aliança do proletariado
com outras forças sociais que apenas começam a se esboçar. (6)

Notas:

(1) Lobo, E. M. L. As Viagens de Eulália: China, Índia e sua área de influência. CD-Rom. Rio
de Janeiro: Double M Multimeios Ltda, 2006.

(2) Para maiores informações a respeito da obra de Eulália Lobo ver o Curriculo Lattes.
CNPq, 2003, acessível por meio do link http://lattes.cnpq.br/8240912461030712

(3) Lobo, E. M.L. Rio de Janeiro operário: natureza do Estado, conjuntura econômica,
condições de vida e consciência de classe, 1930-1970.

(4) Stotz, E.N. O tempo no planetário e outros ensaios. Rio de Janeiro: Edição do autor,
2002.

(5) Cardoso, C.F. Uma opinião sobre as representações sociais. In: Cardoso, C F e Malerba,
J (orgs.) Representações: contribuição a um debate interdisciplinar. Campinas: Papirus,
2000.

(6) Esta reflexão inspira-se na avaliação da tese de doutoramento de Victor Meyer,
apresentada à escola de Administração Pública da UFBa, em dezembro de 2000, publicada
pela Casa da Qualidade sob a forma de livro com o título “Reação: articulação e organização
internacional dos trabalhadores ante a globalização – um fenômeno emergente”, em 2001.

(24/06/2011)

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Comentários

  1. Odon Porto de Almeida disse:

    Mais uma valiosa matéria do CVM. Por que não incluem comando para sua impressão? Teria a Eulália
    parentesco com o lutador Aristides da Silveira Lobo?